O Equilíbrio do Terror #4 – SWIFT: a bomba atómica financeira que pode eventualmente incomodar os verdadeiros donos disto tudo

Durante estes dois longos dias, muito se tem falado na possibilidade de utilizar a bomba atómica das sanções: banir a Federação Russa do SWIFT, um sistema integrado de comunicação de transacções transnacionais, que engloba mais de 11 mil instituições financeiras. O resultado prático da utilização deste nuke, long story short, seria a exclusão da Rússia do sistema financeiro internacional, mainstream, obrigando as suas empresas e bancos, bem como os seus fornecedores internacionais, e encontrar alternativas para as suas operações.

Diz quem percebe da poda que seria inútil recorrer a este instrumento de dissuasão, na medida em que Putin poderia optar, por exemplo, por criar uma cryptomoeda, ou aproximar-se ainda mais da China, que funcionaria como seu pivot na economia internacional. Mas eu, que percebo poucos destas podas, apesar de já ter assistido a umas quantas em Sobreposta, terei a ousadia de contrariar os especialistas. Por um lado porque Putin não invadiu a Ucrânia sem ter a lição bem estudada, como de resto nos vem provando, e já terá a crypto-opção em cima da mesa. Se nós temos esta informação, ele também a terá, prévia e devidamente estudada. Por outro lado, porque a aproximação à China está mais que consumada, como revelam os acordos para compra de petróleo e gás russo, firmados esta semana, para não falar na narrativa dominante na imprensa chinesa, toda ela controlada pelo comité central do PCC, assente na ideia de uma luta comum das duas potencias contra a opressão ocidental.
O problema, contudo, está nos danos que a utilização da sanção “nuclear” acarreta para as economias ocidentais. E sim, seria violentíssima. Mas a guerra já está em curso, e nenhuma opção vem sem um elevado custo. E o Ocidente, se pretende verdadeiramente obrigar Moscovo a recuar, tem necessariamente que fazer escolhas difíceis. Escolhas com custos económicos e sociais. E esses custos far-se-ão sentir mais intensamente nos Estados cujas economias têm ligações mais estreitas com a economia russa, em particular no sector da energia, como é o caso da Alemanha ou da Holanda. Percebe-se a hesitação.

Recorrer a uma sanção desta magnitude, reforço, tem custos. Custos pesados, difíceis, com consequências violentas para as democracias ocidentais. É o preço de queremos ter mercados tão livres que dão livre-trânsito a qualquer facínora. Mas o que será pior? Suportar esta factura agora, ou dar tempo a Putin para que se prepare para lidar com a mãe de todas as sanções, tornando-a inofensiva? É que, não sei se já se deram conta, mas já cometemos esse erro, quando permitimos que a Federação Russa fosse plenamente reintegrada no circuito económico internacional, após e apesar das invasões da Ossétia do Norte, da Abecásia e da Crimeia, permitindo que se preparasse financeiramente para a ofensiva a que hoje assistimos. Vamos esperar que as linhas da NATO sejam violadas, e só depois agir? E se a senhora que se segue for a Finlândia, que não integra a NATO, e que Moscovo já tratou ontem de ameaçar, caso decida pedir adesão à Aliança? O que faremos então?

From where I see it, a bomba atómica SWIFT deve ser usada agora, de forma a causar o máximo de dano à economia russa, comprometendo a capacidade de financiamento da sua banca, colocando as suas empresas em profundas dificuldades, e obrigando o Kremlin a recorrer ao seu fundo soberano para auxiliar a economia, desviando recursos que, de outra forma, estariam amplamente canalizados para o esforço de guerra. De outra forma, mantendo os mercados abertos ao regime de Putin, ainda que parcialmente, estaremos, gostemos ou não, a financiar, ainda que indirectamente, a invasão da Ucrânia. Nada que surpreenda, até porque o capitalismo, o modelo económico que nos governa de facto, não tem ideologia. E está tão comprometido com a democracia como Putin com a liberdade dos ucranianos.

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    Muito bom, João.
    É isso. Colocar o capitalismo a cortar todos os caminhos a Putin e ao seu regime. O problema para mim, mais até para os ucranianos, é que nada disso se vai passar.
    Na hora da verdade, para o capitalismo, um ucraniano é apenas 1 Hryvnia (moeda da Ucrânia).

    • POIS! says:

      O governo do SWIFT sempre me intrigou um bocado. Na prática, quem manda naquilo?

      Aquando da crise da Grécia, sei que houve uns rumores de ameaças Schaublianas que incluíam restrições no acesso dos bancos gregos ao sistema “se o Sirysa ganhasse as eleições”. E ganhou, mas adiante…

      Cuba, por exemplo, já teve problemas com o SWIFT. No tempo do Trump lembro-me de uma transação de charutos de uma empresa dos Países Baixos que foi alvo de uma tentativa de bloqueio através do SWIFT, pois os americanos queriam pôr as empresas europeias a bloquear Cuba.

      Ou seja o lema é: bloqueie-se Cuba, que é fácil!

      Já o “bloqueio” à malta Putina, pode ser um pouquinho mais difícil. Não sei porquê, mas cheira-me.

  2. Paulo Marques says:

    Tecnicismo, mas o Swift é um sistema de pagamentos entre entidades, mas não é necessário para que estas aconteçam, apenas mais eficiente. E atingiria todos, incluindo os que protestam contra a guerra nas ruas russas.
    De qualquer forma, o relevante não é só a energia; antes fosse. Nem um pequeno esforçozinho ou pequena inflação, ainda para mais com a Ucrânia limitada.
    https://braveneweurope.com/sarah-schiffling-nikolaos-valantasis-kanellos-five-essential-commodities-that-will-be-hit-by-war-in-ukraine
    Quanto à NATO, os soldados enviados para a fronteira servem para assegurar que são todos atacados e todos retaliavam; que não haja dúvida, porque senão a NATO caía no momento seguinte. Para os outros países é preocupante, mas a capacidade russa é limitada; por muita bravata, nem a invasão de 2014, nem esta, correm sobre rodas em território favorável. A Finlândia não é a Ucrânia.

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