É tão simples quanto isto: “Comércio livre ou ecologia!”

A casta de políticos mainstream e os adstritos comentadores andam a vender a tese de que o comércio livre é a resposta ao proteccionismo ceguinho de Trump. O que não gostam nada de enfrentar e empurram energicamente para debaixo do tapete, é a questão crucial da contradição intrínseca entre, por um lado, a promoção de um modelo de desenvolvimento que, à custa de ignorar as externalidades negativas, rodopia os produtos pelo globo, os vende ao preço “mais barato” e fomenta o descarte e, por outro lado, o combate ao descalabro climático.

Conforme sintetiza Serge Halimi: Doravante, todos sabem que o elogio, que se tornou consensual, dos produtores locais, dos circuitos curtos ou do tratamento in loco dos resíduos é incompatível com um modo de produção e de troca que multiplica as «cadeias de valor», isto é, que organiza a engrenagem dos porta-contentores nos quais as componentes de um mesmo produto «atravessarão três ou quatro vezes o Pacífico antes que ele chegue às prateleiras de um estabelecimento comercial».

Com o poderoso leque de acordos de livre comércio que a EU quer fazer passar à pressão, os Verdes, tão em moda, têm agora óptimas oportunidades de demonstrar quão verdes realmente são, seja no Parlamento Europeu, seja (em alguns casos em que a UE não conseguiu evitar que os acordos tivessem que “descer” ao nível nacional) nos respectivos parlamentos.

Não confio nada e parece que tenho razão: O parlamento do Luxemburgo está em vias de ratificar o CETA (acordo UE/Canadá), com o voto favorável dos Verdes.

Maravilhosa globalização

Mais um avanço na “prossecução de uma agenda comercial ambiciosa”, pela mão da ainda mais ambiciosa comissária para o comércio, Cecilia Malmström – desta vez na Reunião informal de Ministros do Comércio da UE, que teve lugar a 21 e 22 de Fevereiro, em Bucareste.

Na Conferência de imprensa da Presidência romena e da Comissão Europeia, Malmström – a quem, pela eficácia e competência dos seus gloriosos feitos em prol da globalização, as multinacionais deveriam atribuir um prémio – enumerou os últimos sucessos alcançados e mostrou-se confiante quanto aos que ainda quer alcançar.

Os acordos UE-Japão e UE-Singapura já cá cantam, em fila de espera estão Mexico, Chile, Indonésia, Austrália, Nova Zelândia, Tunísia, Mercosul, além de muito trabalhinho na Organização Mundial do Comércio.

Claro que um dos assuntos mais melindrosos que tem estado no topo da sua agenda são as negociações UE-USA. Depois de, no ano passado, Trump ter avançado com tarifas sobre alumínio e aço e ameaçar impor tarifas aos automóveis europeus, realizou-se em Julho o encontro com Juncker em que este, para apaziguar o loiraço, prometeu aumentar as importações de soja e gás liquefeito pela UE.

Sementes de soja geneticamente modificada e gás liquefeito maioritariamente proveniente do super poluente fracking, se já tinham as portas abertas, elas passaram a estar escancaradas.

Desde então, está a ser preparado o mandato para se chegar a um pequeno “deal”. As negociações do ambicioso TTIP mantêm-se congeladas (só que, como o mandato nunca foi revogado…), mas a comissão quer obter dos ministros do comércio um mandato para negociar em matéria de produtos industriais e cooperação regulatória.

Um deal que Trump, claro está, exige que seja justo. A atribuição do mandato de negociação à comissão está a ser promovida pela Alemanha e contrariada pela França, produzindo uma pequena escaramuça entre ambos os países.

Valha-nos, que apesar da enorme pressão dos EUA, neste pretendido mandato a agricultura fica de fora. Gregg Doud, o negociador-chefe do USTR em matéria de agricultura resfolegou: “Nem consigo expressar a minha frustração em relação à agricultura europeia e à forma como lidam com coisas como a biotecnologia; a forma como lidam com coisas como o frango com cloro e hormonas na carne de bovino.”

A frustração do sr. Doud é uma nítida expressão do que está em jogo. Normas de protecção ambiental, social ou do consumidor são, obviamente, empecilhos aos negócios, que se querem livres.

Um dos mandatos que a comissão enseja obter agora refere-se pois à cooperação regulatória UE-EUA, estando sobre a mesa as chamadas “avaliações da conformidade”. Claro, à porta fechada e com ouvido nos grandes lobbies.

Maravilhoso “comércio livre”. Que felizes seremos um dia, nesse imenso mercado global, em que os parlamentos serão teatrinhos encantadores…

A propósito,

o comércio livre é o proteccionismo dos mais fortes.

Cimeira G20- Ouçam as vozes que se erguem

Ontem e hoje o clube dos 20 (os líderes das 20 mais poderosas economias do mundo) esteve na sua reunião anual, desta feita em Buenos Aires, numa Argentina em profunda crise, inflação em nível recorde de ca. de 40% e cujo governo recomendou aos habitantes da cidade que fossem passar fora o fim de semana devido aos previstos massivos protestos da sociedade civil. Os quais, ao contrário do que sucedeu o ano passado em Hamburgo, se mantiveram pacíficos, mas foram significativos.

Couraçados dentro do habitual cerco de muitos milhares de polícias e soldados armados até aos dentes (25.000 desta vez), lá estiveram eles – Xi Jinping, Temer, Trump, Putin, Erdogan, Merkel, Macron, May, Trudeau, Juncker, Mohammed bin Salman e outras estrelas dúbias -, os supostos chefes do mundo (os donos dos mercados financeiros partem-se a rir), dedicados a discutir os temas que supostamente são os do mundo, fingindo que os resolvem, à custa dos contribuintes.

Além da “guerra comercial” e das tensões na Ucrânia a dominar as discussões, na agenda encontram-se nobres objectivos, como a luta contra as alterações climáticas e a aplicação do Acordo de Paris, ou o desenvolvimento sustentável. E coisas como o futuro do trabalho, o empoderamento das mulheres, a fiscalidade da economia digital.

A incomensurável desfaçatez desta gente, que continua a assinar centenas de acordos de comércio „livre“ e investimento que boicotam a protecção do ambiente! ou que não arrisca impor um imposto chorudo aos colossos (digitais) que praticamente não os pagam, antes agachando-se cada vez mais em competição entre si, a bem dos colossos!

Falinhas mansas de hipócritas que atiram calhaus para os olhos dos povos, enquanto se ajoelham perante o capital. Quanto a ideias verdadeiramente novas para se libertarem das correntes que se aplicaram e aplicam a si próprios, para assim mais libertarem as transnacionais, é zero.

Hoje, conseguiram amalgamar os temas do comércio, mudança climática e migração numa declaração final vaga e oca, sem qualquer efeito real, com ou sem Trump. [Read more…]

A distracção da “guerra comercial”

A “guerra comercial” vem ultimamente ocupando as primeiras páginas das notícias. Não se distraia com ela, recomenda a Greenpeace.

Não que não tenha consequências, claro que tem; porém, afasta a atenção daquilo que deveria ser, de facto, o foco essencial: as mudanças climáticas e a paz (a todos os níveis) e a sua conexão com as presentes políticas de comércio global, promovidas a todo o vapor pela Comissão Europeia e pelos estados-membros.

A “guerra” de tarifas sobre aço e a réplica na manteiga de amendoim são apenas detalhes de uma política de globalização cega, centrada no crescimento, no barato e no descartável, à custa da saúde e do planeta e ao serviço dos monstros transnacionais.

Está prontinho a sair do forno o JEFTA, o acordo comercial UE/Japão, todo confeccionado longe dos parlamentos nacionais, os quais nem sequer são devidamente informados pelos seus governos sobre um acordo de mais de 1.000 páginas, que vai limitar severamente o espaço político da UE, dos seus estados membros e até mesmo dos governos regionais e locais. [Read more…]

Aproximação ao papão – Realinhamento geopolítico e “comércio livre”

AP

“O eixo transatlântico Bruxelas-Washington vai dar lugar ao eixo transcontinental Bruxelas Beijing, uma nova “rota da seda” com dois sentidos? Quem imaginaria, um ano atrás, uma tal mudança na geopolítica mundial ?!“ pergunta-se, quiçá com sinceridade, Vital Moreira. Pois possivelmente não daria para imaginar, mas esse supostamente inteligentíssimo argumento de “estratégia geopolítica” foi recorrentemente invocado pelos apóstolos do comércio livre para justificar a obrigatoriedade da aprovação do acordo de comércio e investimento UE/Canadá (CETA). Um argumento de sapientes especialistas, que por ele sempre consideraram justificada a imolação de direitos de consumidores, produtores e trabalhadores e a entrega das rédeas dos mercados aos interesses da alta finança e das multinacionais, através de tribunais e de direitos especialíssimos para proteger os investidores. [Read more…]

Lições dos protestos

Foto: Greenpeace

Enquanto para o governo do PS português o acordo de comércio e investimento com o Canadá (CETA) já estava mais que bem na sua actual forma – talvez por falta de paciência para ler as 1.600 páginas, em que nem uma única vez é referido o princípio da precaução, nem fica assegurado que os OGMs não serão permitidos na Europa – outros dirigentes europeus estão, com a comissão à cabeça, a ter de usar todos os cartuxos para o assinarem em Outubro – incluindo a promessa de anexarem ao texto declarações adicionais com valor jurídico para “melhorar” uns 3 ou 4 pontos dos que têm sido apontados como inaceitáveis pelo movimento de protesto europeu. Há especialistas a dizer que estas declarações não têm valor nenhum se não estiverem no próprio texto, mas o que é certo é que, com mais este coelho tirado do chapéu mágico, muita gente anda a engolir o isco. Segundo declarações no final do encontro de ontem em Bratislava, existirá já um consenso pró-CETA entre os ministros do comércio – pressuposta a inclusão das ditas declarações. Mesmo a Áustria e Bélgica, anteriormente candidatas ao veto, já se terão alinhado.
Ora bem, sem entrar nos detalhes dos problemas que persistem no acordo – e que são os principais – vejamos quais são as lessons learnt deste processo: [Read more…]