O inelutável processo de esvaziamento dos partidos a que temos assistido, parece apontar para uma nova forma de democracia representativa. Garantindo a democracia formal e todos os direitos constitucionais a ela inerentes, o sistema foi cedendo o caminho a um novo mundo que deixou há décadas de ser bipolar. Os partidos não conseguiram conceber modelos alternativos ao hegemónico neo-liberalismo que de Los Angeles a Moscovo e até Pequim, esfacelou dogmas ideológicos, derrubou alianças militares e tornou o negócio, como o exclusivo centro do debate na sociedade.
O efeito da mudança torna-se notório em Portugal, quando os dois principais partidos da rotação em nada se distinguem na sua praxis e nos projectos de gestão corrente do Estado. Assim, parece que evoluiremos para um sistema onde as eleições beneficiarão aquele que estiver em melhores condições tácticas e isto significa antes do mais, a possibilidade de influenciar através da paternal mão do aparelho do Estado e consequentemente, o decisivo peso junto das empresas que no nosso país, históricamente sempre muito dependeram dos serviços públicos. Entramos de forma assumida, num círculo vicioso de comprometimentos que garantem o status quo. Para o sector empresarial privado, a titularidade do poder político já não é um problema que se coloca, pois a existência de apenas um modelo possível de gestão – por que é disso mesmo que se trata -, atenua as velhas querelas entre “direita e esquerda”, cada vez mais submissas a conjuntos normativos globais, inteiramente gizados extra-fronteiras.
O eleitorado compreende instintivamente os novos tempos e desinteressa-se da vida interna dos partidos que outrora eram olhados com apaixonada devoção. O outrora visível e centralizado poder político que parecia conformar todos os aspectos da sociedade, está hoje mais pulverizado e deloca-se lentamente das agremiações partidárias, para uma multiplicidade de agentes que vão influenciando através dos novos meios de comunicação postos à disposição de todos pela tecnologia. O próprio sistema económico global trouxe novas preocupações de satisfação do consumo – a grande obsessão do século – e a dívida surge desta forma, como a intransponível barreira, mitigando até ao nível da ninharia, o conflito ideológico que enlanguesceu por aparentemente já não ter razão de existir. Nesta realidade à qual não nos podemos subtrair, concluiremos que a possível modificação da representatividade parlamentar da qual saem os governos, será num futuro pouco distante, ditada apenas por meros factores acessórios, como a eficácia do marketing, o fulanismo de uma liderança, ou o simples cansaço do eleitor que por vezes deseja promover uma cara nova. Não será anacrónico colocar a hipótese de a futura realidade política e social, levar á própria reformulação do conceito de representatividade democrática, pois tendo-se alargado a participação através da informação, a democracia parece ter extravasado os até agora normais limites partidários parlamentares. E aqui apresenta-se-nos mais uma dificuldade difícil de ultrapassar, pois a percepção que hoje temos dos partidos do poder, consiste na certeza do progressivo estiolar da dinâmica de outrora, transformando-se aqueles em clubes de correligionários de banquetes, cerimónias e sobretudo, de lugares rendosos. De facto, a demonstrada mobilidade de titulares de órgãos de soberania em direcção aos conselhos de administração das grandes empresas, parece comprovar essa mútua dependência que conformou o sistema. Vivemos já o alvorecer de uma nova ordem.
Será o regresso dos velhos partidos de quadros de há cem anos? Se assim for, é a vingança da História.
Muito bom, caro Nuno.