Continuando o que escrevi aqui.
Uma vez que a estatística passou a ser o fundamento maior das opções políticas, ao invés da defesa e prossecução do bem público, a Justiça foi a reboque desta nova corrente iluminada de reduzir tudo a números. Assim, um modo de reduzir o número de processos nos tribunais, é retirar certas matérias dos tribunais. Como os tribunais deixam de tratar de certas questões, obviamente o número de processos pendentes baixa.
Uma outra, é afastar os cidadãos dos tribunais, tornando a Justiça num serviço financeiramente incomportável para a grande maioria do povo.
Começo pelo processo de desjudicialização a que assistimos, como é o caso da Lei 29/2009 de 29/06, que prevê que os processos de inventário deixem de ser tratados directamente pelo Juiz, antes passando este a ter intervenção directa limitada aos casos previstos no diploma (artº 6º). O Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado por aquela Lei, era para entrar em vigor no passado mês de Janeiro, e foi, após constantes pressões da Ordem dos Advogados, prorrogado para 18 de Julho próximo.
Repare-se que ao falar de Inventário, está-se a falar de partilhas, o que são sempre matérias delicadas e de potencial conflito. Mas isso pouco importará, ao contrário da agilização.
Acresce a famosa Acção Executiva sobre a qual o controlo dos Juízes é mínimo. De tal modo, que hoje a destituição do Agente de Execução já não passa pelas mãos do magistrado judicial do processo, antes é avaliada pela respectiva entidade com competência disciplinadora (artº 808º nº 6, com a redacção do DL 226/2008, de 20/11). Hoje, isto tipo de acção judicial está praticamente privatizada, nas mãos de profissionais liberais que são os Agentes de Execução.
Aliás, em matéria de cobrança de dívidas, muitos há que entendem que se trata de “bagatelas jurídicas” que nem sequer têm dignidade para serem tratadas num tribunal. Obviamente que são aqueles que têm o seu salário garantido ao fim do mês, não precisando de se preocupar em cobrar créditos para pagar salários ou cobrar os seus honorários.
Urge trazer de novo as causas aos tribunais. Garantir a aplicação do Direito a quem cabe aplicá-lo: aos Juízes. E que se invista o que é necessário nesse domínio. Ao invés de se optar por retrocessos civilizacionais, por via do facilitismo estatístico.
Para além de ser necessário trazer as causas aos tribunais, é necessário trazer de novo o cidadão. E este só poderá voltar quando as Custas Judiciais deixarem de ser proibitivas para a classe média, num país onde o salário mínimo nacional é de € 475,00.
As custas são pagas por “Unidades de Conta” (UC), e cada uma custa € 102,00, ou seja mais de 20% do actual salário mínimo nacional.
A título de exemplo, veja-se alguém que, por exemplo, ofendido pela prática de certo crime, quer constituir-se Assistente no processo para poder intervir no mesmo (ou em caso de crime particular, como Injúria ou difamação, é mesmo obrigado para que o processo corra), tem de auto-liquidar 1 UC (€ 102,00) . Mas no final do processo, pode o Juiz fixar até 10 UC (€ 1020,00) “tendo em consideração o desfecho do processo e a concreta actividade processual do assistente” – artº 8º nº 1 do Regulamento das Custas Judiciais (DL 34/2008, de 26/02).
Em Processo Penal, um Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, custa entre 5 a 10 UC (€ 510,00 a € 1020).
Só mesmo para quem tem dinheiro, é que há garantias processuais de intervenção e de defesa.
A Justiça, com as actuais Custas Judiciais, tornou-se um serviço de luxo. E este é um dos mais nefastos retrocessos que a nossa democracia sofreu, e que cidadania sofre dia-a-dia.
Um Estado que legisla e cobra assim, quer, claramente, afastar os cidadãos dos tribunais, e, assim, do exercício dos direitos, liberdades e garantias de uma Constituição que aos poucos se vai deixando de cumprir.
Por tabela, também a Advocacia sofre. Tanto mais quando a Justiça além de cara, é lenta, e a Lei errante e incerta.
Disso falarei no próximo texto.
Tal como se encontra o “Processo Executivo”, afigura-se-nos, que foi uma forma indirecta de “prtivatizar” parte da justiça.
Muito importante o que dizes em várias matérias. No que diz respeito às custas isso, então, é manifestamente para, na base da capacidade financeira, discriminar os cidadãos no acesso à Justiça. mas julgo que há assuntos que podem e devem ser agilizados, As dívidas das telecomunicações deveriam ser tratadas por atacado. O montante é pequeno e as razões as mesmas. Noutros casos as empresas só querem um documento do tribunal para que a dívida não cobrada seja considerada fiscalmente, custo.É dar o papelinho sem sessões em tribunal. Outra questão é o garantismo, que só favorece ricos e batoteiros.Falsificar documentos, prestar testemunhos falsos, difamar nas acções e em pleno tribunal tudo deveria ser travado, com penas severas, O mesmo se passa com recursos que só servem para empatar. Impedir que a Justiça seja feita é um crime que os nossos tribunais deveriam levar a sério, não só por razões de higiene e de respeito, mas porque a ideia é bloquer a justiça. Como é que uma acção decorre anos num tribunal na base de um documento comprovadamente faso?