Ciência e poesia

(Com especial abraço ao amigo Raul Iturra)

Encontrava-me num café de Paris, na Place de Contrescarpe, onde Edith Piaf (un petit oiseau) iniciara a sua carreira como cantora de rua.

Eu sonhava…nessa altura não era proibido sonhar, pelo contrário, era obrigatório sonhar.

À medida que a luz da manhã crescia, insubstancial e fria, eu descia a Rue Mouffetard. À minha direita descia Tchaikovsky e à minha esquerda subia Van Gogh. Madrugavam ambos as suas inquietas e inflamadas personalidades nessa horizontal e fresca manhã do século dezanove.

– Bonjour Monsieur Van Gogh.

– Bonjour Monsieur Pyotr Ilitch.

– Bom dia rapaziada, disse eu.

– Une merde, une merde, cochicharam os dois.

Sorridente e feliz segui o meu caminho para a Faculdade de Medicina Salpétrière. Estávamos nos primórdios da ecocardiografia, e debatia-se a soberania da famosa vertente E-F da válvula mitral.

A melodia e a cor entraram em mim pelas mãos da ciência. Para lá do frio academismo, ciência e poesia confundem-se. A chama da poesia acende os dedos da paixão, onde mora o brilho da inspiração na conquista da harmonia do saber a caminho do horizonte.

A ciência enriquece a poesia. Ciência sem poesia é violino sem alma. Disso nada entendiam nem Van Gogh nem Tchaikovsky.

Na entrada do anfiteatro, um busto holográfico de Hipócrates falava-nos mansamente. A mim piscou-me o olho e disse-me por entre dentes:

Mon fils, la vie de la science c’est le chemin pour la rencontre de nous mêmes.

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