
a mulher trabalha fora e em casa
Esta é a imagem de uma mulher a trabalhar: elegante, bem vestida, bem penteada, espaço limpo, sem papeis no meio: uma organização no espaço de trabalho. No entanto, nem sempre é assim. Escolhi esta imagem, por ser o que se vê dentro do mundo social. No espaço privado, o trabalho do lar despenteia, cansa, até a roupa é outra, que se pode sujar com a lide doméstica, e que, por ser mulher, ela tem a obrigação de fazer. Os homens, até há pouco tempo, não colaboravam no trabalho de casa nem a mulher o permitia: era o seu domínio, sentia-o como seu dever, sem horário. Ou, por outras palavras, o trabalho doméstico era o seu horário: começava de manhã cedo e acabava no minuto em que esse, o seu espaço, espaço de família, ficava acabado.
Em vários ensaios tenho afirmado que falar de crianças é um tema difícil. Falar do trabalho da mulher, é ainda mais. Para falar de crianças, há regras, manuais, estudos especializados. Para falar do trabalho da mulher, há apenas o quotidiano e o que em casa se vê. É um trabalho costumeiro e nunca bem prezado. Não é por casualidade que uso a palavra desapreço no título deste ensaio, tem um significado polivalente. Primeiro, o trabalho do lar não é considerado trabalho. O conceito trabalho tem sido definido pelas pessoas da ciência da economia como uma actividade que dá mais-valia em moeda investida para render mais moeda ou capital.
O trabalho da mulher é considerado como uma actividade não lucrativa. O que comemoramos no dia do trabalhador, são trabalhos lucrativos e o trabalho da mulher em casa, é considerado com desdém, com falta de apreço, como se não tivesse um rendimento no trabalho fora de casa, e ainda dentro da mesma casa. O trabalho doméstico da mulher é considerado como negligência; desalinho; desafectaçãodesafetação, abandono de si própria.
Razão tinha Anton Vladimir Chayanov no seu texto de 1905, em que debate as teorias de Vladimir Lenine, ao analisar a vida familiar como uma unidade económica campesina, na qual todos trabalhavam, quer nas terras, quer nas casas. Especialmente a mulher quem amassava o pão, lavava a roupa, cozinhava e levava o produto do seu trabalho a tempo e horas para as refeições: o pequeno-almoço às 6 da manhã, o almoço as 11 e a merenda, pelas quatro da tarde. O jantar repousado da noite estava preparado, era comido e os tachos, panelas e sítio de jantar, lavados e limpos. As mulheres da casa eram as primeiras a levantar-se e as derradeiras a deitar-se. Assim era em 1905, mas actualmente, o trabalho da mulher contínua igual. Entre a preparação do pequeno-almoço, o acompanhamento e verificação de que as crianças estão prontas para irem para a escola, que não se esqueçam dos livros nem do almoço que levam com elas, o mesmo acontece com o marido ou companheiro, verificar se os sapatos estão limpos, se tem um lenço de nariz no bolso, etc., fica com o dever cumprido antes dela própria sair para o seu trabalho. Normalmente a limpar a casa de outros, a mulher-a-dias, a secretariar numa empresa, ou tomar conta da gestão do lugar em que trabalha. A sua jornada de trabalho fora do lar, é de oito horas, como hoje em dia manda o Código do Trabalho que nos rege.
O que os seres humanos em geral não reparam, é que sem todas estas actividades, era impossível preparar o dia e a semana laboral. Há sempre esse observar do grupo social que, se as crianças aparecem na escola despenteadas e não limpas são mandados aos seus pais para que tratem delas, ou mandam chamar, normalmente a mãe, para lhes ensinar higiene. Como tenho observado no meu bairro, nas aldeias que estudo em vários sítios do mundo, ou nos bairros de outros países fora de Portugal.
O dia do trabalhador não me parece comemorar o trabalho da mulher. O que comemora é a morte de trabalhadores alçados contra o patrão para conquistar, conjuntamente com o seu sindicato, o direito de trabalhar apenas oito horas por dia. Os que morreram por esta causa, como referi no meu ensaio de ontem, eram operários e, entre eles, não havia nenhuma mulher.
Mas, por acaso, as mulheres não morrem pelo excesso de trabalho entre o lar e o trabalho remunerado na manufactura, na indústria, lugares onde sempre são mal pagas porque a mulher dá à luz e tem licença pré e pós natal de vários meses, o que faz perder dinheiro ao proprietário da indústria ou manufactura, quem paga esses direitos, sem receber bens para serem vendidos como consequência da sua actividade.
Licença que em casa não tem: deve tratar do bebé e de toda a família, como se não tivesse dado à luz.
O dia do trabalhador é também o dia da mulher trabalhadora, que produz a dobrar dentro e fora de casa e prepara os seus familiares para levarem uma vida de asseio, higiene e estudos ou de descanso para o trabalho da pessoa que a acompanha.
Será assim também na nova forma matrimonial, aprovada como está a lei de matrimónio entre pessoas do mesmo sexo? No dia do trabalhador devemos comemorar três factos: o casal doméstico, o casal do mesmo sexo e o trabalho da mulher em casa, pelo qual não é paga.
Têm criado o dia Internacional da mulher. Tenho-o denominado uma simples compensação do que não acontece no 1º de Maio de cada ano. Esse dia especial da mulher, é redundante, deve estar incluído no Dia do Trabalhador, porque a mulher produz mais ou o dobro que o homem.
Viva o Dia do Trabalhador, com a mulher considerada como mais uma servente do capital, dentro e fora do lar…

operária que prepara a roupa para os que trabalham fora
parabens pelo exemplar realismo do texto. continua a ser um texto actual em pleno sec XXI.