
o dia em que amar coverte-se numa constante ironia
Para os meus discípulos de Etnopsicologia da Infância.
Falava ao telefone com uma antiga estudante minha, amiga que age como entende e ajuda-me em todo o que é possível. Dizia-me, logo de manhã ao telefone, que um homem é uma pessoa atroz. Perguntei porque. A resposta foi simples: nada fazemos para as agradar. Comecei a pensar: o que será que agrada a uma mulher, além da intimidade sexual? O carinho gratuito, o amor sem parar, as flores elegantes, dizer que é bonita, acompanhar no minuto da tristeza? Passear para namorar? Devo dizeres que enquanto os anos passam, a minha experiência com as Senhoras são cada vez pior e difícil: mais tempo passa, menos agradamos. Procurei no dicionário a palavra atroz, e fiquei espantado e ferido: cruel e desumano, que excede quanto é imaginável, monstruoso. Não sabia que eu era assim! Bem ao contrário. Pensava ter sido gentil, um cravo, uma rosa branca de carinho, simplesmente, um ser masculino que seduz. Enganei-me. A ironia da frase, reiteradamente referido, desapontou-me. Especialmente, por não me considerar machista. No final, ficamos sós e não prestamos. Como acontece quando os descendentes crescem e formam as suas famílias: devemo-nos habituar a esse som de ninho vazio, sem descendentes, sem companheira. E mais nada acrescento nestes andares, cada ideia minha, será mais uma ironia que amedronta. É melhor pensar na ideia do cabeçalho do texto, que é bem mais triste.
Confesso que a frase do título não é minha. Antes fosse. É a frase de Mac Kinsey ou Clare McMillan, a mulher do Biólogo, Entomólogo e Sexólogo, o Professor Doutor Alfred Kinsey, o autor do denominado Relatório Kinsey, sobre a sexualidade da
vida adulta e das crianças, escrito após reparar que nos anos 60 do Século XX nos Estados Unidos, as pessoas nada sabiam sobre a vida sexual. É verdade que os meus Santos Padroeiros, Freud, Klein e Bion, tinham referido consequências e sequelas da vida sexual entre membros da sociedade ocidental, mas como doenças e problemas. Alfred Kinsey e Clare MacMillan organizam um Instituto de pesquisa sobre os mitos, os desejos, o imaginário da vida sexual entre adultos, incluindo carinho e simpatia. A frase de Clare MacMillan, é, antes, a frase de uma mãe, que também refere que as crianças crescem num instante e o ninho do lar fica vazio. Vazio da responsabilidade de tomar conta de seres a explorarem o mundo, a entender a relação amorosa, a emotividade e os sentimentos eróticos, que sentem mas não sabem que é procura de uma outra pessoa para amar, tocar, se esfregar, ter um compromisso. Clare entendia o seu dever emotivo, o seu marido, entendia de estatísticas, de como medir o saber de seres humanos sobre a sua reprodução, sem falar de amor: o amor não pode ser medido, donde, não é sujeito de pesquisa científica.
A sexualidade não era falada, não era explícita, não era conhecida. Se os mais novos brincavam à masturbação, a ética ripostava que causava doença, sem saber que o prazer erótico solitário faz parte da vida de qualquer ser humano desde que nasce até a sua morte. A masturbação é parte da vida e é melhor falar que punir ou impingir medos. É tão verdade essa naturalidade, que até o Catecismo da Igreja Católica o retirou do seu texto, que antes o definia como ofensa a divindade. Outros, nem falam do facto. Era Clare MacMillan ou Kinsey, a mãe interessada em dar noções de erotismo à sua ninhada, enquanto o pai, à sociedade tout court. Motivo da sua frase, comentada a um discípulo e amante do seu marido, um rapaz de 20 anos ou mais, mais tarde também o seu amante. Histórias do arco-da-velha. Apenas um exemplo do que Kinsey descobre, e prova, com a sua equipa, acontece entre todos os membros da vida social. A relação sexual nem deve envergonhar nem ser pecaminosa, não entontece nem faz adoecer os seres humanos. A heterossexualidade, a homossexualidade, a bigamia, hetero ou homo, a bissexualidade, o amar outros como se ama a pessoa com quem se tem assumido um compromisso com apenas uma outra pessoa, como acontece no Ocidente, fazem parte da interacção social, fazem parte da nossa civilização, apenas que não se diz, não se fala. O adultério é de espécies, ou, por outras palavras, há o clássico, já referido, há o de um homem casado e o seu amigo, há o adultério múltiplo, há o adultério de apenas uma hora, para libertar desejo ao se gostar de alguém ou se sentir seduzido ou gostar de seduzir.(1) A mudança de preferência sexual ao longo da vida, é um facto sabido, hoje em dia, mais do que provado e que acontece de forma múltipla. E, no entanto, parte do prazer, é não dizer, o segredo da relação que penetra o corpo e a emoção.
O som de um ninho vazio, é a falta de seres humanos não apenas para educar, bem como para falar de forma aberta e sem vergonha, sobre a preferência sexual, que, as vezes, passa não só pelos atributos eróticos das pessoas, bem como pelas posses para gozar e partilhar. Como os jogos amorosos, prévios, durante, depois, da intimidade da penetração de um ser humano dentro de outro. A penetração com emotividade, acaba por causar prazer e objectivos de vida, dizem Kinsey e a sua mulher.
E mais nada. Um tema tão difícil em apenas poucas palavras, apenas permite sugerir aos adultos serem abertos no erotismo, como nos outros assuntos da vida.
Ideias aparecidas na minha cabeça, enquanto tentava entender esse desenlace infeliz de que a pessoa que tento seduzir, acaba por me definir como um homem atroz. Eu, certo como estava de ser um escravo do amor. E parece que sou escavo, em amores não correspondidos, sem a certeza de não existir relações de amancebamento às minhas costas. Porque se há ironia de desapreço, acabamos por duvidar de nós próprios e ter medo dos encontros…excepto se o carinho se cultiva, há igualdade das opiniões, temos um imaginário que surpreende ao ser amado, como José Saramago fez com Pilar del Río, a quem deixara uma profunda arca de surpresas para serem aberta lentamente, um dia cada vez, para a sedução, o elo da vida libidinal que nos governa, manteve-se vivo o calor do amor…Com essas surpresas, o amor é aprofundado e alimentado: o ninho nunca fica vazio…
Nota:
1) Para saber mais, consultar, consultar a o sítio Web: http://en.wikipedia.org/wiki/Alfred_Kinsey, ou o filme de 2004 de Francis Ford Copolla, 2005: O Relatório Kinsey, DVD L.N.C., EUA.
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