
operariado marcha ao trabalho por auto determinação
(extracto do meu mais recente livro)
breve governo popular e federativo que governara París entre o 18 de Março até o 28 de Maio de 1871.
O governo revolucionário foi formado por uma federação de representantes de bairro (a guarda nacional, uma milícia formada por cidadãos comuns). Uma das suas primeiras proclamações foi a “abolição do sistema da escravidão do salário de uma vez por todas”. A guarda nacional se misturou aos soldados franceses, que se amotinaram e massacraram seus comandantes. O governo oficial, que ainda existia, fugiu, junto com suas tropas leais, e Paris ficou sem autoridade. O Comité Central da federação dos bairros ocupou este vácuo, e instalou-se na prefeitura. O comité era formado por Blanquistas, membros da Associação Internacional dos Trabalhadores, Proudhonistas e uma miscelânea de indivíduos não – afiliados politicamente, a maioria trabalhadeira braçal, escritores e artistas.
Eleições foram realizadas, mas obedecendo à lógica da democracia directa em todos os níveis da administração pública. A polícia foi abolida e substituída pela guarda nacional. A educação foi secularizada, a previdência social foi instituída, uma comissão de inquérito sobre o governo anterior foi formada, e se decidiu por trabalhar no sentido da abolição da escravidão do salário. Noventa representantes foram eleitos, mas apenas 25 eram trabalhadores, e a maioria foi constituída de pequenos – burgueses. Entretanto, os revolucionários eram a maioria. Em semanas, a recentemente nomeada Comuna de Paris introduziu mais reformas do que todos os governos nos dois séculos anteriores combinados:
O trabalho nocturno foi abolido; Oficinas que estavam fechadas foram reabertas para que cooperativas fossem instaladas; Residências vazias foram desapropriadas e ocupadas; Em cada residência oficial foi instalado um comité para organizar a ocupação de moradias; Todos os descontos em salário foram abolidos; A jornada de trabalho foi reduzida, e chegou-se a propor a jornada de oito horas; Os sindicatos foram legalizados; Instituiu-se a igualdade entre os sexos; Projectou-se a autogestão das fábricas (mas não foi possível implantá-la); O monopólio da lei pelos advogados, o juramento judicial e os honorários foram abolidos; Testamentos, adopções e a contratação de advogados se tornaram gratuitos; O casamento se tornou gratuito e simplificado; A pena de morte foi abolida; O cargo de juiz se tornou electivo; O calendário revolucionário foi novamente adoptado; O Estado e a Igreja foram separados; a Igreja deixou de ser subvencionada pelo Estado e os espólios sem herdeiros passaram a ser confiscados pelo Estado; A educação se tornou gratuita, secular, e compulsória. Escolas nocturnas foram criadas e todas as escolas passaram a ser de sexo misto; Imagens de santos e outros apetrechos religiosos foram derretidos, e sociedades de discussão foram criadas nas Igrejas; A Igreja de Brea, erguida em memória de um dos homens envolvidos na repressão da Revolução de 1848 foi demolida. O confessionário de Luís XVI e a coluna Vendôme também; A Bandeira Vermelha foi adoptada como símbolo da Unidade Federal da Humanidade; O internacionalismo foi posto em prática: o facto de ser estrangeiro se tornou irrelevante. Os integrantes da Comuna incluíam belgas, italianos, polacos, húngaros; Instituiu-se um escritório central de imprensa; Emitiu-se um apelo à Associação Internacional dos Trabalhadores; O serviço militar obrigatório e o exército regular foram abolidos; Todas as finanças foram reorganizadas, incluindo os correios, a assistência pública e os telégrafos; Havia um plano para a rotação de trabalhadores; Considerou-se instituir uma Escola Nacional de Serviço Público, da qual a actual ENA francesa é uma cópia; Os artistas passaram a autogestionar os teatros e editoras; O salário dos professores foi duplicado.
A Semana Sangrenta.
O governo oficial, agora instalado em Versalhes e sob o comando de Thiers, fez a paz com a Alemanha para que tivesse tempo de esmagar a Comuna de Paris. A Alemanha libertou prisioneiros de guerra para compor as forças que o exército francês usaria contra a Comuna. Esta, perdeu terreno rapidamente, pois possuía menos de 15 mil milicianos defendendo a cidade contra 100 mil soldados de Versalhes Durante a lenta derrota, os revolucionários atearam fogo aos símbolos do Império francês – os prédios administrativos, o palácio do governo – e executaram seus reféns, compostos em sua maioria por clérigos, policiais e juízes. A defesa também sofreu pela incompetência militar dos representantes escolhidos para organizá-la. Ao todo, a Comuna executou 100 pessoas e matou 900 na defesa de Paris. As tropas de Thiers, por outro lado, mataram de 50 a 80 mil parisienses, tanto nos combates quanto nas execuções sumárias que se seguiram. 40 Mil pessoas foram presas, e muitas pessoas foram executadas por terem sido confundidas com membros da Comuna. As execuções só pararam por medo de que a quantidade imensa de cadáveres pudesse causar uma epidemia de doenças. Vista pela esquerda a Comuna foi a primeira experiência moderna de um governo realmente popular. Um extraordinário acontecimento histórico resultante da iniciativa de grupos revolucionários e das espontâneas lutas políticas das massas, combinando patriotismo, republicanismo e socialismo. Em meio, as circunstâncias dramáticas de uma guerra perdida (Franco – Prussiana) e de uma guerra civil em curso. Texto em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Comuna_de_Paris
A reacção de Marx não se fez esperar. Além de estudar divergências revolucionárias da França, no seu texto de 1852, O 18 Brumário de Luís Bonaparte[1], analisa também a luta de classes em França nos seus textos de 1850 Luta de classes em França[2], estuda a guerra civil de França no seu texto de 1871: Guerra Civil de França[3] e no Capital, que é referido assim: Na sua grande obra, O Capital, repetidamente, assinalou que à medida que a produção capitalista se tornou mais científica, o trabalho real do operário tornou-se cada vez mais privado de conteúdo intelectual e potencial educativo. Tão longe estava Marx de ser um materialista vulgar que na sua denúncia dos males da produção capitalista não hesitou (nem mesmo por um momento) em colocar de lado o salário do operário. “Na proporção em que o capital é acumulado”, insistiu, “a situação do operário, seja seu pagamento alto ou baixo, deve tornar-se pior”. Sobre a base da análise económica tirou a conclusão de que a sociedade moderna pereceria se não substituir o operário de hoje, condenado à repetição automática de movimentos mecânicos, pelo indivíduo altamente desenvolvido. Tal homem, de acordo com Marx, estaria apto para uma variedade de trabalho, pronto para qualquer mudança na produção, um homem para o qual as diferentes funções sociais que realiza seriam apenas diferentes meios de dar livre curso aos seus próprios poderes naturais e adquiridos. Este seria, para ele, o operário de uma sociedade civilizada, mas que somente surgiria com a destruição do capital.
Este estudante de economia política e do processo de trabalho desenvolveu o que talvez seja a mais poética e abrangente perspectiva da sociedade humana jamais apresentada por qualquer filósofo ou poeta. De acordo com ele, seria somente no interior da criação da sociedade socialista que a verdadeira história da humanidade começaria. Assim, com um único movimento, revelou a importância do conhecimento e da cultura dolorosamente adquiridos por milhares de anos de civilização. Tudo isto, disse, não seria nada em comparação com a perspectiva que seria aberta para a sociedade humana pela abolição da exploração de classe sobre a base de uma cooperação em escala mundial. Mesmo sendo o cientista e filósofo que era, com uma fé inextinguível na inevitabilidade do socialismo, Marx não era um mero estudioso. Tomou parte na Revolução Alemã de 1848, foi activo na preparação da revolução daquele ano e até ao final da sua vida participou sempre que possível nas lutas operárias contra o capitalismo que sempre encarou como uma preparação para a revolução social. Em 1871, quando os operários de Paris estabeleceram a Comuna, Marx saudou-a como um dos maiores eventos na história humana. Rememoremos brevemente as circunstâncias.
O primeiro governo operário.
A França havia sido derrotada pelos exércitos da Alemanha que estacionaram em Versalhes, a poucas milhas de Paris. Os líderes do capitalismo francês, estadistas e soldados estavam de joelhos diante dos conquistadores alemães, ansiosos para salvar a pele e o botim que haviam acumulado durante a guerra. Estavam prontos a vender a França para os conquistadores. O povo francês proclamou a República Francesa e estes políticos capitalistas sabiam qual era o grande obstáculo no caminho da sua conspiração com Bismarck. Este obstáculo era os republicanos armados de Paris. Trabalhando na mais íntima associação com o invasor alemão, a classe dominante francesa tentou desarmar os parisienses, mas os operários de Paris, emagrecidos por cinco meses de falta de abastecimento, não hesitaram um único momento. Tomaram o poder em Paris e estabeleceram a Comuna de Paris. O que foi exactamente esta Comuna? A interpretação de Karl Marx permanece indiscutível em sua simplicidade e penetração: “ foi essencialmente um governo da classe operária, o produto da classe produtora contra a classe proprietária, a forma política finalmente descoberta sob a qual realizar a emancipação económica do homem.”
O que a Comuna de Paris simbolizou
A Comuna de Paris foi em primeiro lugar e acima de tudo uma democracia. O governo era um corpo eleito pelo sufrágio universal. Nenhum dos seus funcionários recebia mais que o salário de um operário qualificado. Não expropriou a propriedade da burguesia, mas entregou às associações de operários todas as oficinas e fábricas fechadas, fosse porque os proprietários capitalistas tivessem fugido ou simplesmente porque tinham decido interromper o trabalho. Durou 71 dias. Foi destruída por uma combinação da sua própria fraqueza, principalmente a falta de decisão, e das traições da burguesia francesa em uma aliança sem pudor com o exército alemão. A brutalidade assassina com que os combatentes da Comuna foram fuzilados, torturados e deportados permanecem um marco na civilização europeia até os dias de Hitler e Estaline. Hoje, para o proletariado americano há muitas lições a serem retiradas da história da Comuna.
Talvez a mais importante para os operários de vanguarda são os métodos pelos quais Marx abordou o seu estudo e as conclusões que tirou. Para ele, a Comuna, apesar do seu fracasso, foi um símbolo de valor inestimável. Foi um símbolo na medida que mostrou as mulheres de Paris – heróicas, nobres e devotadas como as mulheres da antiguidade. Foi um símbolo na medida que mostrou ao mundo, “ a Paris que trabalhava, pensava, lutava e sangrava – quase esquecida, em sua incubação de uma sociedade nova, dos canibais às suas portas – radiante no entusiasmo da sua iniciativa histórica ”. Foi um símbolo na medida que admitiu todos os estrangeiros à honra de morrer pela causa imortal. Foi um símbolo porque antes mesmo que a paz fosse assinada com Alemanha, a Comuna fez de um operário alemão o ministro do Trabalho. Foi um símbolo porque ante os olhos dos conquistadores prussianos de um lado, e do exército de Bonaparte; do outro, derrubou a grande coluna de Vendôme que se erguia como um monumento à glória marcial do primeiro Napoleão. Marx viu nestas acções não gestos acidentais, mas a resposta orgânica do proletariado revolucionário às práticas bárbaras e à ideologia da sociedade burguesa.
A conclusão importante
O mais importante, no entanto, é que Marx retirou grandes conclusões teóricas da experiência da Comuna. Mostrou que o exército capitalista, o Estado capitalista, a burocracia capitalista não podem ser tomados pelos revolucionários proletários e utilizados para os seus próprios propósitos. Tinham que ser esmagados completamente e um novo Estado organizado, baseado na organização da classe operária. Em 1871, ele tirou esta conclusão teórica. Em 1905, e mais tarde, em 1917, a classe operária russa, pela formação dos sovietes, ou conselhos operários, sentou as bases de um novo tipo de organização social. Foi pelos seus estudos da análise de Marx da Comuna que Lenine foi capaz de reconhecer com tanta rapidez o significado dos sovietes e estabelecê-los com a base do novo Estado operário. Hoje os trabalhadores americanos de vanguarda precisam conhecer a história das lutas internacionais da classe operária. Desta ele mais rapidamente entenderá a sua própria. O folheto de Marx a respeito da Comuna, A Guerra Civil na França, é um escrito profundo e comovedor. O operário que ainda não começou a estudar o marxismo nunca esquecerá este duplo aniversário se o celebrar lendo o que Karl Marx[4] tinha a dizer a respeito da grande revolução da classe operária parisiense.
[1] O livro está acessível em:
http://ateus.net/ebooks/geral/marx_o_18_brumario_de_luis_bonaparte.pdf.
[2] Texto completo em Karl Marx, 1 de Novembro de 1850, em: http://www.marxists.org/portugues/marx/1850/11/lutas_class/index.htm
[3] A Guerra Civil em França (em alemão: Der Bürgerkrieg in Frankreich) é um livro escrito por Karl Marx como discurso ao Conselho Geral da Internacional, com o objectivo de disseminar entre os trabalhadores de todos os países um entendimento claro do carácter e da significância mundial da luta heróica dos participantes da Comuna de Paris (1871) e suas experiências históricas com as quais devem aprender. O livro, com grande circulação em 1872, foi traduzido em diversos idiomas e publicado na Europa e nos Estados Unidos.
[4] O texto de Marx, tratado por mim, pode ser lido em: http://www.pco.org.br/biblioteca/socialista/autores/james/textos/karl_marx.htm
Muito bom, é necessário todos lerem!