Ainda a propósito da letra da canção dos Deolinda “Que parva que eu sou!”

Antes de mais nada: os agradecimentos por ter publicado no Aventar a letra da canção dos Deolinda “Que parva que eu sou!” deveriam ser endereçados a quem fez a transcrição. Infelizmente encontrei-a por mero acaso e indecentemente limitei-me a fazer corte-e-cola sem atribuir os devidos créditos, sendo que agora, espalhada viralmente como se encontra, é impossível corrigir o disparate.

Igualmente por mero acaso dei com este comentário no blogue Cravo de Abril:

Afonso Gonçalves disse…

Uma canção que olha apenas para o umbigo da juventude da pequena burguesia que agora vê a gasolina mais cara e a prestação do carro em falta. Ainda há pouco tempo, riam-se dos marxistas como dinossauros atrasados, agora fazem estas figuras tristes!

Como estão longe de J. Afonso, J.M. Branco e do Fausto.

Pobre música e pobre letra.

E não posso deixar de responder alto e bom som: que parvo que ele é.

Ora expliquem-me lá onde está aqui a “pequena burguesia” preocupada com a gasolina e a prestação do carro. Para alguns idiotas o proletariado é que é, e não pode ter estudos para ser escravo. É desta esquerda que a direita precisa para continuar a fazer de nós parvos.

Sou da geração sem remuneração
e não me incomoda esta condição.
Que parva que eu sou!


Porque isto está mal e vai continuar,
já é uma sorte eu poder estagiar.
Que parva que eu sou!
E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração ‘casinha dos pais’,
se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou!
Filhos, marido, estou sempre a adiar
e ainda me falta o carro pagar,
Que parva que eu sou!
E fico a pensar
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração ‘vou queixar-me pra quê?’
Há alguém bem pior do que eu na TV.
Que parva que eu sou!
Sou da geração ‘eu já não posso mais!’
que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou!
E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.


Comments

  1. Filete says:

    Concordo inteiramente com as suas palavras!

  2. José Pereira (Eu Próprio no facebook) says:

    Acho triste estar a invocar grandes nomes para dizer tal parvoíce. Ou serei eu também o parvo?

  3. José says:

    Palmas para a canção dos Deolinda e assobios para essa trupe que pensa ter o monopólio da contestação. Na verdade, o que têm são mentes quadradas e slogans gastos, fora do tempo. Acabarão por extinguir-se, não tarda.

  4. Rodrigo Costa says:

    … Que conste, nem o Zeca Afonso nem o J.Mário Branco nem o Fausto viveram com dificuldades. E há muito menino que foi de “esquerda” porque os pais tinham “papel” para lhes sustentar os vícios. Assim que a idade foi passando, ou se reciclaram ou se tornaram ressacados, azedos —em muitos casos, feios—, porque ninguém é, sem factura, incoerente.
    Hoje, pensa-se que não é moderno, humano, quem não for de “esquerda” com vícios de “direita”, bissexual, homossexual, metrossexual, ou sofrer de uma anormalidade qualquer; mas sempre, sempre respaldados em quem lhes paga as contas.

    Aliás, o estado do país é devido, essencialmente, aos “militantes de esquerda”, porque foram eles que criaram as expectativas; foram eles quem fez crer que, mudados os “estatutos”, a “federação” modernizar-se-ia e a distribuição passaria a ser mais equitativa. Isto antes que fosse possível perceber-se que, de “esquerda”, não há ninguém, porque a esmagadora maioria vive obcecada pelo seu “naco”. E nunca foram menos segregacionistas dos que os de “direita”, funcionando, como sempre, em clã —alguém saberá dizer, com clareza, a que quadrante pertence a Ana Amaral, por exemplo?… Não pode. Porque a pose e o discurso são antitéticos; e eu fico-me pela ideia de que descende e é suportada por uma família economicamente confortável —podemos ser anjos ou parecer ser anjos, se nos atapetam os passos com jasmim e nos cuidam das penas.

    Não voto nem nunca votei. Convivi, enquanto trabalhei por conta de outrém, com delegados sindicais que, “vendidos” os acordos, desapareciam. Indivíduos que, antes, raramente conheciam a cor do bife, e que, de repente, para ir do Porto a Lisboa, a reuniões para “interesse da classe”, tinha que ser em primeira, de comboio, ou de avião…

    E se houve exageros —e houve— nas reivindicações apresentadas e em algumas que foram atendidas, todos esses privilégios se esgotaram, porque a rapaziada, muita dela de “esquerda”, apostou no seu próprio futuro e hipotecou o interesse dos mandatários, porque os homens de negócios não são burros, e o “dividir para reinar” é infinito.

    Não sei quem é a Diolinda. Acho piada, quando alguém se ri de si mesmo, da sua passividade, do seu apêgo ao conforto. Sinceramente, no máximo, é inócuo, porque não cria expectativas nem se apresenta como lutadora, nem veio da Argélia, onde, refugiada, pôde compor uns poemas que justifiquem “uma vida de luta”, e vivendo, como princesa, nos grandes salões aquecidos e sem mexer uma palha…

    Se querem ser tidos por lutadores, lutem; pousem os copos e a erva; deixem, entre outros, de obstruir os passeios com os carros, enquanto se dessedentam, entre Quinta e Sábado; abram os espaços de cultura aos que não partilham da vossa filosofia, mas que têm, porque também têm, direito ao seu discurso, que duvido que possa ser tão ou mais anómalo, porque o “fashion” se sobrepõe à razão…

    Da “direita” sempre soube o que podia esperar. Da “esquerda”, suspeitava. Por isso é que estive em silêncio, quando, no Rossio, assistia ao voltejar dos tanques e não discortinava alguém com cabeça que inspirasse confiança; occorrendo-me, pela primeira vez —admitindo que outros tenham pensado o mesmo— que poderia estar a assistir, apenas, à mudança das môscas… Enganei-me?… Não respondam, porque sabem que não.

    Deixem cantar a Deolinda; deixem, quem quiser, fazer papel de parvo; mas não tragam ninguém com cânticos de “esquerda”, de “intervenção”, para fazerem de mim parvo.

    • Artur says:

      Sr. Ricardo Costa, o seu comentário é simplesmente excelente.
      Agradeço-lhe o me ter alegrado a manhã. Não é todos os dias que encontramos na net um rasgo de lucidez. É sempre agradável ler a opinião de alguém que ultrapassa a crosta das opiniões superficiais e das ideias fashionalmente correctas e nos presenteia com um sopro da realidade crua e dura. Bem haja.

    • Rui Mestre says:

      Concordo inteiramente com esta sua frase. É muito mais fácil viver sem expectativas algumas e levar a vida passivamente subjugados. Resignemo-nos então a viver o dia-a-dia sem saber se o ordenado vai chegar até ao final do mês ou se os nossos filhos vão ter o que comer e vestir. Resignemo-nos…! Tem toda a razão ao afirmar que da direita sabemos o que esperar (infelizmente muitos sentiram-no na pele). Continua a ter razão quando diz que da esquerda só podemos suspeitar (nunca tivemos um governo de esquerda).
      Sujeitemo-nos então àquilo que as “môscas” nos ditem, e a melhor forma de garantir que que assim continue a ser é não votar ou deixar de o fazer ou então aprender a balir baixinho para que o nosso balido não se destaque da restante carneirada.

      • Rui Mestre says:

        A frase a que me refiro é esta:
        “…Aliás, o estado do país é devido, essencialmente, aos “militantes de esquerda”, porque foram eles que criaram as expectativas; foram eles quem fez crer que, mudados os “estatutos”, a “federação” modernizar-se-ia e a distribuição passaria a ser mais equitativa…”

        • artecomdom says:

          depois de ler este texto, então digam lá que não está correcto dizer?
          “MAS QUE PARVA QUE SOU!!!”
          Só o facto da letra da canção ter dado origem a esta troca de ideias já valeu a pena!
          Bem hajam os “Deolinda”

  5. Rodrigo Costa says:

    Cro Artur,

    Obrigado pelas sua referência, antes de mais.
    De qualquer modo. devo dizer que sempre me atribui a liberdade que alguns dizem que lhes escasseia. E escasseia. Também porque as liberdades são cerceadas por muita gente que se arvorou e arvora libertador.

    Costumo apresentar Saramago como o exemplo de incoerência: anos a ferrar nos calcanhares dos “burgueses”… e morrendo burguês, porque o destino lhe pregou uma partida —ou várias—; de onde ressalvo a compra da labita —um símbolo do capital— para receber o Nobel que lhe ofereceram. E a “pasta”?… Agasalhou-a. Foi viver para uma ilha e acabou por dizer que a esquerda era tonta e que se deveria votar em branco.

    Se alguém se passera por Lisboa e vir como se tratam os do Bloco de Esquerda, verão que não há grande diferença entre essa gente e as “tias” de Cascais.

    • Artur says:

      O que é de lastimar é que os novos e os velhos crentes da esquerda parecem não conseguir retirar qualquer lição a partir da triste passagem dos paises de Leste por este tipo de ideologia, tal como Milan Kundera bem nos soube descrever.
      Os esquerdófilos profissionais do PCP ainda entendo que queiram manter o emprego e o status e continuem a apregoar os slogans do costume, até porque a maioria já não têm idade para fazer outra coisa.
      Agora os ressabiados e pretensiosos do BE, penso que ainda não consegui entender muito bem o que os move. Talvez ingenuidade, talvez pedantismo, snobismo intelectual, revolta contra tudo o que representa o pai autoritário ou o pai indiferente que tiveram, sei lá, …sabedoria é que me parece que não é.

  6. Rodrigo Costa says:

    Desculpe, Artur.

    O que pretendia era escrever “Caro” e não “Cro”, como, por certo, terá percebido.

  7. Rodrigo Costa says:

    … Eu diria que, de um modo geral é acne; protuberâncias que se prolongaram no tempo. Vai ver que, mais tarde ou mais cedo, se ainda existirmos, vamos ver umas quantas “reprises” do Durão Barroso e quejandos —quanto aos que são bem nascidos. Os “tesos” vão ter aquele ar de arrependimento, por perceberem, sem tempo para imendar a mão, que embarcaram em sonhos que não podiam ser deles —quais são os pobres, os economicamente deficitários, que andam de televisão em televisão, com tudo pago?…

  8. Joao says:

    Rodrigo Costa e Artur, ja a muito tempo que nao lia observacoes tao acertadas com as quais, no fundo, muitos de nos concordamos. Nao se interrogam porque razao nunca ninguem diz tais coisas nos meios de comunicacao? Claro, provavelmente para manterem o seu poleiro mas e sem duvida triste e, especialmente num pais pobre, ira fazer com que milhoes de Portugueses levem uma vida menor, trabalho sem fim e presenteados com uma parca reforma.
    Obrigado por este momento, e bom saber que ha pessoas a ver as coisas com claridade…

    PS: peco desculpa pela falta de acentuacao, cedilhas etc… mas estou a escrever este comentario desde um computador com teclado asiatico pelo que nao tem nada disso.

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