Uma procuradora do Ministério Público foi detida por conduzir em contramão com 3,08g de alcoolemia. Ainda por cima, usando o trocadilho popular, foi apanhada em flagrante delitro pela Polícia Municipal em Cascais. Soprado o balãozinho e cumpridas as formalidades legais, foi notificada para se apresentar em tribunal no dia seguinte.
Até aqui tudo normal, pode acontecer a qualquer um, em qualquer profissão, que conduza com uns belos copos a mais, confunda mão com contramão e ponha em risco a vida dos outros. No dia seguinte…
Pelos vistos, fora-da-lei, estava a polícia municipal. Dentro ou fora, afinal, é só uma questão de profissão. E de colegas, claro.
“O processo baixou a inquérito e a procuradora saiu em liberdade.”
Sair em liberdade é o normal nestes casos. Quanto a ter baixado a inquérito significa entre outras coisas que a procuradora poderá ainda a vir a ser julgada.
O que eu leio aqui é
“considerou a detenção ilegal, tendo anulado tanto a detenção como o termo de identidade e residência.”
Não fosse isso e o facto não seria sequer notícia
Se fosse num país com uma justiça minimamente decente, a infratora estaria
agora na cadeia e correria o risco sério de ser demitida da função pública.
Mas como estamos em Portugal…
A “Lei” é igual para todos.
Porém, há excepções, como por exemplo o caso descrito.
A lei, em Portugal, é como uma teia de aranha: eficaz a apanhar os pequenos insectos e útil para os grandes insectos coçarem as costas.
Lá virá o dia em que alguém atropela mortalmente o filho de alguém, que por acaso era colega mas foi deixado ir pela polícia.
Se a detenção foi considerada ilegal, como é que a procuradora poderá vir a responder a inquérito?…
Quanto a poder acontecer a qualquer um, beber uns copos e conduzir em contra-mão… Bem! Pode acontecer a qualquer um que não tenha responsabilidades acrescidas, como é o caso dos profissionais da área da Justiça. Por formação(?) e profissão, não estarão impedidos de beber, mas deveverão impedir-se de conduzir e, bem assim, alimentarem a proliferação do que condenam.
A resolução era a esperada. Há duas classes que gozam de privilégios excepcionais: majistrados e médicos. Até à uns anos, mais propriamente, durante a ditadura, qualquer polícia que para autuar um automobilista, assim que este se identificava e era médico ou juiz, o homem ficava sem saber se havia de ir à casa de banho ou dar corda ao relógio… Lá se desfazia em desculpas, pelo incómodo de ter mandado parar o Senhor Doutor, e garantia, então, que passara a conhecê-lo, que o acto irreflectido não se repitiria.
Com a democracia, os polícias já não têm tanto esse problema; pode é acontecer —caso concreto, por acontecido— que, em presença do juiz, o pai de uma pessoa influente tenha sido absolvido, por, alcoolizado, ter passado um vermelho e ter sido apanhado.
Durante o interrogatório, estão presentes o infractor e o agente. O Juiz fez as perguntas que entendeu. E como, por acaso, o agente sabia quem o infractor era, deu-lhe uma reprimendaLogo após, manda que saia; olha para o infractor e diz: —há polícias que são analfabetos; não conhecem o amarelo. Para eles, só há vermelho e verde…
Resumo: em democracia, os privilégios dão um pouco mais de trabalho. Quanto a esta senhora, tenho a esperança de que se safe.
“Se a detenção foi considerada ilegal, como é que a procuradora poderá vir a responder a inquérito?…”
A detenção é um coisa. Os factos praticados pela procuradora são outra. O que parece estar em causa neste caso será a competência legal da PM para efectuar detenções em flagrante delito. No entanto mesmo que a detenção tenha sido ilegal, isso não iliba a procuradora. O que pode é trazer como consequência que o julgamento não possa ser realizado sob a forma sumária.Não nos precipitemos.
Artur..
Você, como eu, é português. O Artur sabe que isto não dá em nada. E se me disserem que é um problema da Leis ou das leis, eu diggo que é da forma como ela ou elas são aplicadas.
Acha, Artur, que, algum dia, em Portugal, a uma figura que nem necessitaria de ser tão importante como o responsável do FMI, alguém o deteria e obrigaria à prestação de declarações; indo, inclusive, tirá-lo do avião?… A esta hora, a rapariga estaria a pão e água, até admitir que foi ela quem o tentou violar… Ao Sócrates, por exemplo, para a gente se poder rir.
Nota: não podemos levar estas coisas muito a sério, por que o País não é uma coisas séria.
Está certo Sr. Rodrigo-
Ainda à uns anos atrás ser apanhado a conduzir com excesso de alcool dava direito a passar a noite nos calabouços da policia, para ser conduzido no dia seguinte ao tribunal. Sabe porque é que a lei foi mudada e agora são libertados e notificados para irem pelo seu próprio pé ao tribunal no dia seguinte? É que alguns peixes-graúdos (ou amigos ou filhinhos de peixes-graúdos) tiveram que bater com os costados numa cela e não gostaram da experiência.
Rodrigo,
“pode acontecer a qualquer um…que conduza com uns belos copos a mais, confunda mão com contramão e ponha em risco a vida dos outros.”
A. Pedro,
Peço desculpa, mas, uma pessoa que ocupa o cargo dessa senhora, não pode beber e não pode perder a noção de que não pode conduzir.
Admito que, de qualquer profissão, alguém possa apanhar uma bebedeira; mas há-de haver —digo eu!—, entre esta senhora e um indiferenciado, alguma diferença na capacidade de compreensão, e na carga de responsabilidade.
Assim como assim, preferia como antes do 25 de Abril; o acesso à informação era negado, ninguém sabia de nada, a senhora ouviria, dos superiores, uma ou duas coisas, continuaria a desempenhar as suas funções —dependendo da gravidade das consequências do seu acto— e ninguém saberia de coisas que não levam a lado algum.
Acho, eu acho, inclusive, que, sem que contribua para grandes alterações —o estado do País prova-o— o stress que deprime as pessoas deve-se, também e em grande parte, ao excesso de informação…. O problema é que informação se tornou um negócio, e há vítimas que não deram, ainda, por isso.
Isto põe a nu a falta de meios da Justiça. Com uma viatura topo de gama, e respectivo motorista, a digna magistrada não teria de passar por esta pequena maçada.
Temos em menos de uma semana dois casos em que faria mais sentido o uso do alcoolímetro nos tribunais.