Assunções precipitadas.

Acabo de ler, via Cinco Dias, que um grupo de feministas do qual eu nunca na vida tinha ouvido falar, chamado UMAR, veio fazer um longo discurso laudátorio sobre a eleição de Assunção Esteves ao cargo de Presidente da Assembleia da República (para o cargo pode dizer-se presidente, para a titular é que não, pelos vistos, dizem os linguistas da praça).
O texto que começa com a pomposa arenga «UM SÉCULO PARA QUE UMA MULHER CHEGASSE A PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA» seria inofensivo e até engraçado se não fosse de uma ignorância atroz. As senhoras chegam efectivamente a comparar tão solene ocasião com o «do voto pioneiro de Carolina Beatriz Ângelo».
Não vou perder tempo a explicar a estas cabecinhas toldadas pela ignorância corporativista e ideológica que o que voto de Carolina Beatriz Ângelo significou, que foi o mesmo que nada, dado que a mulher até 1974 foi sempre tratada como menor, quase mentecapta, pela república portuguesa. Aliás, até os animais ganharam mais direitos depois de 1910, do que a mulher (excepção feita à mulher de Afonso Costa, claro).
Mas o mais ridículo é aplaudirem uma eleição que, de acordo, com a cartilha republicana é tudo menos democrática. Para além de ter sido a segunda escolha, depois de Nobre, Assunção Esteves apesar de se tornar a 2.º figura de Estado a nível protocolar, não passa de uma individualidade apagada cujo estatuto é semelhante ao de uma secretária de direcção, lugar outrora ocupado por senhoras de saia abaixo do joelho, óculos e muita moral. E não foi eleita directamente pelos cidadãos!
Bom mesmo seria que uma portuguesa tivesse alcançado o lugar da presidência da República. Mas isso,como sabemos, não depende de nós. Depende deles, do regime, dos políticos e dos partidos. E enquanto eles não quiserem, a democracia não funciona. É assim desde 1910. E tão cedo não muda.

Comments

  1. Hugo Lourenço says:

    Pode dizer-se Presidente e Presidenta. Que não se comece agora a dizer que só é correcto de determinada forma.

    • Aquele que opina says:

      Assim como residente e residenta, crente e crenta, lente e lenta, ouvinte e ouvinta, estudante e estudanta… presidente é o ente que preside. Diz-se ente e não enta, aquele que. Aquele preside, aquele que estuda, aquele que ouve.
      Menos radicalismos e mais prática.

  2. jorge fliscorno says:

    Presidenta?! Que pirosice pseudo-feminista.

  3. Artur says:

    Mas porque é que seria bom termos uma mulher Presidente? Sendo cada um de nós um ser unico e particular, o que é que o facto de se ser mulher per si representaria uma coisa boa? Não há mulheres incompetentes e mulheres competentes, tal como há homens incompetentes e outros competentes? Considerar que seria bom termos uma mulher na Presidência, sem indicar quem em concreto, parece-me uma idiotice.

  4. Rodrigo Costa says:

    … Pois, é o tal problema. A culpa não é delas, é de uns ignorantes que, empossados pela hipocrisia, atropelam o senso e começam, parolos, dizendo: Portuguesas e Portugueses.

    Sempre que nos referimos aos dois géneros, em simultâneo, é no masculino que a referência é feita. Do mesmo modo que, se esses senhores fossem falar para as baleias ou as orcas, diriam: caras baleias e orcas —e estou convencido que os machos não os apupavam por se sentirem vítimas de discriminação.

    Quanto à manifestação das feministas, não deixa de ser uma manifestação de menoridade; porque o que se espera e deseja não é que quem preside seja uma mulher ou um homem, mas, acima de tudo, alguém inteligente, capaz.

    E, já agora, entre as mulheres, será que estão todas em pé de igualdade?… Será que todas têm acesso ao Parlamento e às revistas côr-de-rosa, onde possam, as mais desfavorecidas, aquelas que têm que trabalhar duro, desfiar as suas histórias?…

    Nota: por mim, dadas as evidências, as fraquezas dos homens que têm estado no poder, não me incomoda nada que a vez seja dada às mulheres. Passariam os homens —alguns homens— a beneficiar dos privilégios de que beneficiam as mulheres —algumas mulheres.

  5. Rodrigo Costa says:

    … Já agora, queria acrecentar que a Assempleia já tem tido “Presidentas”.

  6. Rodrigo Costa says:

    … E mais outra:

    Fico à espera de uma manifestação feminista, para protestar contra a discriminação do género, consumada nas uniões entre gays, uma vez que que uma das figuras deveria ser, por direito e razão, uma mulher…

    Nota: talvez eu dia ainda possa escrever uma sátira sobre a Humanidade.

  7. Jacob Levi says:

    Essa de que “a mulher em Portugal sempre foi uma coitadinha e que nos outros países da Europa é que era” tem mesmo que deixar de ser badalada. É que de tanto ser dita, as pessoas ainda começam a acreditar que é verdade…
    – Em Portugal as mulheres podiam suceder em títulos, morgados e senhorios. É certo que isso apenas acontecia quando não tinham irmãos varões, mas na maior parte da Europa (França, Inglaterra, Escandinávia, Alemanha, Austro-Hungria, etc.) nem isso acontecia;
    – Como podiam suceder em títulos, até tivemos duas Rainhas de direito próprio;
    – Para além do mais, quantas rainhas e infantas ao longo da nossa história ocuparam o lugar de regentes? De cada vez que os reis iam para a guerra, eram menores, etc., lá ficava uma rainha à frente do governo;
    – Em Portugal muitas mulheres ocuparam papeis de grande relevo na cultura como é o caso da Marquesa de Alorna, de Josefa de Óbidos, etc.;
    – Antes do 25.04 muitas mulheres tinham direito a voto. É certo que não eram sequer a maioria ou perto disso, mas dizer que as mulheres só ganharam direito a voto em 1974 é ignorar que em 1933 foram eleitas três deputadas para a Assembleia Nacional quando na maior parte dos países da Europa as mulheres ainda nem podiam frequentar as Universidades.
    Quando é que os Portugueses deixam de dizer mal de si mesmos e da sua história e se sentem orgulhosos dos muitos feitos que alcançaram na história da humanidade (e não me refiro apenas aos Descobrimentos)?

    • Oh Jacob!
      Leu bem o que eu escrevi? parece que não.
      Entre tudo o que eu não disse, há-de reparar que não disse que a mulher não obteve voto antes de 1974. Mas deixe-me que lhe de diga que o voto, em 1933 ou em diante valia zero. Como deve saber, com certeza.

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading