1. Antecedentes.
Espera-se que um Antropólogo da Economia fale, apenas, da etnografia de povos além da sua cultura e não da interacção social da economia que orienta a sua própria cultura. Mas, se queremos entender esse processo, é preciso entendermos o que é a Sociologia Económica. Uma temática que tem a ver com três conceitos: o de opção e o de maximização ou teoria da acção sociale, principalmente,
o que o Année Sociologique[1] procurava: a teoria do valor. Esta, através da análise da teoria liberal da economia, não do utilitarismo, como referido por Marcel Mauss ao falar da economia de troca-dádiva, como diferente da economia utilitarista[2].
Diz Mauss no texto referido: “Vimos repetidamente quanto esta economia de troca-dádiva estava longe de entrar nos quadros da economia supostamente natural do utilitarismo”[3] A definição de sociologia económica usada por Marcel Mauss, é apenas uma introdução à matéria, no Prefácio da Secção Quinta da Année Sociologique em referência.
É conceptual a questão levantada neste parágrafo. Quer Mauss no seu Essai sur le don, quer Durkheim na sua tese de doutoramento de 1893, publicada nesse mesmo ano, sob o título De la division du travail social, debatem o conceito que orientava a vida social e económica, o princípio ético de utilidade, que já na Ética a Nicomaco, Aristóteles tinha avançado[4], e é mais tarde usada por Jeremy Bentham[5] e por John Stuart Mill[6]. A questão é simples e mais filosófica e de princípios morais, que de economia, como fiz referência no Capitulo I, nº 3 deste texto. Na base da ideia de ser gentil, civilizado, aberto e debater as ideias, retirando-as da prática, mas elaborando ideias a partir do seu confronto com teorias prévias, Aristóteles organiza um sistema de pensamento, reflectido não apenas na Ética a Nicómaco, bem como em toda a sua obra: Economia ou interacção do lar com a vida pública, Política ou conselhos para o bom governo do povo, Metafisica ou de como as ideias são formadas.
É destes textos, que, no fim da época denominada liberal, quando a História traz outra vez formas de Governo Imperial e Aristocrata; quando a declaração dos Direitos do Homem começa a ficar esquecida, pelo objectivo do lucro que todo o indivíduo procura, que a Economia passa a ser uma forma de vida que Bentham resume numa frase, no seu livro já citado: “By the principle [or foundation, or approbation, or feelings, a minha interpolação] of utility, is meant that principle which aproves or disapproves of every action wahtsoever, according to the tendency which it appears to have to augment or diminish the happiness of the party whose interest is in question. Or to promote or to oppose that happiness. I say of every action whatsoever; and therefore not only of every action of a private individual, but of every measure of government. By utility is meant the property of any object, whereby it tends to produce benefit, advantage, pleasure, good, or happiness…or to prevent the happening of mischief, pain, evil, or unhappiness to the party whose interest is considered…”[7]
Acrescenta John Stuart Mill[8] que a felicidade pode ser apreciada nas obras das pessoas, que as pessoas felizes produzem obras boas e as infelizes, obras más. A lógica a ser usada é empírica e é desse empirismo que deriva a ideia central da Economia. O que nem Durkheim nem Mauss parecem entender. Eles discutem as ideias económicas de Stuart Mill e lutam contra as ideias utilitárias, por terem percebido que não há felicidade nos seres humanos por causa da diferença social: há os patrões e há os operários, duas classes opostas. Opostas, por serem os primeiros proprietários das tecnologias reprodutivas e produtivas, os segundos por viverem de um salário raro e pobre.
As ideias económicas de Stuart Mill estão expressas no seu texto de 1848[9]. Distingue entre a produção e a distribuição das riquezas; a distribuição tem duas formas: a propriedade privada e a propriedade comum, desiquilibradas, por haver mais propriedade privada que comum, e pelo comportamento concorrencial dos indivíduos: “É duvidoso que todas as intervenções mecânicas feitas até hoje tenham diminuído a fadiga quotidiana de um único ser humano. Permitiram a um maior número de homens levar a mesma vida de reclusão e de trabalhos penosos e a um maior número de manufactureiros e outros fazer grandes fortunas; mas elas não começaram ainda a operar no destino da humanidade as grandes mudanças que está na sua natureza realizar”[10].
O que debate é um modo de vida e na altura das revoluções que se seguiram a dois factos determinantes: a Revolução Francesa, cuja estabilidade apenas foi conseguida em 1870; e a implantação das ideias liberais na Grã-Bretanha, terra do nosso autor. Em desespero, como humanista, defende a igualdade das mulheres perante os homens e advoga pelo controle dos nascimentos, para melhorar o nível de vida da população. Stuart Mill acolhe o debate de três autores: Sismonde de Sismondi, James Mill e Karl Marx[11].
Karl Marx, que escreve especialmente o seu Prefácio à Crítica da Economia Política – único texto das Grundrisse a aparecer durante a vida de Marx[12] no seu livro O Capital, Volume I, contradiz Stuart Mill, apenas porque diz para um público mais amplo: “My investigation led me to the result that legal relations as well as forms of State are to be grasped neither from themselves nor for the so-called general development of the human mind, but rather have their roots in the materials conditions of life, the sum total of which Hegel, following the examples of the Englishmen and Frenchmen of the eighteenth century, combines under the name of “civil society”…the anatomy of civil society is to be sought in political economy: …in the social production of their life, men enter into definite relations that are indispensable and independent of their will, relations of production which correspond which correspond to a definite stage of development of their material productive forces. The sum total of these relations of production, constitutes the economic structures of society, the real foundation, on which rises a legal and political superstructure and to which corresponds definite forms of social consciousness…It is not the consciousness of men that determines their being, but, on the contrary, their social being that determines their consciousness… [until] a social revolution begins”[13].
A boa vontade não é suficiente para viver, nem as causas cívicas a que dedicava o seu tempo e ideias o autor em questão. Na época de Stuart Mill a assistência aos pobres ao domicílio foi revogada em 1834, as leis do trigo passaram do controlo estatal de impostos previsto por David Ricardo em 1818,[14] ao livre comércio em 1844 e revogadas em 1846, as novas terras para produzir foram abertas à concorrência, o que eleva o custo da subsistência, na medida em que a população cresce sem ter outros meios de trabalho ou salários que condicentes com os preços dos bens rurais, classificados por Ricardo em terras de primeira qualidade, segunda e terceira, conforme a sua proximidade ao mercado e o potencial de criação de postos de trabalho ou lugares para obter um salário. Em consequência, as formas de pensar a economia não podiam já ser morais, a vida desses seres humanos estava em perigo, a fome existia e foi a época mais pobre da História da Europa. O programa da economia liberal tencionava desenvolver ideias de produção e de empresa, de capital acumulado para e pelas pessoas. Não é em vão que Marx, perante estes factos e perante as leituras das leis e das teorias, escreve que são as condições de vida que determinam a consciência do ser humano. Normalmente, as ideias de um Bentham ou de um Stuart Mill eram uma forma de vida reflectida nas obras feitas pelas pessoas. Aliás, havia toda uma ideologia religiosa que já foi invocada, e que pode ser sintetizada pela frase evangélica de que “pelas vossas obras sereis conhecidos”. Marx, na sua educação como Rabino e na sua intervenção na questão judaica da França de 1849, entendeu que os seres humanos tinham sérias limitações materiais para poderem viver e que a prometida liberdade que as máquinas tinham trazido ao trabalho, não existia por causa da propriedade privada das mesmas. Os Utilitaristas tentaram fazer da denominada Lei Natural, uma teoria económica. Essa lei natural era a capacidade para trabalhar e para enriquecer, desde que se pensasse de forma pragmática. Pragmatismo impossível pelas bases dos seus princípios: a propriedade privada dos bens de produção, a apropriação privada do resultado do trabalho de outros seres humanos pelos poucos que, como Stuart Mill diz muito bem na citação anterior, passam para a nova era como donos da indústria que nasce.
O operariado estava em revolta, as manifestações e as greves eram alargadas, não apenas na Grã-Bretanha, como em todo o mundo industrial. As leis de repressão e de encarceramento eram uma nova criação dos Estados e Nações que detinham o poder nas suas mãos. Aliás, como é possível analisar pelos historiadores, as classes dominantes eram as classes proprietárias, e de entre esses proprietários, se escolhia um Governo através do voto nas urnas. Não é em vão que o próprio Stuart Mill começa a militar no partido de Owen, o sindicalista inglês que, como sabemos dos capítulos anteriores, organizou a resistência ao capital e à classe proprietária, ao qual aderiu Stuart Mill. Marx tinha escrito textos sobre o desenvolvimento da pobreza por causa da indústria, no seu Manifesto Comunista, e é a partir daí que Stuart Mill escreve a citação extensa que fiz antes: é a declaração do socialismo inglês, uma manifestação distante das primeiras ideias do Utilitarismo que ele produzira em escritos anteriores, já citados. No seu texto de 1848, acrescenta que a exportação de capitais para trabalhar e produzir em sítios mais baratos, bem como a importação de géneros estrangeiros para manufacturar na Grã-Bretanha, levaria a descer a taxa de lucro dos capitalistas que estavam a causar a pobreza da Nação. E diz, em síntese, de que “o melhor estado para a natureza humana é aquele em que ninguém é rico, ninguém aspira a tornar-se mais rico e não teme ser derrubado pelos esforços que os outros fazem para se precipitarem para diante”[15]. Por outras palavras, estas são ideias de um bom samaritano, que não tem mais do que o seu saber filosófico, moral ou ético, para entender uma realidade que não investiga, como fazem Marx e Durkheim. A cura social para a indução/dedução das ideias acaba por não ser a forma de remediar a acumulação de bens em poucas mãos, facto reconhecido na citação anterior. A escola liberal triunfa na economia e na política, e é contra este tipo de factos, que Durkheim e Mauss se agitam. Especialmente, pela ideia de maximização ou Homo Economicus que define o padrão social do comportamento dos indivíduos e os seus grupos. Não é em vão que Durkheim escreve o texto de 1890:”Propriété social et démocratie”[16]: “La propriété individuelle ne se recommande pas seulement par de raisons d’intérêt bien entendu; elle a as base rationnelle…Mais une propriété absolue, sens réserve et sens restriction, ne se trouve pas pour cela justifiée; car, avec nos seules forces, nous ne pouvons rien créer…. Ainsi, dan toute propriété, outre le part de l’individu, il y a celle de la nature et celle de la nation. L’économie orthodoxe a le tort de méconnaître cette collaboration….Comment pourrait-il [l’État] adapter la production aux mille nuances de la demande ? …La puissance politique constitue une sorte de fonds social, dont il faut régler la répartition… La société est composée des individus libres : le suffrage universel permet la vie en commun, sans toucher à cette liberté. La société est une association. Mais, ce l’État qui doit prendre soin de l’individu qui appartient a une société organique…Le socialisme lui aussi sera volontaire et conscient[17]”
Neste texto Durkheim debate entre a iniciativa individual e a iniciativa de grupo, entre o individualismo, que sempre criticou, contra um possível socialismo que estruture a sociedade como um processo absoluto comandado pelo Estado. Vive-se a época republicana na França de Durkheim, que é prévia à sua leitura de Marx e dos socialistas utópicos, que apenas lê a seguir à sua viagem à Alemanha, em 1888. O que me interessa em todo este debate e citações, é estabelecer que a sociologia económica nasce a partir de um contexto sem conceitos nem decisões bem estabelecidas. O mundo social acaba de sair de uma estrutura histórica de servidão, da qual não está ainda muito certo, enquanto Continente, de se ter libertado. É um Continente que não apenas ainda tem Colónias, usadas para produzir as matérias-primas (como recomenda Stuart Mill), bem como um Continente com experiências diversas. Na França, a Revolução tinha acontecido antes e depois da data da sua comemoração. Durkheim, Marx, Stuart Mill, sabem das revoltas de 1848 por todo o continente, das unificações de países, do “arrecadar” para a indústria dos seres humanos denominados cidadãos, com direito a voto, governar e escolher os seus governantes.
A Sociologia Económica tem um começo polémico, de luta de classes, como Marx e Durkheim analisam, da desigualdade dos seres humanos perante a lei, por causa das riquezas ou da falta das mesmas. Um Continente que vive uma ideia, a da libertação dos proprietários, não apenas das suas terras, bem como das suas pessoas.
A Sociologia Económica nasce para se entender uma anedota: qual é agora, a hierarquia social? Esta parece residir no que já denominei de lógica de maximização ou de Homo Economicus. Porque o debate dos sociólogos é com os economistas que apenas entendem de fórmulas para progredir no lucro, para concentrar uma relação social baseada no capital – i.e., a propriedade concentrada dos meios de produção nas mãos do pequeno grupo que refere Stuart Mill, os poderosos do seu País e partilhá-los, na base da lei, como Durkheim argumenta em La division du travail social, com os citoyens criados pela declaração já referida no Capítulo 1.
O contrato e a lei, pareciam ser a base da igualdade, mas, e a lógica, para a definir? Vamos analisar esse conceito de maximização como segundo ponto, para, a seguir, analisar as ideias sociológicas sobre a estrutura social.
2. Maximizar ou Homo Economicus.
É a ideia que analisam, em primeiro lugar, mas com reticências, autores como Thorstein Veblen[18] e Talcott Parsons[19], e, de forma mais aprofundada, os teóricos Max Weber[20] e Pierre Bourdieu[21], entre outros, bem como a reacção de Émile Durkheim e Marcel Mauss.
A teoria liberal tinha conseguido, com a liberalização dos mercados e com a não intervenção do Estado em matéria de fluxo de mercadorias, que a população tivesse que se defender da livre empresa que procurava compradores para colocar os seus produtos. A livre empresa, ou o livre mercado, consiste em fixar preços na base dos custos antecipados pelo proprietário do dinheiro (ou investidor), que permitam recuperar o investimento e, além do mais, lucrar. Lucrar, ou ganhar dinheiro com o dinheiro investido. É o dinheiro investido que se tenta recuperar, ganhando de permeio um valor semelhante ao investido e recuperado, para lucrar. É o que Marx denomina como a Mais-Valia ou valor a mais, ou valor acrescentado[22]. Não é apenas o investimento, bem como as horas extras de trabalho do denominado capital variável ou operariado, que deve estar sempre presente e disponível para transformar as matérias em bens a colocar no mercado. Todo o investidor para lucrar, ou pelo menos, para vender os bens que fabrica, faz o que se denomina uma prospecção do mercado, tentando saber qual é o bem mais necessário e de que maneira é procurado, para satisfazer o capital fixo ou dinheiro adiantado em moeda, tecnologia, edifícios, matéria-prima ou não convertida em bem para oferecer. As leis formuladas por Adam Smith funcionam de forma perfeita num sistema de livre mercado, dentro do qual há pessoas que não conseguem criar todos os bens que precisam para o seu uso e devem adquirir ou comprar outros bens de uso que passam assim a ser bens de troca ou de intercâmbio.
A lógica do liberalismo baseia-se no facto da divisão do trabalho ocupar todo e cada um membro do grupo social, indivíduos sempre ocupados a trabalhar na confecção de um bem, sem terem tempo para dedicar horas do seu dia de trabalho, à confecção de bens de uso ou bens que precisam para a sua subsistência. É o denominado bem de consumo[23], que, uma vez usado, desaparece e deve ser substituído, mais e mais uma vez, por bens semelhantes. O exemplo mais típico é a alimentação; outro, o vestuário; outro ainda o abrigo ou agasalho de uma casa ou lar. Se pensarmos nos tempos actuais, os investidores estão muito atentos, de olhos abertos, para ver como criar uma necessidade para passar a ser esta nova procura, como organizar mais uma forma de vender produtos.
O exemplo mais característico e vulgar, é o do uso dos telefones móveis ou telemóveis, como são denominados. Adam Smith não estava nada perdido no dia que escreveu o seu livro e distinguia entre dois conceitos: needs e wants. Um need ou necessidade, é o conceito que exprime tudo o que não fazemos, mas é necessário para nós sobrevivermos (é, gostaria de dizer, para nós sermos entidades sociais semelhantes às outras ou seres humanos que usamos os mesmos bens). O liberalismo desenvolveu uma concorrência forte entre todas as pessoas, quase como o que acontece entre os gestores de fábricas, indústrias, produtores em geral, ou investidores. A necessidade de colocar o produto no mercado, acaba por ser o incentivo para a propaganda, para a transformação de bens naturais em bens de mercado ao mais baixo investimento possível, em consequência, com um preço mais económico para quem o adquire. O mesmo tipo de bem, pode ter diferentes preços decorrendo dos materiais empregues e da mão-de-obra utilizada; um colar de pérolas, é um need social, ou, como é também definido, um bem de luxo. Este bem de luxo é concorrencial, ajuda a vender a pessoa que o usa, a ser objecto de atenção social, a impor nos que a rodeiam um respeito que pode ou não condizer com o valor dos bens que fabrica, inventa ou cria.
Exemplos típicos são também os perfumes e a moda: a forma extravagante de viver e de vestir de Coco Channel, fez dela uma empresária a criar um need no meio das pessoas que, tenham a capacidade económica ou não, possam ou não (aqui há que ressalvar essa outra estratégia de oferta e procura que passa pela contrafacção), é dizer, tenham ou não a “estética necessária” para usar perfume ou roupa Channel, acabam por ser consideradas como seres de valor social. Estamos aí no domínio do que se denomina “a moda”, formas de agir às quais é dedicada publicidade, respeito, hierarquia social, a passar sempre à frente dos outros. Por outras palavras, os indivíduos devem, conforme a legislação actual em Portugal e a maneira liberal de Smith, fazer a sua própria empresa: a própria pessoa ou empresário em nome individual, a quem se solicita produtividade, sem mais. Uma necessidade existe no meio social, quando é para ser consumida. Mas, a denominada Lei de Mercado, vai criando outras tão importantes, que até podem passar sem procurar o que é preciso para a sua subsistência, para poder brilhar entre os parentes, vizinhos e amigos, ou ainda, na relação patrão-operário: um operário bem alimentado, bem vestido, como maneiras eruditas de falar para o seu nível, em conjunto com a sua destreza para fabricar o bem de mercado para o qual é requerido e alugado – os seres humanos têm também um mercado, do qual se está consciente. Exemplo de escravatura no seu tempo, brutal ou não, é o que define este mercado de seres humanos: às vezes não é necessário saber, as vezes é necessário ser visto como um ser humano que sabe dominar as suas emoções e pode agir conforme a sua racionalidade. Há necessidades primárias e necessidades criadas pelo mercado. Uma das quais, é a de nunca causar conflitos ou falar dos seus problemas: a lei de mercado impõe silêncio entre os seres humanos.
Assim, podemos falar de um want, esse outro conceito de Adam Smith, que passou para a posteridade como o que eu desejo adquirir além das minhas necessidades. Um want é importante para o investidor, por permitir definir o possível investimento que uma pessoa faz dentro dos seus recursos. Want é desejar bens sem os quais podemos sobreviver. Um need é parte das vendas do ser humano no mercado. Um want é um querer consumir, para o qual o mercado deve estar mais do que atento, à espera do satisfazer porque é aí onde faz o seu investimento e o seu lucro. É aí onde começamos a lidar com o conceito de maximizar ou optimizar as nossas possibilidades económicas. Adam Smith fala de want, usando o conceito need como uma forma de exprimir ou exteriorizar o seu discurso. Para ele, há o que deseja a Raça Humana, a extensão do fenómeno para poder investir no mesmo, e para poder medir qual a extensão do fenómeno de querer ou desejar, para calcular o tipo de pessoas a serem alugadas por um salário, quantos, quando e onde.[24] No texto, o autor define want como um need humano que, ao ser satisfeito, traz lucros ao mercado. E diz: “after food, clothing and lodging are the two great wants of mankind”[25].
Mas, não é apenas o que tenho citado em nota de rodapé que é importante saber, para configurar a defesa que faz o Homo Economicus na criação de uma lógica para se defender de um mercado que o persegue de forma impiedosa para satisfazer a sua urgência de vender e recuperar os investimentos. Para o Mercado, o ser humano não é pessoa, é apenas um potencial comprador ou consumidor de bens produzidos por outros, ou um potencial indutor de ideias de consumo espalhadas e criadas pelo mercado. “In that rude state of society in which there is no division of labour, in which exchanges are very seldom made, and in which every man provides everything for himself, it is not necessary that any stock [reserva, provimento] should me accumulated or stored up beforehand, in order to carry on the business of society [reservado, previsto]. Every man endeavours to supply by his own industry his own occasional wants as they may occur. When he is hungry, he goes to the forest to hunt; when his coat or worn out, he clothes himself with the skin of the fist large animal he kills…But when the division of labour has once been thoroughly introduced, the produce of man ‘s own labour can supply but a very small part of his occasional wants. The far greatest parts of them are supplied by the produce of other men’s labour, which he purchases with the produce, or, what is the same thing, with the price of the produce of his own”[26]. Mais esta comprida citação que se deve ao facto do autor remeter o que se deseja ou se quer, para um estado de comércio, ao comparar as formas de intercâmbio com as que pensava existirem quando a actividade era de auto-suficiência ou, talvez, de permuta. Este facto por ele delineado, esquece que na divisão do trabalho, como Durkheim[27] depois rebate, tem valor social, ou seja, não existe apenas para dinamizar a capacidade produtiva dos seres humanos, objectivo do trabalho de Adam Smith, bem como para criar justiça entre seres humanos que vivem dentro de uma estrutura com processos de solidariedade orgânica, em grupos. De forma que cabe a Durkheim comentar a ideia de Karl Marx, expressa no Capital, Vol. I e antes, no Manifesto Comunista: “A chacun selon ses œuvres” devia ser, para sermos justos, diz Durkheim, “a chacun selon son mérites”[28], é dizer, conforme o valor de cada pessoa e não uma forma absolutista de não medir o mérito. É o que Durkheim mais tarde iria denominar de “Socialismo Absolutista”[29].
O que interessa, por agora, é a lógica derivada do liberalismo e de como o criador da Economia Clássica, define os seres humanos como operários, sem reparar que ao falar de Divisão do Trabalho e dizer que as pessoas podem, com o seu dinheiro, comprar a outros aquilo que for preciso, esquece o que define em outros Capítulos do seu livro, isto é, que os seres humanos vivem em divisão de trabalho, conforme as indústrias, manufacturas e empresas nas quais trabalhem, e que ou trabalham no campo ou na cidade. Aliás, prevenindo a falta de riqueza pessoal, fala da Commonwealth, ou o fundo de reservas que pode apoiar os que não tenham dinheiro. A maior parte do livro é dedicada a esta política de formar um fundo comum, ou, como denomina The revenue of the sovereign, bem como ao comércio e às Colónias. Não há impostos em causa, apenas toda uma argumentação sobre a gestão livre e autónoma das formas de produção.
É evidente, como já referi, que esta produção tem por resultado uma forma de pensamento que é bem simples de lembrar: todo ser humano precisa de observar com todo cuidado os preços dos produtos que necessita, distinguir entre o que deseja mas pode dispensar, e resolver se gasta ou não a sua moeda. É o mesmo tipo de julgamento que faz o investidor, antes de decidir qual o ramo de actividade para produzir e vender. É este comportamento dos proprietários que é imitado, conscientemente ou não, pela população. A estrutura social, a hierarquia, o objeto sociológico da ciência, é o comportamento social conforme as formas de pensar de forma económica.
Economizar (economizing), é um conceito cunhado pela atitude dos produtores e os seus trabalhadores. Não é em vão que Talccott Parsons e Neill Smelser dizem: “…the economics aspects of society which are principally distinguished by their maximising of available means to want-satisfactions…”[30] Todo o indivíduo, porque é de indivíduos a pensar do que se trata em Sociologia Económica, vê-se confrontado com a necessidade de comprar, por lhe faltar tempo para criar bens necessários para a sua subsistência. O ordenado ou salário com que é pago, é pouco em relação à imensidão de recursos que deve consumir. O mercado conta já com esta ideia, joga com ela e usa-a para o seu próprio proveito.
Maximizar ou optimizar, como diz Karl Marx no Capital, é, para as pessoas de escassos recursos, que precisam de usar a sua lógica para reparar no bem que procuram, e procurar adquiri-lo onde ele é mais barato, ou alternativamente, não o adquirir, ou, ainda, pela venda ética da sua estética. De facto, a produção de valores de uso está subordinada à produção de valores de câmbio, orientada pelo proprietário, que por sua vez, se orienta pelo mercado. A lógica do consumidor, a maior parte da população de uma Nação, deve usar estratégias para poder consumir ou gastar o seu dinheiro. A lógica do mercado foi criada pelas empresas e para empresários, entendendo-se que cada indivíduo seria uma empresa individual ou a este comportamento ficar obrigado. Foi assim que tratei deste assunto em dois textos meus, ao falar in extensi das estratégias para maximizar[31]. A explicação é dada por Polanyi: “The last two centuries produced in Western Europe and North America an organization of man’s livelihood to which the rules of choice happened to be singularly applicable. This form of the economy consisted in a price-making markets…”[32]. A formação dos preços resulta da falta de proteccionismo estatal e da liberalização do intercâmbio: quem vende mais barato um bom produto, ganha e lucra e atrai uma clientela importante, formando-se uma corrente de opinião favorável à empresa que assim lucra. A produção dos bens é o que interessa, não a sua circulação. Smith concentra-se na circulação, ignorando a produção, pelo que define valor de um bem como o preço que adquire um produto pela quantidade de trabalho investido na produção, especialmente se a divisão do trabalho para elaborar esse bem, é de grandes proporções e envolve muitas pessoas. Teoria refutada por David Ricardo e Karl Marx.
Entretanto, é preciso saber o que diz Thorstein Veblen[33], em relação a esta temática, tal e qual já foi analisado no Capítulo I. Sobre a realidade capitalista, Veblen diz calmamente: “All classes are in a measure engaged in the pecuniary struggle, and in all classes the possession of the pecuniary traits counts towards the success abd survival of the individual. Wherever the pecuniary culture prevails, the selective process by which men’s habits of thought are shaped, and by which the survival of rival lines of descent is decided, proceeds proximately on the basis of fitness for acquisition. Consequently, if it were not for the fact that pecuniary efficiency is on the whole incompatible with industrial efficiency, the selective action of all occupations would tend to the unmitigated dominance of the pecuniary temperament. The result would be the installation of what has been known as «economic man», as the normal and definitive type of human nature. But the «economic man», whose only interest is the self-regarding one and whose only human trait is prudence, is useless for the purpose of modern industry”[34]. Para Tholstein a exploração dos seres humanos está institucionalizada no consumo conspícuo ou notável para além do investimento em produção. A classe possidente tem tempo livre para poder ditar o que tem valor, definir as normas de urbanidade, classificar os seres humanos pelo tempo empregue, através de gerações, na educação da sua família em recreações que o libertam da opressão causada pelo trabalho industrial. Ao longo do seu livro, este autor faz uma análise dura e déspota dos senhores do mundo. Ou, por outras palavras, analisa o que Adam Smith e Karl Marx não tiveram tempo de fazer: o primeiro ocupado com a sua ideia de construção de uma teoria económica organizadora dos investimentos e dinamizadora da produtividade dos seres humanos, pobres ou ricos; o segundo, em defender a classe social mais despojada de bens, é dizer, os proletários, para o que dedica o seu tempo ao estudo dos investimentos de capital e compara épocas históricas. Veblen tem tempo suficiente para analisar o investimento do tempo de ócio da classe social que têm para si os meios de produção. Porque, não é possível pensar apenas na mais-valia, quando se pensa na classe dominante. A classe dominante tem outros meios para exercer essa dominação e eles residem nos gostos, nas formalidades, nas formas de usar o corpo, os usos das alianças matrimoniais, as formas de ocupar o tempo e de estabelecer, por exemplo, como deve ser um corpo de mulher.
Veblen analisa ainda o uso da religião como uma maneira de estabelecer formas de vida e fala das formas austeras de vida que estes cânones de vida impõem nas pessoas. Diz: “If any element of comfort is admitted in the fittings of the sanctuary, it should at least be scrupulously screened and masked under ostensibly austerity. In the most reputable latter-day houses of worship, where not expense is spared, the principle of austerity is carried to the length of making the fittings of the place a means of mortifying the flesh, specially in appearance…This canon of devout austerity is based on the pecuniary reputability of conspicuously wasteful consumption, backed by the principle that vicarious consumption should conspicuously not conduce to the comfort of the vicarious consumer”[35].
O consumo excêntrico analisado por Veblen, faz pensar nos elementos que são usados pelas classes exploradoras e reproduzidos pelas classes exploradas, que desejam ou manter o seu trabalho ou pensar-se a si próprios como parte desse grupo, ao qual apenas têm acesso pelo trabalho e pelo salário. No entanto, e como Max Weber[36] analisa no seu Capítulo IX do texto referido, há formas de dominar com estrutura e funcionamento a partir do Governo, que passam pelo recato nas formas de viver e pela austeridade, acabando por ser exemplos de estratégias de poupança. “Poupança” que reverte em favor do proprietário ou da classe com tempo livre, por não ter que gastar em ordenados ou salários que compensem o trabalho ou a escolha de gosto e de alimentos que os proprietários usam. É como se estivéssemos a visitar o livro do Conde de Lampedusa[37], O Leopardo, na época da reunificação italiana, quando diz que tudo deve mudar para que tudo continue a ser o mesmo.
De facto, uma vista de olhos à sociedade actual, denominada globalizada, faz pensar que a análise evolutiva das classes sociais, usada de forma dialéctica por Marx e por Veblen, é uma realidade. A Sociologia Económica exibe-nos grupos sociais a usarem valores antigamente dedicados ao uso e a poupança reservada para o uso, caso um dia os valores faltassem, hoje em dia transformados em moeda de troca, de intercâmbio, utilizada para viajar, comprar os melhores instrumentos electrónicos, seleccionar uma biblioteca nunca lida mas sim exibida para, como dizemos em Portugal, “inglês ver”. As classes assalariadas passaram ao gasto sumptuário ou conspícuo, como analisado por Veblen no seu tempo. Quanto mais rica a classe operária, mais semelhante à classe dominante e mais dominadora ela própria dos seus semelhantes que tenham a desgraça de trabalhar para eles. O operariado imita estes comportamentos; os sindicatos têm formado escolas para crianças e adultos, as suas reivindicações passam por salas de leitura, clubes, música e outros bens que, no Século XIX, eram apenas atributo das classes ociosas, como Marx as denominou e Veblen usou como conceito, para entender o outro lado da moeda: não há classe operária se não houver classe proprietária.
Quanto ao investimento dentro de toda esta análise, ele é também exercido pelo operariado. O que se define por produtividade, hoje em dia, não é apenas a força de trabalho, bem como o funcionamento em empresa privada ou, ainda melhor, individual e autónoma. O conceito que Durkheim mais contestara, era esse do individualismo, usado pela primeira vez nas declarações de Independência referidas, nos Direitos do Cidadão da Revolução francesa, e pelo liberalismo que consegue pôr ordem no caos da passagem da servidão à livre empresa, com operários a lutarem com os seus sindicatos, até abandonarem os mesmos para ter a sua indústria. A individualidade definida por Milton Friedman[38] e a escolha livre, são parte da vida actual, reformulados os conceitos, ou amplificados os conceitos de classe social, tal e qual Veblen analisa nos seus vários livros e Anthony Giddens no de 1998, sobre a social-democracia. Giddens[39] é capaz de ver que o mundo da Social-democracia avança para o sonho de Durkheim e Mauss, de todos sermos iguais sem luta de classes nem guerras nem revoluções.
Não queria dizer com isto, que o conceito de exploração institucionalizada, usado por Thorstein Veblen, me tenha arrebatado o julgamento da realidade. A luta de classes é uma realidade, apenas que os membros das classes mudaram, como acontece normalmente na História. A Aristocracia Bourbon em França muda para o Bonapartismo, que consiste afinal na compra de títulos de Conde, Duque ou outros. Veblen diz claramente: “The constituency of the leisure class is kept up by a continual selective process, whereby the individuals and lines of descent that are eminently fitted for an aggressive pecuniary competition are withdrawn from the lower classes. In order to reach the upper levels the aspirant must have, not only a faire average complement of the pecuniary aptitudes, but he must have these gifts in such an eminent degree as to overcome very material difficulties that stand in the way of his ascent. Barring accidents, the nouveaux arrivés are a picked body… a process that has always been going on ever since the institution of the leisure class was first installed…”[40]
De facto, Karl Marx tem razão quando diz que as relações de capital vão destruir o mundo, por se querer ser dos nouvaux arrivés, análise que apenas faz no seu texto de 1847, The poverty of philosophy. De resto, Marx tem os dados certos para explicar a luta de classes e Veblen usa esses dados apenas para analisar as mudanças de indivíduos dentro dos mesmos papéis sociais de exploração institucionalizada, conceito que enriquece a análise materialista dialéctica.
[1] Année Sociologique Nº1, 1896-97, página 457,fascículo 1. Website com texto, bem como Motor de pesquisa Gallica.
[2] Mauss, Marcel, (1923-24) 2001: Ensaio sobre a dádiva, Edições 70, Lisboa. Website nota 27.
[3] Mauss, Marcel, obra citada, página 183 e seguintes.
[4] Aristóles (323) 1992: Étique à Nicomaque, Encyclopedy on-line l’Agora, Les Classiques, Paris, ou website http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Arist%C3%B3teles+%C3%89tique+a+Nicomaque&btnG=Pesquisar&meta=lr%3Dlang_pt comentado no meu texto de 2002 : A economia deriva da religião, Afrontamento, Porto. Ver também Aquinas, Thomas, c.1270:Commentaires de l’Ethique à Nicomaque, Paris, Sorbonne, manuscrito on line.Website: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Tomas+de+Aquino+Commentaires+de+l%E2%80%99Ethique+%C3%A0+Nicomaque&btnG=Pesquisar&meta=
[5] Bentham, Jeremy, (1768, publicação anónima, 1789 edição pública, William Collins Sons, Ltd, Glasgow)) 1962: An introduction to the principles of morals and legislation, Collins Fontana, Glasgow. Website com o texto original: http://socserv2.socsci.mcmaster.ca/~econ/ugcm/3ll3/bentham/morals.pdf
[6] Mill, John Stuart, (1863) 1962: Utilitarianism, William Collins Ltd, Glasgow, em suporte de papel. Website com texto: http://www.utilitarianism.com/jsmill.htm
[7] Bentham, Jeremy (1879) 1975: An Introduction to the Principles of Morals and Legislation, William Collins and Son, Ltd, Glasgow. Páginas 34 e seguintes. Website com texto: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Jeremy+Bentham++An+Introduction+to+the+Principles+of+Morals+and+Legislation&btnG=Pesquisar&meta=
[8] Stuart Mill, John, 1859 e 1960: On Liberty, e Utilitarianism, Collins and Sons, Glasgow. Website nota 39 para o primeiro, website para o Segundo: http://www.google.pt/search?hl=pt-, com texto.PT&q=John+Stuart+Mill+Utilitarianism&btnG=Pesquisar&meta= As duas citações são com texto.
[9] Stuart Mill, John, 1848: Principles of Political Economy¸ Collins, Glasgow. Website com texto http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=John+Stuart+Mill+Principles+of+Political+Economy&btnG=Pesquisar&meta=
[10] Stuart Mill, John, obra citada, páginas 307 e 308, tradução de Borges Coelho para Livros Horizonte, 1987. Website nota anterior.
[11] Sismonde de Sismondi, Jean Charles Leonard, 1819: Nouveaux Principes de Économie Politique, Paris. Website com texto: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Jean+Charles+Leonard+Sismonde+de+Sismondi+Nouveaux+Principes+de+%C3%89conomie+Politique&btnG=Pesquisar&meta= Mill, James, Elements of Political Economy, 1821. Website com texto: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=James+Mill+Elements+of+Political+Economy&btnG=Pesquisar&meta=
[12] Marx, Karl, (1859) 1977: Preface to a Critique of Political Economy, Oxford Press, Grã-Bretanha. Website com texto: www.marxists.org/archive/marx/ works/1859/critique-pol-economy/preface.htm
[13] Marx, Karl, obra citada, páginas 388 a 391, sintetizadas por mim.
[14] Ricardo, David, (1918) 1983: Princípios económicos e de tributação, Gulbenkian, Lisboa. Website nota 227.
[15] Stuart Mill, John, obra citada, páginas 304 a 305. A síntese é minha. Website nota 252.
[16] Durkheim, Émile, 1885 :“Alfred Fouillé, La propriété sociale et la démocratie” in Revue Philosophique XIX, Paris. Website com texto http://www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/Durkheim_emile/ sc_soc_et_action/texte_2_04/propriete_soc.html
[17] Durkheim texto citado, páginas 170 a 183 em suporte de papel. . A mina síntese.Website nota 26.
[18] Veblen, Thorstein, (1899) 1998: The theory of the leisure class, Prometheus Books, Nova Iorque. Website nota 95.
[19] Parsons, Talcott, Neill, Smelser, 1968: Economy and Society, Routledge and Kegan Paul, Londres. Website para pesquisa e textos sintetizados: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Talcott+Parsons+Smelser+Neil+Economy+and+Society%2C+&btnG=Pesquisar&meta=
[20] Weber, Max, 1956, obra póstuma: Economía y Sociedad, FCE, México e Madrid. Website para debate, teoria e textos comentados: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Max+Weber+Economia+e+Sociedade&spell=1
[21] Bourdieu, Pierre, 1977: Algérie 60. Structures économiques et structures temporelles, Minuit, Paris ; e 2000 : Les structures sociales de l´économie, Seuil, Paris. Website para debate e teoria: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Pierre+Bourdieu+Alg%C3%A9rie+60.+Structures+%C3%A9conomiques+et+structures+temporelles&btnG=Pesquisar&meta=
[22] Marx, Karl, 1862 e 1863, Theories of Surplus Value, ao todo, dois textos escritos em anos diferentes, do que vamos tratar no Capitulo V de este texto. Website nota 50.
[23] Karl Marx, textos citados.
[24] Smith, Adam, obra citada do texto original, define wants ao começo do seu livro, Capítulo I. Enquanto need é o que forçosamente deve ser feito, o que tem que ser, want é a carência, a falta de, deficiência, privação, penúria. Este determinismo natural é usado pelo autor para formular o seu objectivo: melhorar a produtividade do trabalho de todo indivíduo e da massa de trabalhadores. Website nota 22
[25] Smith, Adam, página 130, Capítulo XI, Parte II, define o conceito wants como a extensão do mercado de necessidades que, ao serem satisfeitas, são importantes para a oferta de produtos, em consequência, para o mercado de capital. Website nota 22
[26] Smith, Adam, obra citada, Livro II, página 207 da versão inglesa original que uso. Website com texto: nota 22.
[27] Durkheim argumenta de forma cumprida que a divisão do trabalho é social, não apenas por ser dividida entre todos os seres humanos, bem como porque há lei e contrato, apenas que o contrato é desigual por causa da existência de classes sociais, como já foi referido.
[28] Durkheim, Émile, 1910b): “La notion d’égalité sociale” in Bulletin de la Société française de philosophie, Nº 10, Paris. Website com texto: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=%C3%89mile+Durkheim+La+notion+d%E2%80%99%C3%A9galit%C3%A9+sociale+&btnG=Pesquisar&meta= Marx tinha exprimido a ideia ao dizer “De cada um conforme as suas capacidades, a cada um conforme as suas necessidades”, Communist Manifesto, versão de 1870.
[29] Durkheim, Émile, 1904: L’élite intellectuelle et la démocratie, já citado. Website: http://www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/Durkheim_emile/ sc_soc_et_action/texte_3_11/elite_intellectuelle.html
[30] Parsons, Talcott, e Smelser, Neill, 1956: Economy and Society, Routledge and Kegan Paul, Londres, página 20. Website nota 261.
[31] Iturra, Raúl, (1977) 1988: Antropologia Económica de la Galicia Rural, especialmente Capítulo II, Xunta de Galiza, Compostela. O original em inglês, CUP, trata especificamente de maximização. Website nota 45.
[32] Polanyi, Karl, 1957: “The economy as an instituted process” in Polanyi, Arensberg e Pearson, Trade and market in the early empires, The Free Press, Nova Iorque. Website nota 60
[33] Veblen, Thorstein, (1889) 1998: The theory of the leisure class, Prometheus Books, Nova Iorque. Website nota 95
[34] Obra citada, página 241.
[35] Veblen, Thorstein, obra citada, páginas 115 a 166, sintetizadas por mim ao reproduzir frases das páginas 121 e 122 do texto em formato de papel
[36] Weber, Max, (1922) 1993: Wirtschaft und Gesellschaft. Grudisse der Verstcheunder Soziologie, traduzido como Economia y Sociedad, FCE, México. A cobra mais difundida de Weber é a de 1904, A ética do Protestantismo, editado pela Presença em 1986 em Portugal, útil também para entender a austeridade que faz os ricos: Beruf mas que por ultra conhecido, ponho de parte nesta analise. Website nota 262
[37] Di Lampedusa, Giuseppe Tomassi, 1889: Il Gattopardo, várias edições, entre as quais a portuguesa da Europa-América e a de Luchino Visconti, de 1968, a minha preferida. Website para debate e informação: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Giuseppe+Tomasi+Di+Lampedusa+Il+Gattopardo&spell=1
[38] Friedman, Milton, 111962: Capitalism and freedom, the University of Chicago Press, EUA… Website para debate http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Milton+Friedman+Capitalism+and+freedom&btnG=Pesquisar&meta=
[39] Giddens, Anthony, 1988: The third way and its critics, Polity Press, Cambridge, Grã Bretanha. Website nota 36
[40] Veblen Thorstein, obra citada, Capítulo IX, “The conservation of Archaics Texts”, sintetizado nas palavras do autor, páginas 236 e 237, em suporte de papel. Website nota 95.
o que o Année Sociologique procurava: a teoria do valor. Esta, através da análise da teoria liberal da economia, não do utilitarismo, como referido por Marcel Mauss ao falar da economia de troca-dádiva, como diferente da economia utilitarista .
Diz Mauss no texto referido: “Vimos repetidamente quanto esta economia de troca-dádiva estava longe de entrar nos quadros da economia supostamente natural do utilitarismo” A definição de sociologia económica usada por Marcel Mauss, é apenas uma introdução à matéria, no Prefácio da Secção Quinta da Année Sociologique em referência.
É conceptual a questão levantada neste parágrafo. Quer Mauss no seu Essai sur le don, quer Durkheim na sua tese de doutoramento de 1893, publicada nesse mesmo ano, sob o título De la division du travail social, debatem o conceito que orientava a vida social e económica, o princípio ético de utilidade, que já na Ética a Nicomaco, Aristóteles tinha avançado , e é mais tarde usada por Jeremy Bentham e por John Stuart Mill . A questão é simples e mais filosófica e de princípios morais, que de economia, como fiz referência no Capitulo I, nº 3 deste texto. Na base da ideia de ser gentil, civilizado, aberto e debater as ideias, retirando-as da prática, mas elaborando ideias a partir do seu confronto com teorias prévias, Aristóteles organiza um sistema de pensamento, reflectido não apenas na Ética a Nicómaco, bem como em toda a sua obra: Economia ou interacção do lar com a vida pública, Política ou conselhos para o bom governo do povo, Metafisica ou de como as ideias são formadas.
É destes textos, que, no fim da época denominada liberal, quando a História traz outra vez formas de Governo Imperial e Aristocrata; quando a declaração dos Direitos do Homem começa a ficar esquecida, pelo objectivo do lucro que todo o indivíduo procura, que a Economia passa a ser uma forma de vida que Bentham resume numa frase, no seu livro já citado: “By the principle [or foundation, or approbation, or feelings, a minha interpolação] of utility, is meant that principle which aproves or disapproves of every action wahtsoever, according to the tendency which it appears to have to augment or diminish the happiness of the party whose interest is in question. Or to promote or to oppose that happiness. I say of every action whatsoever; and therefore not only of every action of a private individual, but of every measure of government. By utility is meant the property of any object, whereby it tends to produce benefit, advantage, pleasure, good, or happiness…or to prevent the happening of mischief, pain, evil, or unhappiness to the party whose interest is considered…”
Acrescenta John Stuart Mill que a felicidade pode ser apreciada nas obras das pessoas, que as pessoas felizes produzem obras boas e as infelizes, obras más. A lógica a ser usada é empírica e é desse empirismo que deriva a ideia central da Economia. O que nem Durkheim nem Mauss parecem entender. Eles discutem as ideias económicas de Stuart Mill e lutam contra as ideias utilitárias, por terem percebido que não há felicidade nos seres humanos por causa da diferença social: há os patrões e há os operários, duas classes opostas. Opostas, por serem os primeiros proprietários das tecnologias reprodutivas e produtivas, os segundos por viverem de um salário raro e pobre.
As ideias económicas de Stuart Mill estão expressas no seu texto de 1848 . Distingue entre a produção e a distribuição das riquezas; a distribuição tem duas formas: a propriedade privada e a propriedade comum, desiquilibradas, por haver mais propriedade privada que comum, e pelo comportamento concorrencial dos indivíduos: “É duvidoso que todas as intervenções mecânicas feitas até hoje tenham diminuído a fadiga quotidiana de um único ser humano. Permitiram a um maior número de homens levar a mesma vida de reclusão e de trabalhos penosos e a um maior número de manufactureiros e outros fazer grandes fortunas; mas elas não começaram ainda a operar no destino da humanidade as grandes mudanças que está na sua natureza realizar” .
O que debate é um modo de vida e na altura das revoluções que se seguiram a dois factos determinantes: a Revolução Francesa, cuja estabilidade apenas foi conseguida em 1870; e a implantação das ideias liberais na Grã-Bretanha, terra do nosso autor. Em desespero, como humanista, defende a igualdade das mulheres perante os homens e advoga pelo controle dos nascimentos, para melhorar o nível de vida da população. Stuart Mill acolhe o debate de três autores: Sismonde de Sismondi, James Mill e Karl Marx .
Karl Marx, que escreve especialmente o seu Prefácio à Crítica da Economia Política – único texto das Grundrisse a aparecer durante a vida de Marx no seu livro O Capital, Volume I, contradiz Stuart Mill, apenas porque diz para um público mais amplo: “My investigation led me to the result that legal relations as well as forms of State are to be grasped neither from themselves nor for the so-called general development of the human mind, but rather have their roots in the materials conditions of life, the sum total of which Hegel, following the examples of the Englishmen and Frenchmen of the eighteenth century, combines under the name of “civil society”…the anatomy of civil society is to be sought in political economy: …in the social production of their life, men enter into definite relations that are indispensable and independent of their will, relations of production which correspond which correspond to a definite stage of development of their material productive forces. The sum total of these relations of production, constitutes the economic structures of society, the real foundation, on which rises a legal and political superstructure and to which corresponds definite forms of social consciousness…It is not the consciousness of men that determines their being, but, on the contrary, their social being that determines their consciousness… [until] a social revolution begins” .
A boa vontade não é suficiente para viver, nem as causas cívicas a que dedicava o seu tempo e ideias o autor em questão. Na época de Stuart Mill a assistência aos pobres ao domicílio foi revogada em 1834, as leis do trigo passaram do controlo estatal de impostos previsto por David Ricardo em 1818, ao livre comércio em 1844 e revogadas em 1846, as novas terras para produzir foram abertas à concorrência, o que eleva o custo da subsistência, na medida em que a população cresce sem ter outros meios de trabalho ou salários que condicentes com os preços dos bens rurais, classificados por Ricardo em terras de primeira qualidade, segunda e terceira, conforme a sua proximidade ao mercado e o potencial de criação de postos de trabalho ou lugares para obter um salário. Em consequência, as formas de pensar a economia não podiam já ser morais, a vida desses seres humanos estava em perigo, a fome existia e foi a época mais pobre da História da Europa. O programa da economia liberal tencionava desenvolver ideias de produção e de empresa, de capital acumulado para e pelas pessoas. Não é em vão que Marx, perante estes factos e perante as leituras das leis e das teorias, escreve que são as condições de vida que determinam a consciência do ser humano. Normalmente, as ideias de um Bentham ou de um Stuart Mill eram uma forma de vida reflectida nas obras feitas pelas pessoas. Aliás, havia toda uma ideologia religiosa que já foi invocada, e que pode ser sintetizada pela frase evangélica de que “pelas vossas obras sereis conhecidos”. Marx, na sua educação como Rabino e na sua intervenção na questão judaica da França de 1849, entendeu que os seres humanos tinham sérias limitações materiais para poderem viver e que a prometida liberdade que as máquinas tinham trazido ao trabalho, não existia por causa da propriedade privada das mesmas. Os Utilitaristas tentaram fazer da denominada Lei Natural, uma teoria económica. Essa lei natural era a capacidade para trabalhar e para enriquecer, desde que se pensasse de forma pragmática. Pragmatismo impossível pelas bases dos seus princípios: a propriedade privada dos bens de produção, a apropriação privada do resultado do trabalho de outros seres humanos pelos poucos que, como Stuart Mill diz muito bem na citação anterior, passam para a nova era como donos da indústria que nasce.
O operariado estava em revolta, as manifestações e as greves eram alargadas, não apenas na Grã-Bretanha, como em todo o mundo industrial. As leis de repressão e de encarceramento eram uma nova criação dos Estados e Nações que detinham o poder nas suas mãos. Aliás, como é possível analisar pelos historiadores, as classes dominantes eram as classes proprietárias, e de entre esses proprietários, se escolhia um Governo através do voto nas urnas. Não é em vão que o próprio Stuart Mill começa a militar no partido de Owen, o sindicalista inglês que, como sabemos dos capítulos anteriores, organizou a resistência ao capital e à classe proprietária, ao qual aderiu Stuart Mill. Marx tinha escrito textos sobre o desenvolvimento da pobreza por causa da indústria, no seu Manifesto Comunista, e é a partir daí que Stuart Mill escreve a citação extensa que fiz antes: é a declaração do socialismo inglês, uma manifestação distante das primeiras ideias do Utilitarismo que ele produzira em escritos anteriores, já citados. No seu texto de 1848, acrescenta que a exportação de capitais para trabalhar e produzir em sítios mais baratos, bem como a importação de géneros estrangeiros para manufacturar na Grã-Bretanha, levaria a descer a taxa de lucro dos capitalistas que estavam a causar a pobreza da Nação. E diz, em síntese, de que “o melhor estado para a natureza humana é aquele em que ninguém é rico, ninguém aspira a tornar-se mais rico e não teme ser derrubado pelos esforços que os outros fazem para se precipitarem para diante” . Por outras palavras, estas são ideias de um bom samaritano, que não tem mais do que o seu saber filosófico, moral ou ético, para entender uma realidade que não investiga, como fazem Marx e Durkheim. A cura social para a indução/dedução das ideias acaba por não ser a forma de remediar a acumulação de bens em poucas mãos, facto reconhecido na citação anterior. A escola liberal triunfa na economia e na política, e é contra este tipo de factos, que Durkheim e Mauss se agitam. Especialmente, pela ideia de maximização ou Homo Economicus que define o padrão social do comportamento dos indivíduos e os seus grupos. Não é em vão que Durkheim escreve o texto de 1890:”Propriété social et démocratie” : “La propriété individuelle ne se recommande pas seulement par de raisons d’intérêt bien entendu; elle a as base rationnelle…Mais une propriété absolue, sens réserve et sens restriction, ne se trouve pas pour cela justifiée; car, avec nos seules forces, nous ne pouvons rien créer…. Ainsi, dan toute propriété, outre le part de l’individu, il y a celle de la nature et celle de la nation. L’économie orthodoxe a le tort de méconnaître cette collaboration….Comment pourrait-il [l’État] adapter la production aux mille nuances de la demande ? …La puissance politique constitue une sorte de fonds social, dont il faut régler la répartition… La société est composée des individus libres : le suffrage universel permet la vie en commun, sans toucher à cette liberté. La société est une association. Mais, ce l’État qui doit prendre soin de l’individu qui appartient a une société organique…Le socialisme lui aussi sera volontaire et conscient ”
Neste texto Durkheim debate entre a iniciativa individual e a iniciativa de grupo, entre o individualismo, que sempre criticou, contra um possível socialismo que estruture a sociedade como um processo absoluto comandado pelo Estado. Vive-se a época republicana na França de Durkheim, que é prévia à sua leitura de Marx e dos socialistas utópicos, que apenas lê a seguir à sua viagem à Alemanha, em 1888. O que me interessa em todo este debate e citações, é estabelecer que a sociologia económica nasce a partir de um contexto sem conceitos nem decisões bem estabelecidas. O mundo social acaba de sair de uma estrutura histórica de servidão, da qual não está ainda muito certo, enquanto Continente, de se ter libertado. É um Continente que não apenas ainda tem Colónias, usadas para produzir as matérias-primas (como recomenda Stuart Mill), bem como um Continente com experiências diversas. Na França, a Revolução tinha acontecido antes e depois da data da sua comemoração. Durkheim, Marx, Stuart Mill, sabem das revoltas de 1848 por todo o continente, das unificações de países, do “arrecadar” para a indústria dos seres humanos denominados cidadãos, com direito a voto, governar e escolher os seus governantes.
A Sociologia Económica tem um começo polémico, de luta de classes, como Marx e Durkheim analisam, da desigualdade dos seres humanos perante a lei, por causa das riquezas ou da falta das mesmas. Um Continente que vive uma ideia, a da libertação dos proprietários, não apenas das suas terras, bem como das suas pessoas.
A Sociologia Económica nasce para se entender uma anedota: qual é agora, a hierarquia social? Esta parece residir no que já denominei de lógica de maximização ou de Homo Economicus. Porque o debate dos sociólogos é com os economistas que apenas entendem de fórmulas para progredir no lucro, para concentrar uma relação social baseada no capital – i.e., a propriedade concentrada dos meios de produção nas mãos do pequeno grupo que refere Stuart Mill, os poderosos do seu País e partilhá-los, na base da lei, como Durkheim argumenta em La division du travail social, com os citoyens criados pela declaração já referida no Capítulo 1.
O contrato e a lei, pareciam ser a base da igualdade, mas, e a lógica, para a definir? Vamos analisar esse conceito de maximização como segundo ponto, para, a seguir, analisar as ideias sociológicas sobre a estrutura social.
2. Maximizar ou Homo Economicus.
É a ideia que analisam, em primeiro lugar, mas com reticências, autores como Thorstein Veblen e Talcott Parsons , e, de forma mais aprofundada, os teóricos Max Weber e Pierre Bourdieu , entre outros, bem como a reacção de Émile Durkheim e Marcel Mauss.
A teoria liberal tinha conseguido, com a liberalização dos mercados e com a não intervenção do Estado em matéria de fluxo de mercadorias, que a população tivesse que se defender da livre empresa que procurava compradores para colocar os seus produtos. A livre empresa, ou o livre mercado, consiste em fixar preços na base dos custos antecipados pelo proprietário do dinheiro (ou investidor), que permitam recuperar o investimento e, além do mais, lucrar. Lucrar, ou ganhar dinheiro com o dinheiro investido. É o dinheiro investido que se tenta recuperar, ganhando de permeio um valor semelhante ao investido e recuperado, para lucrar. É o que Marx denomina como a Mais-Valia ou valor a mais, ou valor acrescentado . Não é apenas o investimento, bem como as horas extras de trabalho do denominado capital variável ou operariado, que deve estar sempre presente e disponível para transformar as matérias em bens a colocar no mercado. Todo o investidor para lucrar, ou pelo menos, para vender os bens que fabrica, faz o que se denomina uma prospecção do mercado, tentando saber qual é o bem mais necessário e de que maneira é procurado, para satisfazer o capital fixo ou dinheiro adiantado em moeda, tecnologia, edifícios, matéria-prima ou não convertida em bem para oferecer. As leis formuladas por Adam Smith funcionam de forma perfeita num sistema de livre mercado, dentro do qual há pessoas que não conseguem criar todos os bens que precisam para o seu uso e devem adquirir ou comprar outros bens de uso que passam assim a ser bens de troca ou de intercâmbio.
A lógica do liberalismo baseia-se no facto da divisão do trabalho ocupar todo e cada um membro do grupo social, indivíduos sempre ocupados a trabalhar na confecção de um bem, sem terem tempo para dedicar horas do seu dia de trabalho, à confecção de bens de uso ou bens que precisam para a sua subsistência. É o denominado bem de consumo , que, uma vez usado, desaparece e deve ser substituído, mais e mais uma vez, por bens semelhantes. O exemplo mais típico é a alimentação; outro, o vestuário; outro ainda o abrigo ou agasalho de uma casa ou lar. Se pensarmos nos tempos actuais, os investidores estão muito atentos, de olhos abertos, para ver como criar uma necessidade para passar a ser esta nova procura, como organizar mais uma forma de vender produtos.
O exemplo mais característico e vulgar, é o do uso dos telefones móveis ou telemóveis, como são denominados. Adam Smith não estava nada perdido no dia que escreveu o seu livro e distinguia entre dois conceitos: needs e wants. Um need ou necessidade, é o conceito que exprime tudo o que não fazemos, mas é necessário para nós sobrevivermos (é, gostaria de dizer, para nós sermos entidades sociais semelhantes às outras ou seres humanos que usamos os mesmos bens). O liberalismo desenvolveu uma concorrência forte entre todas as pessoas, quase como o que acontece entre os gestores de fábricas, indústrias, produtores em geral, ou investidores. A necessidade de colocar o produto no mercado, acaba por ser o incentivo para a propaganda, para a transformação de bens naturais em bens de mercado ao mais baixo investimento possível, em consequência, com um preço mais económico para quem o adquire. O mesmo tipo de bem, pode ter diferentes preços decorrendo dos materiais empregues e da mão-de-obra utilizada; um colar de pérolas, é um need social, ou, como é também definido, um bem de luxo. Este bem de luxo é concorrencial, ajuda a vender a pessoa que o usa, a ser objecto de atenção social, a impor nos que a rodeiam um respeito que pode ou não condizer com o valor dos bens que fabrica, inventa ou cria.
Exemplos típicos são também os perfumes e a moda: a forma extravagante de viver e de vestir de Coco Channel, fez dela uma empresária a criar um need no meio das pessoas que, tenham a capacidade económica ou não, possam ou não (aqui há que ressalvar essa outra estratégia de oferta e procura que passa pela contrafacção), é dizer, tenham ou não a “estética necessária” para usar perfume ou roupa Channel, acabam por ser consideradas como seres de valor social. Estamos aí no domínio do que se denomina “a moda”, formas de agir às quais é dedicada publicidade, respeito, hierarquia social, a passar sempre à frente dos outros. Por outras palavras, os indivíduos devem, conforme a legislação actual em Portugal e a maneira liberal de Smith, fazer a sua própria empresa: a própria pessoa ou empresário em nome individual, a quem se solicita produtividade, sem mais. Uma necessidade existe no meio social, quando é para ser consumida. Mas, a denominada Lei de Mercado, vai criando outras tão importantes, que até podem passar sem procurar o que é preciso para a sua subsistência, para poder brilhar entre os parentes, vizinhos e amigos, ou ainda, na relação patrão-operário: um operário bem alimentado, bem vestido, como maneiras eruditas de falar para o seu nível, em conjunto com a sua destreza para fabricar o bem de mercado para o qual é requerido e alugado – os seres humanos têm também um mercado, do qual se está consciente. Exemplo de escravatura no seu tempo, brutal ou não, é o que define este mercado de seres humanos: às vezes não é necessário saber, as vezes é necessário ser visto como um ser humano que sabe dominar as suas emoções e pode agir conforme a sua racionalidade. Há necessidades primárias e necessidades criadas pelo mercado. Uma das quais, é a de nunca causar conflitos ou falar dos seus problemas: a lei de mercado impõe silêncio entre os seres humanos.
Assim, podemos falar de um want, esse outro conceito de Adam Smith, que passou para a posteridade como o que eu desejo adquirir além das minhas necessidades. Um want é importante para o investidor, por permitir definir o possível investimento que uma pessoa faz dentro dos seus recursos. Want é desejar bens sem os quais podemos sobreviver. Um need é parte das vendas do ser humano no mercado. Um want é um querer consumir, para o qual o mercado deve estar mais do que atento, à espera do satisfazer porque é aí onde faz o seu investimento e o seu lucro. É aí onde começamos a lidar com o conceito de maximizar ou optimizar as nossas possibilidades económicas. Adam Smith fala de want, usando o conceito need como uma forma de exprimir ou exteriorizar o seu discurso. Para ele, há o que deseja a Raça Humana, a extensão do fenómeno para poder investir no mesmo, e para poder medir qual a extensão do fenómeno de querer ou desejar, para calcular o tipo de pessoas a serem alugadas por um salário, quantos, quando e onde. No texto, o autor define want como um need humano que, ao ser satisfeito, traz lucros ao mercado. E diz: “after food, clothing and lodging are the two great wants of mankind” .
Mas, não é apenas o que tenho citado em nota de rodapé que é importante saber, para configurar a defesa que faz o Homo Economicus na criação de uma lógica para se defender de um mercado que o persegue de forma impiedosa para satisfazer a sua urgência de vender e recuperar os investimentos. Para o Mercado, o ser humano não é pessoa, é apenas um potencial comprador ou consumidor de bens produzidos por outros, ou um potencial indutor de ideias de consumo espalhadas e criadas pelo mercado. “In that rude state of society in which there is no division of labour, in which exchanges are very seldom made, and in which every man provides everything for himself, it is not necessary that any stock [reserva, provimento] should me accumulated or stored up beforehand, in order to carry on the business of society [reservado, previsto]. Every man endeavours to supply by his own industry his own occasional wants as they may occur. When he is hungry, he goes to the forest to hunt; when his coat or worn out, he clothes himself with the skin of the fist large animal he kills…But when the division of labour has once been thoroughly introduced, the produce of man ‘s own labour can supply but a very small part of his occasional wants. The far greatest parts of them are supplied by the produce of other men’s labour, which he purchases with the produce, or, what is the same thing, with the price of the produce of his own” . Mais esta comprida citação que se deve ao facto do autor remeter o que se deseja ou se quer, para um estado de comércio, ao comparar as formas de intercâmbio com as que pensava existirem quando a actividade era de auto-suficiência ou, talvez, de permuta. Este facto por ele delineado, esquece que na divisão do trabalho, como Durkheim depois rebate, tem valor social, ou seja, não existe apenas para dinamizar a capacidade produtiva dos seres humanos, objectivo do trabalho de Adam Smith, bem como para criar justiça entre seres humanos que vivem dentro de uma estrutura com processos de solidariedade orgânica, em grupos. De forma que cabe a Durkheim comentar a ideia de Karl Marx, expressa no Capital, Vol. I e antes, no Manifesto Comunista: “A chacun selon ses œuvres” devia ser, para sermos justos, diz Durkheim, “a chacun selon son mérites” , é dizer, conforme o valor de cada pessoa e não uma forma absolutista de não medir o mérito. É o que Durkheim mais tarde iria denominar de “Socialismo Absolutista” .
O que interessa, por agora, é a lógica derivada do liberalismo e de como o criador da Economia Clássica, define os seres humanos como operários, sem reparar que ao falar de Divisão do Trabalho e dizer que as pessoas podem, com o seu dinheiro, comprar a outros aquilo que for preciso, esquece o que define em outros Capítulos do seu livro, isto é, que os seres humanos vivem em divisão de trabalho, conforme as indústrias, manufacturas e empresas nas quais trabalhem, e que ou trabalham no campo ou na cidade. Aliás, prevenindo a falta de riqueza pessoal, fala da Commonwealth, ou o fundo de reservas que pode apoiar os que não tenham dinheiro. A maior parte do livro é dedicada a esta política de formar um fundo comum, ou, como denomina The revenue of the sovereign, bem como ao comércio e às Colónias. Não há impostos em causa, apenas toda uma argumentação sobre a gestão livre e autónoma das formas de produção.
É evidente, como já referi, que esta produção tem por resultado uma forma de pensamento que é bem simples de lembrar: todo ser humano precisa de observar com todo cuidado os preços dos produtos que necessita, distinguir entre o que deseja mas pode dispensar, e resolver se gasta ou não a sua moeda. É o mesmo tipo de julgamento que faz o investidor, antes de decidir qual o ramo de actividade para produzir e vender. É este comportamento dos proprietários que é imitado, conscientemente ou não, pela população. A estrutura social, a hierarquia, o objeto sociológico da ciência, é o comportamento social conforme as formas de pensar de forma económica.
Economizar (economizing), é um conceito cunhado pela atitude dos produtores e os seus trabalhadores. Não é em vão que Talccott Parsons e Neill Smelser dizem: “…the economics aspects of society which are principally distinguished by their maximising of available means to want-satisfactions…” Todo o indivíduo, porque é de indivíduos a pensar do que se trata em Sociologia Económica, vê-se confrontado com a necessidade de comprar, por lhe faltar tempo para criar bens necessários para a sua subsistência. O ordenado ou salário com que é pago, é pouco em relação à imensidão de recursos que deve consumir. O mercado conta já com esta ideia, joga com ela e usa-a para o seu próprio proveito.
Maximizar ou optimizar, como diz Karl Marx no Capital, é, para as pessoas de escassos recursos, que precisam de usar a sua lógica para reparar no bem que procuram, e procurar adquiri-lo onde ele é mais barato, ou alternativamente, não o adquirir, ou, ainda, pela venda ética da sua estética. De facto, a produção de valores de uso está subordinada à produção de valores de câmbio, orientada pelo proprietário, que por sua vez, se orienta pelo mercado. A lógica do consumidor, a maior parte da população de uma Nação, deve usar estratégias para poder consumir ou gastar o seu dinheiro. A lógica do mercado foi criada pelas empresas e para empresários, entendendo-se que cada indivíduo seria uma empresa individual ou a este comportamento ficar obrigado. Foi assim que tratei deste assunto em dois textos meus, ao falar in extensi das estratégias para maximizar . A explicação é dada por Polanyi: “The last two centuries produced in Western Europe and North America an organization of man’s livelihood to which the rules of choice happened to be singularly applicable. This form of the economy consisted in a price-making markets…” . A formação dos preços resulta da falta de proteccionismo estatal e da liberalização do intercâmbio: quem vende mais barato um bom produto, ganha e lucra e atrai uma clientela importante, formando-se uma corrente de opinião favorável à empresa que assim lucra. A produção dos bens é o que interessa, não a sua circulação. Smith concentra-se na circulação, ignorando a produção, pelo que define valor de um bem como o preço que adquire um produto pela quantidade de trabalho investido na produção, especialmente se a divisão do trabalho para elaborar esse bem, é de grandes proporções e envolve muitas pessoas. Teoria refutada por David Ricardo e Karl Marx.
Entretanto, é preciso saber o que diz Thorstein Veblen , em relação a esta temática, tal e qual já foi analisado no Capítulo I. Sobre a realidade capitalista, Veblen diz calmamente: “All classes are in a measure engaged in the pecuniary struggle, and in all classes the possession of the pecuniary traits counts towards the success abd survival of the individual. Wherever the pecuniary culture prevails, the selective process by which men’s habits of thought are shaped, and by which the survival of rival lines of descent is decided, proceeds proximately on the basis of fitness for acquisition. Consequently, if it were not for the fact that pecuniary efficiency is on the whole incompatible with industrial efficiency, the selective action of all occupations would tend to the unmitigated dominance of the pecuniary temperament. The result would be the installation of what has been known as «economic man», as the normal and definitive type of human nature. But the «economic man», whose only interest is the self-regarding one and whose only human trait is prudence, is useless for the purpose of modern industry” . Para Tholstein a exploração dos seres humanos está institucionalizada no consumo conspícuo ou notável para além do investimento em produção. A classe possidente tem tempo livre para poder ditar o que tem valor, definir as normas de urbanidade, classificar os seres humanos pelo tempo empregue, através de gerações, na educação da sua família em recreações que o libertam da opressão causada pelo trabalho industrial. Ao longo do seu livro, este autor faz uma análise dura e déspota dos senhores do mundo. Ou, por outras palavras, analisa o que Adam Smith e Karl Marx não tiveram tempo de fazer: o primeiro ocupado com a sua ideia de construção de uma teoria económica organizadora dos investimentos e dinamizadora da produtividade dos seres humanos, pobres ou ricos; o segundo, em defender a classe social mais despojada de bens, é dizer, os proletários, para o que dedica o seu tempo ao estudo dos investimentos de capital e compara épocas históricas. Veblen tem tempo suficiente para analisar o investimento do tempo de ócio da classe social que têm para si os meios de produção. Porque, não é possível pensar apenas na mais-valia, quando se pensa na classe dominante. A classe dominante tem outros meios para exercer essa dominação e eles residem nos gostos, nas formalidades, nas formas de usar o corpo, os usos das alianças matrimoniais, as formas de ocupar o tempo e de estabelecer, por exemplo, como deve ser um corpo de mulher.
Veblen analisa ainda o uso da religião como uma maneira de estabelecer formas de vida e fala das formas austeras de vida que estes cânones de vida impõem nas pessoas. Diz: “If any element of comfort is admitted in the fittings of the sanctuary, it should at least be scrupulously screened and masked under ostensibly austerity. In the most reputable latter-day houses of worship, where not expense is spared, the principle of austerity is carried to the length of making the fittings of the place a means of mortifying the flesh, specially in appearance…This canon of devout austerity is based on the pecuniary reputability of conspicuously wasteful consumption, backed by the principle that vicarious consumption should conspicuously not conduce to the comfort of the vicarious consumer” .
O consumo excêntrico analisado por Veblen, faz pensar nos elementos que são usados pelas classes exploradoras e reproduzidos pelas classes exploradas, que desejam ou manter o seu trabalho ou pensar-se a si próprios como parte desse grupo, ao qual apenas têm acesso pelo trabalho e pelo salário. No entanto, e como Max Weber analisa no seu Capítulo IX do texto referido, há formas de dominar com estrutura e funcionamento a partir do Governo, que passam pelo recato nas formas de viver e pela austeridade, acabando por ser exemplos de estratégias de poupança. “Poupança” que reverte em favor do proprietário ou da classe com tempo livre, por não ter que gastar em ordenados ou salários que compensem o trabalho ou a escolha de gosto e de alimentos que os proprietários usam. É como se estivéssemos a visitar o livro do Conde de Lampedusa , O Leopardo, na época da reunificação italiana, quando diz que tudo deve mudar para que tudo continue a ser o mesmo.
De facto, uma vista de olhos à sociedade actual, denominada globalizada, faz pensar que a análise evolutiva das classes sociais, usada de forma dialéctica por Marx e por Veblen, é uma realidade. A Sociologia Económica exibe-nos grupos sociais a usarem valores antigamente dedicados ao uso e a poupança reservada para o uso, caso um dia os valores faltassem, hoje em dia transformados em moeda de troca, de intercâmbio, utilizada para viajar, comprar os melhores instrumentos electrónicos, seleccionar uma biblioteca nunca lida mas sim exibida para, como dizemos em Portugal, “inglês ver”. As classes assalariadas passaram ao gasto sumptuário ou conspícuo, como analisado por Veblen no seu tempo. Quanto mais rica a classe operária, mais semelhante à classe dominante e mais dominadora ela própria dos seus semelhantes que tenham a desgraça de trabalhar para eles. O operariado imita estes comportamentos; os sindicatos têm formado escolas para crianças e adultos, as suas reivindicações passam por salas de leitura, clubes, música e outros bens que, no Século XIX, eram apenas atributo das classes ociosas, como Marx as denominou e Veblen usou como conceito, para entender o outro lado da moeda: não há classe operária se não houver classe proprietária.
Quanto ao investimento dentro de toda esta análise, ele é também exercido pelo operariado. O que se define por produtividade, hoje em dia, não é apenas a força de trabalho, bem como o funcionamento em empresa privada ou, ainda melhor, individual e autónoma. O conceito que Durkheim mais contestara, era esse do individualismo, usado pela primeira vez nas declarações de Independência referidas, nos Direitos do Cidadão da Revolução francesa, e pelo liberalismo que consegue pôr ordem no caos da passagem da servidão à livre empresa, com operários a lutarem com os seus sindicatos, até abandonarem os mesmos para ter a sua indústria. A individualidade definida por Milton Friedman e a escolha livre, são parte da vida actual, reformulados os conceitos, ou amplificados os conceitos de classe social, tal e qual Veblen analisa nos seus vários livros e Anthony Giddens no de 1998, sobre a social-democracia. Giddens é capaz de ver que o mundo da Social-democracia avança para o sonho de Durkheim e Mauss, de todos sermos iguais sem luta de classes nem guerras nem revoluções.
Não queria dizer com isto, que o conceito de exploração institucionalizada, usado por Thorstein Veblen, me tenha arrebatado o julgamento da realidade. A luta de classes é uma realidade, apenas que os membros das classes mudaram, como acontece normalmente na História. A Aristocracia Bourbon em França muda para o Bonapartismo, que consiste afinal na compra de títulos de Conde, Duque ou outros. Veblen diz claramente: “The constituency of the leisure class is kept up by a continual selective process, whereby the individuals and lines of descent that are eminently fitted for an aggressive pecuniary competition are withdrawn from the lower classes. In order to reach the upper levels the aspirant must have, not only a faire average complement of the pecuniary aptitudes, but he must have these gifts in such an eminent degree as to overcome very material difficulties that stand in the way of his ascent. Barring accidents, the nouveaux arrivés are a picked body… a process that has always been going on ever since the institution of the leisure class was first installed…”
De facto, Karl Marx tem razão quando diz que as relações de capital vão destruir o mundo, por se querer ser dos nouvaux arrivés, análise que apenas faz no seu texto de 1847, The poverty of philosophy. De resto, Marx tem os dados certos para explicar a luta de classes e Veblen usa esses dados apenas para analisar as mudanças de indivíduos dentro dos mesmos papéis sociais de exploração institucionalizada, conceito que enriquece a análise materialista dialéctica.
o que o Année Sociologique procurava: a teoria do valor. Esta, através da análise da teoria liberal da economia, não do utilitarismo, como referido por Marcel Mauss ao falar da economia de troca-dádiva, como diferente da economia utilitarista .
Diz Mauss no texto referido: “Vimos repetidamente quanto esta economia de troca-dádiva estava longe de entrar nos quadros da economia supostamente natural do utilitarismo” A definição de sociologia económica usada por Marcel Mauss, é apenas uma introdução à matéria, no Prefácio da Secção Quinta da Année Sociologique em referência.
É conceptual a questão levantada neste parágrafo. Quer Mauss no seu Essai sur le don, quer Durkheim na sua tese de doutoramento de 1893, publicada nesse mesmo ano, sob o título De la division du travail social, debatem o conceito que orientava a vida social e económica, o princípio ético de utilidade, que já na Ética a Nicomaco, Aristóteles tinha avançado , e é mais tarde usada por Jeremy Bentham e por John Stuart Mill . A questão é simples e mais filosófica e de princípios morais, que de economia, como fiz referência no Capitulo I, nº 3 deste texto. Na base da ideia de ser gentil, civilizado, aberto e debater as ideias, retirando-as da prática, mas elaborando ideias a partir do seu confronto com teorias prévias, Aristóteles organiza um sistema de pensamento, reflectido não apenas na Ética a Nicómaco, bem como em toda a sua obra: Economia ou interacção do lar com a vida pública, Política ou conselhos para o bom governo do povo, Metafisica ou de como as ideias são formadas.
É destes textos, que, no fim da época denominada liberal, quando a História traz outra vez formas de Governo Imperial e Aristocrata; quando a declaração dos Direitos do Homem começa a ficar esquecida, pelo objectivo do lucro que todo o indivíduo procura, que a Economia passa a ser uma forma de vida que Bentham resume numa frase, no seu livro já citado: “By the principle [or foundation, or approbation, or feelings, a minha interpolação] of utility, is meant that principle which aproves or disapproves of every action wahtsoever, according to the tendency which it appears to have to augment or diminish the happiness of the party whose interest is in question. Or to promote or to oppose that happiness. I say of every action whatsoever; and therefore not only of every action of a private individual, but of every measure of government. By utility is meant the property of any object, whereby it tends to produce benefit, advantage, pleasure, good, or happiness…or to prevent the happening of mischief, pain, evil, or unhappiness to the party whose interest is considered…”
Acrescenta John Stuart Mill que a felicidade pode ser apreciada nas obras das pessoas, que as pessoas felizes produzem obras boas e as infelizes, obras más. A lógica a ser usada é empírica e é desse empirismo que deriva a ideia central da Economia. O que nem Durkheim nem Mauss parecem entender. Eles discutem as ideias económicas de Stuart Mill e lutam contra as ideias utilitárias, por terem percebido que não há felicidade nos seres humanos por causa da diferença social: há os patrões e há os operários, duas classes opostas. Opostas, por serem os primeiros proprietários das tecnologias reprodutivas e produtivas, os segundos por viverem de um salário raro e pobre.
As ideias económicas de Stuart Mill estão expressas no seu texto de 1848 . Distingue entre a produção e a distribuição das riquezas; a distribuição tem duas formas: a propriedade privada e a propriedade comum, desiquilibradas, por haver mais propriedade privada que comum, e pelo comportamento concorrencial dos indivíduos: “É duvidoso que todas as intervenções mecânicas feitas até hoje tenham diminuído a fadiga quotidiana de um único ser humano. Permitiram a um maior número de homens levar a mesma vida de reclusão e de trabalhos penosos e a um maior número de manufactureiros e outros fazer grandes fortunas; mas elas não começaram ainda a operar no destino da humanidade as grandes mudanças que está na sua natureza realizar” .
O que debate é um modo de vida e na altura das revoluções que se seguiram a dois factos determinantes: a Revolução Francesa, cuja estabilidade apenas foi conseguida em 1870; e a implantação das ideias liberais na Grã-Bretanha, terra do nosso autor. Em desespero, como humanista, defende a igualdade das mulheres perante os homens e advoga pelo controle dos nascimentos, para melhorar o nível de vida da população. Stuart Mill acolhe o debate de três autores: Sismonde de Sismondi, James Mill e Karl Marx .
Karl Marx, que escreve especialmente o seu Prefácio à Crítica da Economia Política – único texto das Grundrisse a aparecer durante a vida de Marx no seu livro O Capital, Volume I, contradiz Stuart Mill, apenas porque diz para um público mais amplo: “My investigation led me to the result that legal relations as well as forms of State are to be grasped neither from themselves nor for the so-called general development of the human mind, but rather have their roots in the materials conditions of life, the sum total of which Hegel, following the examples of the Englishmen and Frenchmen of the eighteenth century, combines under the name of “civil society”…the anatomy of civil society is to be sought in political economy: …in the social production of their life, men enter into definite relations that are indispensable and independent of their will, relations of production which correspond which correspond to a definite stage of development of their material productive forces. The sum total of these relations of production, constitutes the economic structures of society, the real foundation, on which rises a legal and political superstructure and to which corresponds definite forms of social consciousness…It is not the consciousness of men that determines their being, but, on the contrary, their social being that determines their consciousness… [until] a social revolution begins” .
A boa vontade não é suficiente para viver, nem as causas cívicas a que dedicava o seu tempo e ideias o autor em questão. Na época de Stuart Mill a assistência aos pobres ao domicílio foi revogada em 1834, as leis do trigo passaram do controlo estatal de impostos previsto por David Ricardo em 1818, ao livre comércio em 1844 e revogadas em 1846, as novas terras para produzir foram abertas à concorrência, o que eleva o custo da subsistência, na medida em que a população cresce sem ter outros meios de trabalho ou salários que condicentes com os preços dos bens rurais, classificados por Ricardo em terras de primeira qualidade, segunda e terceira, conforme a sua proximidade ao mercado e o potencial de criação de postos de trabalho ou lugares para obter um salário. Em consequência, as formas de pensar a economia não podiam já ser morais, a vida desses seres humanos estava em perigo, a fome existia e foi a época mais pobre da História da Europa. O programa da economia liberal tencionava desenvolver ideias de produção e de empresa, de capital acumulado para e pelas pessoas. Não é em vão que Marx, perante estes factos e perante as leituras das leis e das teorias, escreve que são as condições de vida que determinam a consciência do ser humano. Normalmente, as ideias de um Bentham ou de um Stuart Mill eram uma forma de vida reflectida nas obras feitas pelas pessoas. Aliás, havia toda uma ideologia religiosa que já foi invocada, e que pode ser sintetizada pela frase evangélica de que “pelas vossas obras sereis conhecidos”. Marx, na sua educação como Rabino e na sua intervenção na questão judaica da França de 1849, entendeu que os seres humanos tinham sérias limitações materiais para poderem viver e que a prometida liberdade que as máquinas tinham trazido ao trabalho, não existia por causa da propriedade privada das mesmas. Os Utilitaristas tentaram fazer da denominada Lei Natural, uma teoria económica. Essa lei natural era a capacidade para trabalhar e para enriquecer, desde que se pensasse de forma pragmática. Pragmatismo impossível pelas bases dos seus princípios: a propriedade privada dos bens de produção, a apropriação privada do resultado do trabalho de outros seres humanos pelos poucos que, como Stuart Mill diz muito bem na citação anterior, passam para a nova era como donos da indústria que nasce.
O operariado estava em revolta, as manifestações e as greves eram alargadas, não apenas na Grã-Bretanha, como em todo o mundo industrial. As leis de repressão e de encarceramento eram uma nova criação dos Estados e Nações que detinham o poder nas suas mãos. Aliás, como é possível analisar pelos historiadores, as classes dominantes eram as classes proprietárias, e de entre esses proprietários, se escolhia um Governo através do voto nas urnas. Não é em vão que o próprio Stuart Mill começa a militar no partido de Owen, o sindicalista inglês que, como sabemos dos capítulos anteriores, organizou a resistência ao capital e à classe proprietária, ao qual aderiu Stuart Mill. Marx tinha escrito textos sobre o desenvolvimento da pobreza por causa da indústria, no seu Manifesto Comunista, e é a partir daí que Stuart Mill escreve a citação extensa que fiz antes: é a declaração do socialismo inglês, uma manifestação distante das primeiras ideias do Utilitarismo que ele produzira em escritos anteriores, já citados. No seu texto de 1848, acrescenta que a exportação de capitais para trabalhar e produzir em sítios mais baratos, bem como a importação de géneros estrangeiros para manufacturar na Grã-Bretanha, levaria a descer a taxa de lucro dos capitalistas que estavam a causar a pobreza da Nação. E diz, em síntese, de que “o melhor estado para a natureza humana é aquele em que ninguém é rico, ninguém aspira a tornar-se mais rico e não teme ser derrubado pelos esforços que os outros fazem para se precipitarem para diante” . Por outras palavras, estas são ideias de um bom samaritano, que não tem mais do que o seu saber filosófico, moral ou ético, para entender uma realidade que não investiga, como fazem Marx e Durkheim. A cura social para a indução/dedução das ideias acaba por não ser a forma de remediar a acumulação de bens em poucas mãos, facto reconhecido na citação anterior. A escola liberal triunfa na economia e na política, e é contra este tipo de factos, que Durkheim e Mauss se agitam. Especialmente, pela ideia de maximização ou Homo Economicus que define o padrão social do comportamento dos indivíduos e os seus grupos. Não é em vão que Durkheim escreve o texto de 1890:”Propriété social et démocratie” : “La propriété individuelle ne se recommande pas seulement par de raisons d’intérêt bien entendu; elle a as base rationnelle…Mais une propriété absolue, sens réserve et sens restriction, ne se trouve pas pour cela justifiée; car, avec nos seules forces, nous ne pouvons rien créer…. Ainsi, dan toute propriété, outre le part de l’individu, il y a celle de la nature et celle de la nation. L’économie orthodoxe a le tort de méconnaître cette collaboration….Comment pourrait-il [l’État] adapter la production aux mille nuances de la demande ? …La puissance politique constitue une sorte de fonds social, dont il faut régler la répartition… La société est composée des individus libres : le suffrage universel permet la vie en commun, sans toucher à cette liberté. La société est une association. Mais, ce l’État qui doit prendre soin de l’individu qui appartient a une société organique…Le socialisme lui aussi sera volontaire et conscient ”
Neste texto Durkheim debate entre a iniciativa individual e a iniciativa de grupo, entre o individualismo, que sempre criticou, contra um possível socialismo que estruture a sociedade como um processo absoluto comandado pelo Estado. Vive-se a época republicana na França de Durkheim, que é prévia à sua leitura de Marx e dos socialistas utópicos, que apenas lê a seguir à sua viagem à Alemanha, em 1888. O que me interessa em todo este debate e citações, é estabelecer que a sociologia económica nasce a partir de um contexto sem conceitos nem decisões bem estabelecidas. O mundo social acaba de sair de uma estrutura histórica de servidão, da qual não está ainda muito certo, enquanto Continente, de se ter libertado. É um Continente que não apenas ainda tem Colónias, usadas para produzir as matérias-primas (como recomenda Stuart Mill), bem como um Continente com experiências diversas. Na França, a Revolução tinha acontecido antes e depois da data da sua comemoração. Durkheim, Marx, Stuart Mill, sabem das revoltas de 1848 por todo o continente, das unificações de países, do “arrecadar” para a indústria dos seres humanos denominados cidadãos, com direito a voto, governar e escolher os seus governantes.
A Sociologia Económica tem um começo polémico, de luta de classes, como Marx e Durkheim analisam, da desigualdade dos seres humanos perante a lei, por causa das riquezas ou da falta das mesmas. Um Continente que vive uma ideia, a da libertação dos proprietários, não apenas das suas terras, bem como das suas pessoas.
A Sociologia Económica nasce para se entender uma anedota: qual é agora, a hierarquia social? Esta parece residir no que já denominei de lógica de maximização ou de Homo Economicus. Porque o debate dos sociólogos é com os economistas que apenas entendem de fórmulas para progredir no lucro, para concentrar uma relação social baseada no capital – i.e., a propriedade concentrada dos meios de produção nas mãos do pequeno grupo que refere Stuart Mill, os poderosos do seu País e partilhá-los, na base da lei, como Durkheim argumenta em La division du travail social, com os citoyens criados pela declaração já referida no Capítulo 1.
O contrato e a lei, pareciam ser a base da igualdade, mas, e a lógica, para a definir? Vamos analisar esse conceito de maximização como segundo ponto, para, a seguir, analisar as ideias sociológicas sobre a estrutura social.
2. Maximizar ou Homo Economicus.
É a ideia que analisam, em primeiro lugar, mas com reticências, autores como Thorstein Veblen e Talcott Parsons , e, de forma mais aprofundada, os teóricos Max Weber e Pierre Bourdieu , entre outros, bem como a reacção de Émile Durkheim e Marcel Mauss.
A teoria liberal tinha conseguido, com a liberalização dos mercados e com a não intervenção do Estado em matéria de fluxo de mercadorias, que a população tivesse que se defender da livre empresa que procurava compradores para colocar os seus produtos. A livre empresa, ou o livre mercado, consiste em fixar preços na base dos custos antecipados pelo proprietário do dinheiro (ou investidor), que permitam recuperar o investimento e, além do mais, lucrar. Lucrar, ou ganhar dinheiro com o dinheiro investido. É o dinheiro investido que se tenta recuperar, ganhando de permeio um valor semelhante ao investido e recuperado, para lucrar. É o que Marx denomina como a Mais-Valia ou valor a mais, ou valor acrescentado . Não é apenas o investimento, bem como as horas extras de trabalho do denominado capital variável ou operariado, que deve estar sempre presente e disponível para transformar as matérias em bens a colocar no mercado. Todo o investidor para lucrar, ou pelo menos, para vender os bens que fabrica, faz o que se denomina uma prospecção do mercado, tentando saber qual é o bem mais necessário e de que maneira é procurado, para satisfazer o capital fixo ou dinheiro adiantado em moeda, tecnologia, edifícios, matéria-prima ou não convertida em bem para oferecer. As leis formuladas por Adam Smith funcionam de forma perfeita num sistema de livre mercado, dentro do qual há pessoas que não conseguem criar todos os bens que precisam para o seu uso e devem adquirir ou comprar outros bens de uso que passam assim a ser bens de troca ou de intercâmbio.
A lógica do liberalismo baseia-se no facto da divisão do trabalho ocupar todo e cada um membro do grupo social, indivíduos sempre ocupados a trabalhar na confecção de um bem, sem terem tempo para dedicar horas do seu dia de trabalho, à confecção de bens de uso ou bens que precisam para a sua subsistência. É o denominado bem de consumo , que, uma vez usado, desaparece e deve ser substituído, mais e mais uma vez, por bens semelhantes. O exemplo mais típico é a alimentação; outro, o vestuário; outro ainda o abrigo ou agasalho de uma casa ou lar. Se pensarmos nos tempos actuais, os investidores estão muito atentos, de olhos abertos, para ver como criar uma necessidade para passar a ser esta nova procura, como organizar mais uma forma de vender produtos.
O exemplo mais característico e vulgar, é o do uso dos telefones móveis ou telemóveis, como são denominados. Adam Smith não estava nada perdido no dia que escreveu o seu livro e distinguia entre dois conceitos: needs e wants. Um need ou necessidade, é o conceito que exprime tudo o que não fazemos, mas é necessário para nós sobrevivermos (é, gostaria de dizer, para nós sermos entidades sociais semelhantes às outras ou seres humanos que usamos os mesmos bens). O liberalismo desenvolveu uma concorrência forte entre todas as pessoas, quase como o que acontece entre os gestores de fábricas, indústrias, produtores em geral, ou investidores. A necessidade de colocar o produto no mercado, acaba por ser o incentivo para a propaganda, para a transformação de bens naturais em bens de mercado ao mais baixo investimento possível, em consequência, com um preço mais económico para quem o adquire. O mesmo tipo de bem, pode ter diferentes preços decorrendo dos materiais empregues e da mão-de-obra utilizada; um colar de pérolas, é um need social, ou, como é também definido, um bem de luxo. Este bem de luxo é concorrencial, ajuda a vender a pessoa que o usa, a ser objecto de atenção social, a impor nos que a rodeiam um respeito que pode ou não condizer com o valor dos bens que fabrica, inventa ou cria.
Exemplos típicos são também os perfumes e a moda: a forma extravagante de viver e de vestir de Coco Channel, fez dela uma empresária a criar um need no meio das pessoas que, tenham a capacidade económica ou não, possam ou não (aqui há que ressalvar essa outra estratégia de oferta e procura que passa pela contrafacção), é dizer, tenham ou não a “estética necessária” para usar perfume ou roupa Channel, acabam por ser consideradas como seres de valor social. Estamos aí no domínio do que se denomina “a moda”, formas de agir às quais é dedicada publicidade, respeito, hierarquia social, a passar sempre à frente dos outros. Por outras palavras, os indivíduos devem, conforme a legislação actual em Portugal e a maneira liberal de Smith, fazer a sua própria empresa: a própria pessoa ou empresário em nome individual, a quem se solicita produtividade, sem mais. Uma necessidade existe no meio social, quando é para ser consumida. Mas, a denominada Lei de Mercado, vai criando outras tão importantes, que até podem passar sem procurar o que é preciso para a sua subsistência, para poder brilhar entre os parentes, vizinhos e amigos, ou ainda, na relação patrão-operário: um operário bem alimentado, bem vestido, como maneiras eruditas de falar para o seu nível, em conjunto com a sua destreza para fabricar o bem de mercado para o qual é requerido e alugado – os seres humanos têm também um mercado, do qual se está consciente. Exemplo de escravatura no seu tempo, brutal ou não, é o que define este mercado de seres humanos: às vezes não é necessário saber, as vezes é necessário ser visto como um ser humano que sabe dominar as suas emoções e pode agir conforme a sua racionalidade. Há necessidades primárias e necessidades criadas pelo mercado. Uma das quais, é a de nunca causar conflitos ou falar dos seus problemas: a lei de mercado impõe silêncio entre os seres humanos.
Assim, podemos falar de um want, esse outro conceito de Adam Smith, que passou para a posteridade como o que eu desejo adquirir além das minhas necessidades. Um want é importante para o investidor, por permitir definir o possível investimento que uma pessoa faz dentro dos seus recursos. Want é desejar bens sem os quais podemos sobreviver. Um need é parte das vendas do ser humano no mercado. Um want é um querer consumir, para o qual o mercado deve estar mais do que atento, à espera do satisfazer porque é aí onde faz o seu investimento e o seu lucro. É aí onde começamos a lidar com o conceito de maximizar ou optimizar as nossas possibilidades económicas. Adam Smith fala de want, usando o conceito need como uma forma de exprimir ou exteriorizar o seu discurso. Para ele, há o que deseja a Raça Humana, a extensão do fenómeno para poder investir no mesmo, e para poder medir qual a extensão do fenómeno de querer ou desejar, para calcular o tipo de pessoas a serem alugadas por um salário, quantos, quando e onde. No texto, o autor define want como um need humano que, ao ser satisfeito, traz lucros ao mercado. E diz: “after food, clothing and lodging are the two great wants of mankind” .
Mas, não é apenas o que tenho citado em nota de rodapé que é importante saber, para configurar a defesa que faz o Homo Economicus na criação de uma lógica para se defender de um mercado que o persegue de forma impiedosa para satisfazer a sua urgência de vender e recuperar os investimentos. Para o Mercado, o ser humano não é pessoa, é apenas um potencial comprador ou consumidor de bens produzidos por outros, ou um potencial indutor de ideias de consumo espalhadas e criadas pelo mercado. “In that rude state of society in which there is no division of labour, in which exchanges are very seldom made, and in which every man provides everything for himself, it is not necessary that any stock [reserva, provimento] should me accumulated or stored up beforehand, in order to carry on the business of society [reservado, previsto]. Every man endeavours to supply by his own industry his own occasional wants as they may occur. When he is hungry, he goes to the forest to hunt; when his coat or worn out, he clothes himself with the skin of the fist large animal he kills…But when the division of labour has once been thoroughly introduced, the produce of man ‘s own labour can supply but a very small part of his occasional wants. The far greatest parts of them are supplied by the produce of other men’s labour, which he purchases with the produce, or, what is the same thing, with the price of the produce of his own” . Mais esta comprida citação que se deve ao facto do autor remeter o que se deseja ou se quer, para um estado de comércio, ao comparar as formas de intercâmbio com as que pensava existirem quando a actividade era de auto-suficiência ou, talvez, de permuta. Este facto por ele delineado, esquece que na divisão do trabalho, como Durkheim depois rebate, tem valor social, ou seja, não existe apenas para dinamizar a capacidade produtiva dos seres humanos, objectivo do trabalho de Adam Smith, bem como para criar justiça entre seres humanos que vivem dentro de uma estrutura com processos de solidariedade orgânica, em grupos. De forma que cabe a Durkheim comentar a ideia de Karl Marx, expressa no Capital, Vol. I e antes, no Manifesto Comunista: “A chacun selon ses œuvres” devia ser, para sermos justos, diz Durkheim, “a chacun selon son mérites” , é dizer, conforme o valor de cada pessoa e não uma forma absolutista de não medir o mérito. É o que Durkheim mais tarde iria denominar de “Socialismo Absolutista” .
O que interessa, por agora, é a lógica derivada do liberalismo e de como o criador da Economia Clássica, define os seres humanos como operários, sem reparar que ao falar de Divisão do Trabalho e dizer que as pessoas podem, com o seu dinheiro, comprar a outros aquilo que for preciso, esquece o que define em outros Capítulos do seu livro, isto é, que os seres humanos vivem em divisão de trabalho, conforme as indústrias, manufacturas e empresas nas quais trabalhem, e que ou trabalham no campo ou na cidade. Aliás, prevenindo a falta de riqueza pessoal, fala da Commonwealth, ou o fundo de reservas que pode apoiar os que não tenham dinheiro. A maior parte do livro é dedicada a esta política de formar um fundo comum, ou, como denomina The revenue of the sovereign, bem como ao comércio e às Colónias. Não há impostos em causa, apenas toda uma argumentação sobre a gestão livre e autónoma das formas de produção.
É evidente, como já referi, que esta produção tem por resultado uma forma de pensamento que é bem simples de lembrar: todo ser humano precisa de observar com todo cuidado os preços dos produtos que necessita, distinguir entre o que deseja mas pode dispensar, e resolver se gasta ou não a sua moeda. É o mesmo tipo de julgamento que faz o investidor, antes de decidir qual o ramo de actividade para produzir e vender. É este comportamento dos proprietários que é imitado, conscientemente ou não, pela população. A estrutura social, a hierarquia, o objeto sociológico da ciência, é o comportamento social conforme as formas de pensar de forma económica.
Economizar (economizing), é um conceito cunhado pela atitude dos produtores e os seus trabalhadores. Não é em vão que Talccott Parsons e Neill Smelser dizem: “…the economics aspects of society which are principally distinguished by their maximising of available means to want-satisfactions…” Todo o indivíduo, porque é de indivíduos a pensar do que se trata em Sociologia Económica, vê-se confrontado com a necessidade de comprar, por lhe faltar tempo para criar bens necessários para a sua subsistência. O ordenado ou salário com que é pago, é pouco em relação à imensidão de recursos que deve consumir. O mercado conta já com esta ideia, joga com ela e usa-a para o seu próprio proveito.
Maximizar ou optimizar, como diz Karl Marx no Capital, é, para as pessoas de escassos recursos, que precisam de usar a sua lógica para reparar no bem que procuram, e procurar adquiri-lo onde ele é mais barato, ou alternativamente, não o adquirir, ou, ainda, pela venda ética da sua estética. De facto, a produção de valores de uso está subordinada à produção de valores de câmbio, orientada pelo proprietário, que por sua vez, se orienta pelo mercado. A lógica do consumidor, a maior parte da população de uma Nação, deve usar estratégias para poder consumir ou gastar o seu dinheiro. A lógica do mercado foi criada pelas empresas e para empresários, entendendo-se que cada indivíduo seria uma empresa individual ou a este comportamento ficar obrigado. Foi assim que tratei deste assunto em dois textos meus, ao falar in extensi das estratégias para maximizar . A explicação é dada por Polanyi: “The last two centuries produced in Western Europe and North America an organization of man’s livelihood to which the rules of choice happened to be singularly applicable. This form of the economy consisted in a price-making markets…” . A formação dos preços resulta da falta de proteccionismo estatal e da liberalização do intercâmbio: quem vende mais barato um bom produto, ganha e lucra e atrai uma clientela importante, formando-se uma corrente de opinião favorável à empresa que assim lucra. A produção dos bens é o que interessa, não a sua circulação. Smith concentra-se na circulação, ignorando a produção, pelo que define valor de um bem como o preço que adquire um produto pela quantidade de trabalho investido na produção, especialmente se a divisão do trabalho para elaborar esse bem, é de grandes proporções e envolve muitas pessoas. Teoria refutada por David Ricardo e Karl Marx.
Entretanto, é preciso saber o que diz Thorstein Veblen , em relação a esta temática, tal e qual já foi analisado no Capítulo I. Sobre a realidade capitalista, Veblen diz calmamente: “All classes are in a measure engaged in the pecuniary struggle, and in all classes the possession of the pecuniary traits counts towards the success abd survival of the individual. Wherever the pecuniary culture prevails, the selective process by which men’s habits of thought are shaped, and by which the survival of rival lines of descent is decided, proceeds proximately on the basis of fitness for acquisition. Consequently, if it were not for the fact that pecuniary efficiency is on the whole incompatible with industrial efficiency, the selective action of all occupations would tend to the unmitigated dominance of the pecuniary temperament. The result would be the installation of what has been known as «economic man», as the normal and definitive type of human nature. But the «economic man», whose only interest is the self-regarding one and whose only human trait is prudence, is useless for the purpose of modern industry” . Para Tholstein a exploração dos seres humanos está institucionalizada no consumo conspícuo ou notável para além do investimento em produção. A classe possidente tem tempo livre para poder ditar o que tem valor, definir as normas de urbanidade, classificar os seres humanos pelo tempo empregue, através de gerações, na educação da sua família em recreações que o libertam da opressão causada pelo trabalho industrial. Ao longo do seu livro, este autor faz uma análise dura e déspota dos senhores do mundo. Ou, por outras palavras, analisa o que Adam Smith e Karl Marx não tiveram tempo de fazer: o primeiro ocupado com a sua ideia de construção de uma teoria económica organizadora dos investimentos e dinamizadora da produtividade dos seres humanos, pobres ou ricos; o segundo, em defender a classe social mais despojada de bens, é dizer, os proletários, para o que dedica o seu tempo ao estudo dos investimentos de capital e compara épocas históricas. Veblen tem tempo suficiente para analisar o investimento do tempo de ócio da classe social que têm para si os meios de produção. Porque, não é possível pensar apenas na mais-valia, quando se pensa na classe dominante. A classe dominante tem outros meios para exercer essa dominação e eles residem nos gostos, nas formalidades, nas formas de usar o corpo, os usos das alianças matrimoniais, as formas de ocupar o tempo e de estabelecer, por exemplo, como deve ser um corpo de mulher.
Veblen analisa ainda o uso da religião como uma maneira de estabelecer formas de vida e fala das formas austeras de vida que estes cânones de vida impõem nas pessoas. Diz: “If any element of comfort is admitted in the fittings of the sanctuary, it should at least be scrupulously screened and masked under ostensibly austerity. In the most reputable latter-day houses of worship, where not expense is spared, the principle of austerity is carried to the length of making the fittings of the place a means of mortifying the flesh, specially in appearance…This canon of devout austerity is based on the pecuniary reputability of conspicuously wasteful consumption, backed by the principle that vicarious consumption should conspicuously not conduce to the comfort of the vicarious consumer” .
O consumo excêntrico analisado por Veblen, faz pensar nos elementos que são usados pelas classes exploradoras e reproduzidos pelas classes exploradas, que desejam ou manter o seu trabalho ou pensar-se a si próprios como parte desse grupo, ao qual apenas têm acesso pelo trabalho e pelo salário. No entanto, e como Max Weber analisa no seu Capítulo IX do texto referido, há formas de dominar com estrutura e funcionamento a partir do Governo, que passam pelo recato nas formas de viver e pela austeridade, acabando por ser exemplos de estratégias de poupança. “Poupança” que reverte em favor do proprietário ou da classe com tempo livre, por não ter que gastar em ordenados ou salários que compensem o trabalho ou a escolha de gosto e de alimentos que os proprietários usam. É como se estivéssemos a visitar o livro do Conde de Lampedusa , O Leopardo, na época da reunificação italiana, quando diz que tudo deve mudar para que tudo continue a ser o mesmo.
De facto, uma vista de olhos à sociedade actual, denominada globalizada, faz pensar que a análise evolutiva das classes sociais, usada de forma dialéctica por Marx e por Veblen, é uma realidade. A Sociologia Económica exibe-nos grupos sociais a usarem valores antigamente dedicados ao uso e a poupança reservada para o uso, caso um dia os valores faltassem, hoje em dia transformados em moeda de troca, de intercâmbio, utilizada para viajar, comprar os melhores instrumentos electrónicos, seleccionar uma biblioteca nunca lida mas sim exibida para, como dizemos em Portugal, “inglês ver”. As classes assalariadas passaram ao gasto sumptuário ou conspícuo, como analisado por Veblen no seu tempo. Quanto mais rica a classe operária, mais semelhante à classe dominante e mais dominadora ela própria dos seus semelhantes que tenham a desgraça de trabalhar para eles. O operariado imita estes comportamentos; os sindicatos têm formado escolas para crianças e adultos, as suas reivindicações passam por salas de leitura, clubes, música e outros bens que, no Século XIX, eram apenas atributo das classes ociosas, como Marx as denominou e Veblen usou como conceito, para entender o outro lado da moeda: não há classe operária se não houver classe proprietária.
Quanto ao investimento dentro de toda esta análise, ele é também exercido pelo operariado. O que se define por produtividade, hoje em dia, não é apenas a força de trabalho, bem como o funcionamento em empresa privada ou, ainda melhor, individual e autónoma. O conceito que Durkheim mais contestara, era esse do individualismo, usado pela primeira vez nas declarações de Independência referidas, nos Direitos do Cidadão da Revolução francesa, e pelo liberalismo que consegue pôr ordem no caos da passagem da servidão à livre empresa, com operários a lutarem com os seus sindicatos, até abandonarem os mesmos para ter a sua indústria. A individualidade definida por Milton Friedman e a escolha livre, são parte da vida actual, reformulados os conceitos, ou amplificados os conceitos de classe social, tal e qual Veblen analisa nos seus vários livros e Anthony Giddens no de 1998, sobre a social-democracia. Giddens é capaz de ver que o mundo da Social-democracia avança para o sonho de Durkheim e Mauss, de todos sermos iguais sem luta de classes nem guerras nem revoluções.
Não queria dizer com isto, que o conceito de exploração institucionalizada, usado por Thorstein Veblen, me tenha arrebatado o julgamento da realidade. A luta de classes é uma realidade, apenas que os membros das classes mudaram, como acontece normalmente na História. A Aristocracia Bourbon em França muda para o Bonapartismo, que consiste afinal na compra de títulos de Conde, Duque ou outros. Veblen diz claramente: “The constituency of the leisure class is kept up by a continual selective process, whereby the individuals and lines of descent that are eminently fitted for an aggressive pecuniary competition are withdrawn from the lower classes. In order to reach the upper levels the aspirant must have, not only a faire average complement of the pecuniary aptitudes, but he must have these gifts in such an eminent degree as to overcome very material difficulties that stand in the way of his ascent. Barring accidents, the nouveaux arrivés are a picked body… a process that has always been going on ever since the institution of the leisure class was first installed…”
De facto, Karl Marx tem razão quando diz que as relações de capital vão destruir o mundo, por se querer ser dos nouvaux arrivés, análise que apenas faz no seu texto de 1847, The poverty of philosophy. De resto, Marx tem os dados certos para explicar a luta de classes e Veblen usa esses dados apenas para analisar as mudanças de indivíduos dentro dos mesmos papéis sociais de exploração institucionalizada, conceito que enriquece a análise materialista dialéctica.
o que o Année Sociologique procurava: a teoria do valor. Esta, através da análise da teoria liberal da economia, não do utilitarismo, como referido por Marcel Mauss ao falar da economia de troca-dádiva, como diferente da economia utilitarista .
Diz Mauss no texto referido: “Vimos repetidamente quanto esta economia de troca-dádiva estava longe de entrar nos quadros da economia supostamente natural do utilitarismo” A definição de sociologia económica usada por Marcel Mauss, é apenas uma introdução à matéria, no Prefácio da Secção Quinta da Année Sociologique em referência.
É conceptual a questão levantada neste parágrafo. Quer Mauss no seu Essai sur le don, quer Durkheim na sua tese de doutoramento de 1893, publicada nesse mesmo ano, sob o título De la division du travail social, debatem o conceito que orientava a vida social e económica, o princípio ético de utilidade, que já na Ética a Nicomaco, Aristóteles tinha avançado , e é mais tarde usada por Jeremy Bentham e por John Stuart Mill . A questão é simples e mais filosófica e de princípios morais, que de economia, como fiz referência no Capitulo I, nº 3 deste texto. Na base da ideia de ser gentil, civilizado, aberto e debater as ideias, retirando-as da prática, mas elaborando ideias a partir do seu confronto com teorias prévias, Aristóteles organiza um sistema de pensamento, reflectido não apenas na Ética a Nicómaco, bem como em toda a sua obra: Economia ou interacção do lar com a vida pública, Política ou conselhos para o bom governo do povo, Metafisica ou de como as ideias são formadas.
É destes textos, que, no fim da época denominada liberal, quando a História traz outra vez formas de Governo Imperial e Aristocrata; quando a declaração dos Direitos do Homem começa a ficar esquecida, pelo objectivo do lucro que todo o indivíduo procura, que a Economia passa a ser uma forma de vida que Bentham resume numa frase, no seu livro já citado: “By the principle [or foundation, or approbation, or feelings, a minha interpolação] of utility, is meant that principle which aproves or disapproves of every action wahtsoever, according to the tendency which it appears to have to augment or diminish the happiness of the party whose interest is in question. Or to promote or to oppose that happiness. I say of every action whatsoever; and therefore not only of every action of a private individual, but of every measure of government. By utility is meant the property of any object, whereby it tends to produce benefit, advantage, pleasure, good, or happiness…or to prevent the happening of mischief, pain, evil, or unhappiness to the party whose interest is considered…”
Acrescenta John Stuart Mill que a felicidade pode ser apreciada nas obras das pessoas, que as pessoas felizes produzem obras boas e as infelizes, obras más. A lógica a ser usada é empírica e é desse empirismo que deriva a ideia central da Economia. O que nem Durkheim nem Mauss parecem entender. Eles discutem as ideias económicas de Stuart Mill e lutam contra as ideias utilitárias, por terem percebido que não há felicidade nos seres humanos por causa da diferença social: há os patrões e há os operários, duas classes opostas. Opostas, por serem os primeiros proprietários das tecnologias reprodutivas e produtivas, os segundos por viverem de um salário raro e pobre.
As ideias económicas de Stuart Mill estão expressas no seu texto de 1848 . Distingue entre a produção e a distribuição das riquezas; a distribuição tem duas formas: a propriedade privada e a propriedade comum, desiquilibradas, por haver mais propriedade privada que comum, e pelo comportamento concorrencial dos indivíduos: “É duvidoso que todas as intervenções mecânicas feitas até hoje tenham diminuído a fadiga quotidiana de um único ser humano. Permitiram a um maior número de homens levar a mesma vida de reclusão e de trabalhos penosos e a um maior número de manufactureiros e outros fazer grandes fortunas; mas elas não começaram ainda a operar no destino da humanidade as grandes mudanças que está na sua natureza realizar” .
O que debate é um modo de vida e na altura das revoluções que se seguiram a dois factos determinantes: a Revolução Francesa, cuja estabilidade apenas foi conseguida em 1870; e a implantação das ideias liberais na Grã-Bretanha, terra do nosso autor. Em desespero, como humanista, defende a igualdade das mulheres perante os homens e advoga pelo controle dos nascimentos, para melhorar o nível de vida da população. Stuart Mill acolhe o debate de três autores: Sismonde de Sismondi, James Mill e Karl Marx .
Karl Marx, que escreve especialmente o seu Prefácio à Crítica da Economia Política – único texto das Grundrisse a aparecer durante a vida de Marx no seu livro O Capital, Volume I, contradiz Stuart Mill, apenas porque diz para um público mais amplo: “My investigation led me to the result that legal relations as well as forms of State are to be grasped neither from themselves nor for the so-called general development of the human mind, but rather have their roots in the materials conditions of life, the sum total of which Hegel, following the examples of the Englishmen and Frenchmen of the eighteenth century, combines under the name of “civil society”…the anatomy of civil society is to be sought in political economy: …in the social production of their life, men enter into definite relations that are indispensable and independent of their will, relations of production which correspond which correspond to a definite stage of development of their material productive forces. The sum total of these relations of production, constitutes the economic structures of society, the real foundation, on which rises a legal and political superstructure and to which corresponds definite forms of social consciousness…It is not the consciousness of men that determines their being, but, on the contrary, their social being that determines their consciousness… [until] a social revolution begins” .
A boa vontade não é suficiente para viver, nem as causas cívicas a que dedicava o seu tempo e ideias o autor em questão. Na época de Stuart Mill a assistência aos pobres ao domicílio foi revogada em 1834, as leis do trigo passaram do controlo estatal de impostos previsto por David Ricardo em 1818, ao livre comércio em 1844 e revogadas em 1846, as novas terras para produzir foram abertas à concorrência, o que eleva o custo da subsistência, na medida em que a população cresce sem ter outros meios de trabalho ou salários que condicentes com os preços dos bens rurais, classificados por Ricardo em terras de primeira qualidade, segunda e terceira, conforme a sua proximidade ao mercado e o potencial de criação de postos de trabalho ou lugares para obter um salário. Em consequência, as formas de pensar a economia não podiam já ser morais, a vida desses seres humanos estava em perigo, a fome existia e foi a época mais pobre da História da Europa. O programa da economia liberal tencionava desenvolver ideias de produção e de empresa, de capital acumulado para e pelas pessoas. Não é em vão que Marx, perante estes factos e perante as leituras das leis e das teorias, escreve que são as condições de vida que determinam a consciência do ser humano. Normalmente, as ideias de um Bentham ou de um Stuart Mill eram uma forma de vida reflectida nas obras feitas pelas pessoas. Aliás, havia toda uma ideologia religiosa que já foi invocada, e que pode ser sintetizada pela frase evangélica de que “pelas vossas obras sereis conhecidos”. Marx, na sua educação como Rabino e na sua intervenção na questão judaica da França de 1849, entendeu que os seres humanos tinham sérias limitações materiais para poderem viver e que a prometida liberdade que as máquinas tinham trazido ao trabalho, não existia por causa da propriedade privada das mesmas. Os Utilitaristas tentaram fazer da denominada Lei Natural, uma teoria económica. Essa lei natural era a capacidade para trabalhar e para enriquecer, desde que se pensasse de forma pragmática. Pragmatismo impossível pelas bases dos seus princípios: a propriedade privada dos bens de produção, a apropriação privada do resultado do trabalho de outros seres humanos pelos poucos que, como Stuart Mill diz muito bem na citação anterior, passam para a nova era como donos da indústria que nasce.
O operariado estava em revolta, as manifestações e as greves eram alargadas, não apenas na Grã-Bretanha, como em todo o mundo industrial. As leis de repressão e de encarceramento eram uma nova criação dos Estados e Nações que detinham o poder nas suas mãos. Aliás, como é possível analisar pelos historiadores, as classes dominantes eram as classes proprietárias, e de entre esses proprietários, se escolhia um Governo através do voto nas urnas. Não é em vão que o próprio Stuart Mill começa a militar no partido de Owen, o sindicalista inglês que, como sabemos dos capítulos anteriores, organizou a resistência ao capital e à classe proprietária, ao qual aderiu Stuart Mill. Marx tinha escrito textos sobre o desenvolvimento da pobreza por causa da indústria, no seu Manifesto Comunista, e é a partir daí que Stuart Mill escreve a citação extensa que fiz antes: é a declaração do socialismo inglês, uma manifestação distante das primeiras ideias do Utilitarismo que ele produzira em escritos anteriores, já citados. No seu texto de 1848, acrescenta que a exportação de capitais para trabalhar e produzir em sítios mais baratos, bem como a importação de géneros estrangeiros para manufacturar na Grã-Bretanha, levaria a descer a taxa de lucro dos capitalistas que estavam a causar a pobreza da Nação. E diz, em síntese, de que “o melhor estado para a natureza humana é aquele em que ninguém é rico, ninguém aspira a tornar-se mais rico e não teme ser derrubado pelos esforços que os outros fazem para se precipitarem para diante” . Por outras palavras, estas são ideias de um bom samaritano, que não tem mais do que o seu saber filosófico, moral ou ético, para entender uma realidade que não investiga, como fazem Marx e Durkheim. A cura social para a indução/dedução das ideias acaba por não ser a forma de remediar a acumulação de bens em poucas mãos, facto reconhecido na citação anterior. A escola liberal triunfa na economia e na política, e é contra este tipo de factos, que Durkheim e Mauss se agitam. Especialmente, pela ideia de maximização ou Homo Economicus que define o padrão social do comportamento dos indivíduos e os seus grupos. Não é em vão que Durkheim escreve o texto de 1890:”Propriété social et démocratie” : “La propriété individuelle ne se recommande pas seulement par de raisons d’intérêt bien entendu; elle a as base rationnelle…Mais une propriété absolue, sens réserve et sens restriction, ne se trouve pas pour cela justifiée; car, avec nos seules forces, nous ne pouvons rien créer…. Ainsi, dan toute propriété, outre le part de l’individu, il y a celle de la nature et celle de la nation. L’économie orthodoxe a le tort de méconnaître cette collaboration….Comment pourrait-il [l’État] adapter la production aux mille nuances de la demande ? …La puissance politique constitue une sorte de fonds social, dont il faut régler la répartition… La société est composée des individus libres : le suffrage universel permet la vie en commun, sans toucher à cette liberté. La société est une association. Mais, ce l’État qui doit prendre soin de l’individu qui appartient a une société organique…Le socialisme lui aussi sera volontaire et conscient ”
Neste texto Durkheim debate entre a iniciativa individual e a iniciativa de grupo, entre o individualismo, que sempre criticou, contra um possível socialismo que estruture a sociedade como um processo absoluto comandado pelo Estado. Vive-se a época republicana na França de Durkheim, que é prévia à sua leitura de Marx e dos socialistas utópicos, que apenas lê a seguir à sua viagem à Alemanha, em 1888. O que me interessa em todo este debate e citações, é estabelecer que a sociologia económica nasce a partir de um contexto sem conceitos nem decisões bem estabelecidas. O mundo social acaba de sair de uma estrutura histórica de servidão, da qual não está ainda muito certo, enquanto Continente, de se ter libertado. É um Continente que não apenas ainda tem Colónias, usadas para produzir as matérias-primas (como recomenda Stuart Mill), bem como um Continente com experiências diversas. Na França, a Revolução tinha acontecido antes e depois da data da sua comemoração. Durkheim, Marx, Stuart Mill, sabem das revoltas de 1848 por todo o continente, das unificações de países, do “arrecadar” para a indústria dos seres humanos denominados cidadãos, com direito a voto, governar e escolher os seus governantes.
A Sociologia Económica tem um começo polémico, de luta de classes, como Marx e Durkheim analisam, da desigualdade dos seres humanos perante a lei, por causa das riquezas ou da falta das mesmas. Um Continente que vive uma ideia, a da libertação dos proprietários, não apenas das suas terras, bem como das suas pessoas.
A Sociologia Económica nasce para se entender uma anedota: qual é agora, a hierarquia social? Esta parece residir no que já denominei de lógica de maximização ou de Homo Economicus. Porque o debate dos sociólogos é com os economistas que apenas entendem de fórmulas para progredir no lucro, para concentrar uma relação social baseada no capital – i.e., a propriedade concentrada dos meios de produção nas mãos do pequeno grupo que refere Stuart Mill, os poderosos do seu País e partilhá-los, na base da lei, como Durkheim argumenta em La division du travail social, com os citoyens criados pela declaração já referida no Capítulo 1.
O contrato e a lei, pareciam ser a base da igualdade, mas, e a lógica, para a definir? Vamos analisar esse conceito de maximização como segundo ponto, para, a seguir, analisar as ideias sociológicas sobre a estrutura social.
2. Maximizar ou Homo Economicus.
É a ideia que analisam, em primeiro lugar, mas com reticências, autores como Thorstein Veblen e Talcott Parsons , e, de forma mais aprofundada, os teóricos Max Weber e Pierre Bourdieu , entre outros, bem como a reacção de Émile Durkheim e Marcel Mauss.
A teoria liberal tinha conseguido, com a liberalização dos mercados e com a não intervenção do Estado em matéria de fluxo de mercadorias, que a população tivesse que se defender da livre empresa que procurava compradores para colocar os seus produtos. A livre empresa, ou o livre mercado, consiste em fixar preços na base dos custos antecipados pelo proprietário do dinheiro (ou investidor), que permitam recuperar o investimento e, além do mais, lucrar. Lucrar, ou ganhar dinheiro com o dinheiro investido. É o dinheiro investido que se tenta recuperar, ganhando de permeio um valor semelhante ao investido e recuperado, para lucrar. É o que Marx denomina como a Mais-Valia ou valor a mais, ou valor acrescentado . Não é apenas o investimento, bem como as horas extras de trabalho do denominado capital variável ou operariado, que deve estar sempre presente e disponível para transformar as matérias em bens a colocar no mercado. Todo o investidor para lucrar, ou pelo menos, para vender os bens que fabrica, faz o que se denomina uma prospecção do mercado, tentando saber qual é o bem mais necessário e de que maneira é procurado, para satisfazer o capital fixo ou dinheiro adiantado em moeda, tecnologia, edifícios, matéria-prima ou não convertida em bem para oferecer. As leis formuladas por Adam Smith funcionam de forma perfeita num sistema de livre mercado, dentro do qual há pessoas que não conseguem criar todos os bens que precisam para o seu uso e devem adquirir ou comprar outros bens de uso que passam assim a ser bens de troca ou de intercâmbio.
A lógica do liberalismo baseia-se no facto da divisão do trabalho ocupar todo e cada um membro do grupo social, indivíduos sempre ocupados a trabalhar na confecção de um bem, sem terem tempo para dedicar horas do seu dia de trabalho, à confecção de bens de uso ou bens que precisam para a sua subsistência. É o denominado bem de consumo , que, uma vez usado, desaparece e deve ser substituído, mais e mais uma vez, por bens semelhantes. O exemplo mais típico é a alimentação; outro, o vestuário; outro ainda o abrigo ou agasalho de uma casa ou lar. Se pensarmos nos tempos actuais, os investidores estão muito atentos, de olhos abertos, para ver como criar uma necessidade para passar a ser esta nova procura, como organizar mais uma forma de vender produtos.
O exemplo mais característico e vulgar, é o do uso dos telefones móveis ou telemóveis, como são denominados. Adam Smith não estava nada perdido no dia que escreveu o seu livro e distinguia entre dois conceitos: needs e wants. Um need ou necessidade, é o conceito que exprime tudo o que não fazemos, mas é necessário para nós sobrevivermos (é, gostaria de dizer, para nós sermos entidades sociais semelhantes às outras ou seres humanos que usamos os mesmos bens). O liberalismo desenvolveu uma concorrência forte entre todas as pessoas, quase como o que acontece entre os gestores de fábricas, indústrias, produtores em geral, ou investidores. A necessidade de colocar o produto no mercado, acaba por ser o incentivo para a propaganda, para a transformação de bens naturais em bens de mercado ao mais baixo investimento possível, em consequência, com um preço mais económico para quem o adquire. O mesmo tipo de bem, pode ter diferentes preços decorrendo dos materiais empregues e da mão-de-obra utilizada; um colar de pérolas, é um need social, ou, como é também definido, um bem de luxo. Este bem de luxo é concorrencial, ajuda a vender a pessoa que o usa, a ser objecto de atenção social, a impor nos que a rodeiam um respeito que pode ou não condizer com o valor dos bens que fabrica, inventa ou cria.
Exemplos típicos são também os perfumes e a moda: a forma extravagante de viver e de vestir de Coco Channel, fez dela uma empresária a criar um need no meio das pessoas que, tenham a capacidade económica ou não, possam ou não (aqui há que ressalvar essa outra estratégia de oferta e procura que passa pela contrafacção), é dizer, tenham ou não a “estética necessária” para usar perfume ou roupa Channel, acabam por ser consideradas como seres de valor social. Estamos aí no domínio do que se denomina “a moda”, formas de agir às quais é dedicada publicidade, respeito, hierarquia social, a passar sempre à frente dos outros. Por outras palavras, os indivíduos devem, conforme a legislação actual em Portugal e a maneira liberal de Smith, fazer a sua própria empresa: a própria pessoa ou empresário em nome individual, a quem se solicita produtividade, sem mais. Uma necessidade existe no meio social, quando é para ser consumida. Mas, a denominada Lei de Mercado, vai criando outras tão importantes, que até podem passar sem procurar o que é preciso para a sua subsistência, para poder brilhar entre os parentes, vizinhos e amigos, ou ainda, na relação patrão-operário: um operário bem alimentado, bem vestido, como maneiras eruditas de falar para o seu nível, em conjunto com a sua destreza para fabricar o bem de mercado para o qual é requerido e alugado – os seres humanos têm também um mercado, do qual se está consciente. Exemplo de escravatura no seu tempo, brutal ou não, é o que define este mercado de seres humanos: às vezes não é necessário saber, as vezes é necessário ser visto como um ser humano que sabe dominar as suas emoções e pode agir conforme a sua racionalidade. Há necessidades primárias e necessidades criadas pelo mercado. Uma das quais, é a de nunca causar conflitos ou falar dos seus problemas: a lei de mercado impõe silêncio entre os seres humanos.
Assim, podemos falar de um want, esse outro conceito de Adam Smith, que passou para a posteridade como o que eu desejo adquirir além das minhas necessidades. Um want é importante para o investidor, por permitir definir o possível investimento que uma pessoa faz dentro dos seus recursos. Want é desejar bens sem os quais podemos sobreviver. Um need é parte das vendas do ser humano no mercado. Um want é um querer consumir, para o qual o mercado deve estar mais do que atento, à espera do satisfazer porque é aí onde faz o seu investimento e o seu lucro. É aí onde começamos a lidar com o conceito de maximizar ou optimizar as nossas possibilidades económicas. Adam Smith fala de want, usando o conceito need como uma forma de exprimir ou exteriorizar o seu discurso. Para ele, há o que deseja a Raça Humana, a extensão do fenómeno para poder investir no mesmo, e para poder medir qual a extensão do fenómeno de querer ou desejar, para calcular o tipo de pessoas a serem alugadas por um salário, quantos, quando e onde. No texto, o autor define want como um need humano que, ao ser satisfeito, traz lucros ao mercado. E diz: “after food, clothing and lodging are the two great wants of mankind” .
Mas, não é apenas o que tenho citado em nota de rodapé que é importante saber, para configurar a defesa que faz o Homo Economicus na criação de uma lógica para se defender de um mercado que o persegue de forma impiedosa para satisfazer a sua urgência de vender e recuperar os investimentos. Para o Mercado, o ser humano não é pessoa, é apenas um potencial comprador ou consumidor de bens produzidos por outros, ou um potencial indutor de ideias de consumo espalhadas e criadas pelo mercado. “In that rude state of society in which there is no division of labour, in which exchanges are very seldom made, and in which every man provides everything for himself, it is not necessary that any stock [reserva, provimento] should me accumulated or stored up beforehand, in order to carry on the business of society [reservado, previsto]. Every man endeavours to supply by his own industry his own occasional wants as they may occur. When he is hungry, he goes to the forest to hunt; when his coat or worn out, he clothes himself with the skin of the fist large animal he kills…But when the division of labour has once been thoroughly introduced, the produce of man ‘s own labour can supply but a very small part of his occasional wants. The far greatest parts of them are supplied by the produce of other men’s labour, which he purchases with the produce, or, what is the same thing, with the price of the produce of his own” . Mais esta comprida citação que se deve ao facto do autor remeter o que se deseja ou se quer, para um estado de comércio, ao comparar as formas de intercâmbio com as que pensava existirem quando a actividade era de auto-suficiência ou, talvez, de permuta. Este facto por ele delineado, esquece que na divisão do trabalho, como Durkheim depois rebate, tem valor social, ou seja, não existe apenas para dinamizar a capacidade produtiva dos seres humanos, objectivo do trabalho de Adam Smith, bem como para criar justiça entre seres humanos que vivem dentro de uma estrutura com processos de solidariedade orgânica, em grupos. De forma que cabe a Durkheim comentar a ideia de Karl Marx, expressa no Capital, Vol. I e antes, no Manifesto Comunista: “A chacun selon ses œuvres” devia ser, para sermos justos, diz Durkheim, “a chacun selon son mérites” , é dizer, conforme o valor de cada pessoa e não uma forma absolutista de não medir o mérito. É o que Durkheim mais tarde iria denominar de “Socialismo Absolutista” .
O que interessa, por agora, é a lógica derivada do liberalismo e de como o criador da Economia Clássica, define os seres humanos como operários, sem reparar que ao falar de Divisão do Trabalho e dizer que as pessoas podem, com o seu dinheiro, comprar a outros aquilo que for preciso, esquece o que define em outros Capítulos do seu livro, isto é, que os seres humanos vivem em divisão de trabalho, conforme as indústrias, manufacturas e empresas nas quais trabalhem, e que ou trabalham no campo ou na cidade. Aliás, prevenindo a falta de riqueza pessoal, fala da Commonwealth, ou o fundo de reservas que pode apoiar os que não tenham dinheiro. A maior parte do livro é dedicada a esta política de formar um fundo comum, ou, como denomina The revenue of the sovereign, bem como ao comércio e às Colónias. Não há impostos em causa, apenas toda uma argumentação sobre a gestão livre e autónoma das formas de produção.
É evidente, como já referi, que esta produção tem por resultado uma forma de pensamento que é bem simples de lembrar: todo ser humano precisa de observar com todo cuidado os preços dos produtos que necessita, distinguir entre o que deseja mas pode dispensar, e resolver se gasta ou não a sua moeda. É o mesmo tipo de julgamento que faz o investidor, antes de decidir qual o ramo de actividade para produzir e vender. É este comportamento dos proprietários que é imitado, conscientemente ou não, pela população. A estrutura social, a hierarquia, o objeto sociológico da ciência, é o comportamento social conforme as formas de pensar de forma económica.
Economizar (economizing), é um conceito cunhado pela atitude dos produtores e os seus trabalhadores. Não é em vão que Talccott Parsons e Neill Smelser dizem: “…the economics aspects of society which are principally distinguished by their maximising of available means to want-satisfactions…” Todo o indivíduo, porque é de indivíduos a pensar do que se trata em Sociologia Económica, vê-se confrontado com a necessidade de comprar, por lhe faltar tempo para criar bens necessários para a sua subsistência. O ordenado ou salário com que é pago, é pouco em relação à imensidão de recursos que deve consumir. O mercado conta já com esta ideia, joga com ela e usa-a para o seu próprio proveito.
Maximizar ou optimizar, como diz Karl Marx no Capital, é, para as pessoas de escassos recursos, que precisam de usar a sua lógica para reparar no bem que procuram, e procurar adquiri-lo onde ele é mais barato, ou alternativamente, não o adquirir, ou, ainda, pela venda ética da sua estética. De facto, a produção de valores de uso está subordinada à produção de valores de câmbio, orientada pelo proprietário, que por sua vez, se orienta pelo mercado. A lógica do consumidor, a maior parte da população de uma Nação, deve usar estratégias para poder consumir ou gastar o seu dinheiro. A lógica do mercado foi criada pelas empresas e para empresários, entendendo-se que cada indivíduo seria uma empresa individual ou a este comportamento ficar obrigado. Foi assim que tratei deste assunto em dois textos meus, ao falar in extensi das estratégias para maximizar . A explicação é dada por Polanyi: “The last two centuries produced in Western Europe and North America an organization of man’s livelihood to which the rules of choice happened to be singularly applicable. This form of the economy consisted in a price-making markets…” . A formação dos preços resulta da falta de proteccionismo estatal e da liberalização do intercâmbio: quem vende mais barato um bom produto, ganha e lucra e atrai uma clientela importante, formando-se uma corrente de opinião favorável à empresa que assim lucra. A produção dos bens é o que interessa, não a sua circulação. Smith concentra-se na circulação, ignorando a produção, pelo que define valor de um bem como o preço que adquire um produto pela quantidade de trabalho investido na produção, especialmente se a divisão do trabalho para elaborar esse bem, é de grandes proporções e envolve muitas pessoas. Teoria refutada por David Ricardo e Karl Marx.
Entretanto, é preciso saber o que diz Thorstein Veblen , em relação a esta temática, tal e qual já foi analisado no Capítulo I. Sobre a realidade capitalista, Veblen diz calmamente: “All classes are in a measure engaged in the pecuniary struggle, and in all classes the possession of the pecuniary traits counts towards the success abd survival of the individual. Wherever the pecuniary culture prevails, the selective process by which men’s habits of thought are shaped, and by which the survival of rival lines of descent is decided, proceeds proximately on the basis of fitness for acquisition. Consequently, if it were not for the fact that pecuniary efficiency is on the whole incompatible with industrial efficiency, the selective action of all occupations would tend to the unmitigated dominance of the pecuniary temperament. The result would be the installation of what has been known as «economic man», as the normal and definitive type of human nature. But the «economic man», whose only interest is the self-regarding one and whose only human trait is prudence, is useless for the purpose of modern industry” . Para Tholstein a exploração dos seres humanos está institucionalizada no consumo conspícuo ou notável para além do investimento em produção. A classe possidente tem tempo livre para poder ditar o que tem valor, definir as normas de urbanidade, classificar os seres humanos pelo tempo empregue, através de gerações, na educação da sua família em recreações que o libertam da opressão causada pelo trabalho industrial. Ao longo do seu livro, este autor faz uma análise dura e déspota dos senhores do mundo. Ou, por outras palavras, analisa o que Adam Smith e Karl Marx não tiveram tempo de fazer: o primeiro ocupado com a sua ideia de construção de uma teoria económica organizadora dos investimentos e dinamizadora da produtividade dos seres humanos, pobres ou ricos; o segundo, em defender a classe social mais despojada de bens, é dizer, os proletários, para o que dedica o seu tempo ao estudo dos investimentos de capital e compara épocas históricas. Veblen tem tempo suficiente para analisar o investimento do tempo de ócio da classe social que têm para si os meios de produção. Porque, não é possível pensar apenas na mais-valia, quando se pensa na classe dominante. A classe dominante tem outros meios para exercer essa dominação e eles residem nos gostos, nas formalidades, nas formas de usar o corpo, os usos das alianças matrimoniais, as formas de ocupar o tempo e de estabelecer, por exemplo, como deve ser um corpo de mulher.
Veblen analisa ainda o uso da religião como uma maneira de estabelecer formas de vida e fala das formas austeras de vida que estes cânones de vida impõem nas pessoas. Diz: “If any element of comfort is admitted in the fittings of the sanctuary, it should at least be scrupulously screened and masked under ostensibly austerity. In the most reputable latter-day houses of worship, where not expense is spared, the principle of austerity is carried to the length of making the fittings of the place a means of mortifying the flesh, specially in appearance…This canon of devout austerity is based on the pecuniary reputability of conspicuously wasteful consumption, backed by the principle that vicarious consumption should conspicuously not conduce to the comfort of the vicarious consumer” .
O consumo excêntrico analisado por Veblen, faz pensar nos elementos que são usados pelas classes exploradoras e reproduzidos pelas classes exploradas, que desejam ou manter o seu trabalho ou pensar-se a si próprios como parte desse grupo, ao qual apenas têm acesso pelo trabalho e pelo salário. No entanto, e como Max Weber analisa no seu Capítulo IX do texto referido, há formas de dominar com estrutura e funcionamento a partir do Governo, que passam pelo recato nas formas de viver e pela austeridade, acabando por ser exemplos de estratégias de poupança. “Poupança” que reverte em favor do proprietário ou da classe com tempo livre, por não ter que gastar em ordenados ou salários que compensem o trabalho ou a escolha de gosto e de alimentos que os proprietários usam. É como se estivéssemos a visitar o livro do Conde de Lampedusa , O Leopardo, na época da reunificação italiana, quando diz que tudo deve mudar para que tudo continue a ser o mesmo.
De facto, uma vista de olhos à sociedade actual, denominada globalizada, faz pensar que a análise evolutiva das classes sociais, usada de forma dialéctica por Marx e por Veblen, é uma realidade. A Sociologia Económica exibe-nos grupos sociais a usarem valores antigamente dedicados ao uso e a poupança reservada para o uso, caso um dia os valores faltassem, hoje em dia transformados em moeda de troca, de intercâmbio, utilizada para viajar, comprar os melhores instrumentos electrónicos, seleccionar uma biblioteca nunca lida mas sim exibida para, como dizemos em Portugal, “inglês ver”. As classes assalariadas passaram ao gasto sumptuário ou conspícuo, como analisado por Veblen no seu tempo. Quanto mais rica a classe operária, mais semelhante à classe dominante e mais dominadora ela própria dos seus semelhantes que tenham a desgraça de trabalhar para eles. O operariado imita estes comportamentos; os sindicatos têm formado escolas para crianças e adultos, as suas reivindicações passam por salas de leitura, clubes, música e outros bens que, no Século XIX, eram apenas atributo das classes ociosas, como Marx as denominou e Veblen usou como conceito, para entender o outro lado da moeda: não há classe operária se não houver classe proprietária.
Quanto ao investimento dentro de toda esta análise, ele é também exercido pelo operariado. O que se define por produtividade, hoje em dia, não é apenas a força de trabalho, bem como o funcionamento em empresa privada ou, ainda melhor, individual e autónoma. O conceito que Durkheim mais contestara, era esse do individualismo, usado pela primeira vez nas declarações de Independência referidas, nos Direitos do Cidadão da Revolução francesa, e pelo liberalismo que consegue pôr ordem no caos da passagem da servidão à livre empresa, com operários a lutarem com os seus sindicatos, até abandonarem os mesmos para ter a sua indústria. A individualidade definida por Milton Friedman e a escolha livre, são parte da vida actual, reformulados os conceitos, ou amplificados os conceitos de classe social, tal e qual Veblen analisa nos seus vários livros e Anthony Giddens no de 1998, sobre a social-democracia. Giddens é capaz de ver que o mundo da Social-democracia avança para o sonho de Durkheim e Mauss, de todos sermos iguais sem luta de classes nem guerras nem revoluções.
Não queria dizer com isto, que o conceito de exploração institucionalizada, usado por Thorstein Veblen, me tenha arrebatado o julgamento da realidade. A luta de classes é uma realidade, apenas que os membros das classes mudaram, como acontece normalmente na História. A Aristocracia Bourbon em França muda para o Bonapartismo, que consiste afinal na compra de títulos de Conde, Duque ou outros. Veblen diz claramente: “The constituency of the leisure class is kept up by a continual selective process, whereby the individuals and lines of descent that are eminently fitted for an aggressive pecuniary competition are withdrawn from the lower classes. In order to reach the upper levels the aspirant must have, not only a faire average complement of the pecuniary aptitudes, but he must have these gifts in such an eminent degree as to overcome very material difficulties that stand in the way of his ascent. Barring accidents, the nouveaux arrivés are a picked body… a process that has always been going on ever since the institution of the leisure class was first installed…”
De facto, Karl Marx tem razão quando diz que as relações de capital vão destruir o mundo, por se querer ser dos nouvaux arrivés, análise que apenas faz no seu texto de 1847, The poverty of philosophy. De resto, Marx tem os dados certos para explicar a luta de classes e Veblen usa esses dados apenas para analisar as mudanças de indivíduos dentro dos mesmos papéis sociais de exploração institucionalizada, conceito que enriquece a análise materialista dialéctica.
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