Há menos de um ano, espantávamo-nos com as mortes solitárias dos nossos velhos, cadáveres de uma, duas ou mais semanas de silenciosa putrescência, cadáveres mumificados e sem odor por meses, anos, de esquecimento e reserva, ou voluntária, no corte com os demais, «para não pesar a ninguém» ou então relegados por uma família deles despreziva, capaz de os olhar de soslaio por serem «demasiado lastro, demasiado monos, demasiado sonoros roçadores de gengivas ou repetidores fastidiosos de estórias». Quanto a mim, os Pessa e os Saraiva, que são uma ordem diversa de mortos, porque sob todos os focos, apresentam-nos sobejas lições de vida e em qualquer caso, mereceriam menor severidade parcialista que aquela suscitada por nós mesmos, comovidos ou não. O que me pesa é que, visto de fora, José Hermano Saraiva, que ainda agora jaz e arrefece, surja execrado devido a um certo papel na História, e execrado pela mão de alguma Esquerda Portuguesa que não sabe disfarçar uma amarga e irredutível intolerância bem como dificuldades de distanciamento. Perante certos defuntos especiais de corrida, o seu veredicto é quase sempre radical e implacável. Só estão abertos ao cânone do seu, muito seu, martirológio de Esquerda, traindo um certo sentido de justiça para o morto, de inclusão do morto na espécie humana, numa divisão cinzenta entre fascistas odiosos e anti-fascistas filantrópicos. Ilha rodeada de Esquerda Minoritária por todo o lado, reconheço-lhe às gentes de Esquerda valia humana, força solidária, do mais solidário e humano que há. E, no entanto, na hora mais absurda de se estar morto, transmutam-se em sequazes, surgem rebarbativos, intolerantes e judicativos, atirando das mais intolerantes e rebarbativas pedras que há.
Nisto de perseguir e ser perseguido, no imenso e letal século XX, quase ninguém sai ileso. Muitos, e não quero parecer em nada a Helena Matos simetricamente maniqueísta, desde 1917 e ao longo de setenta anos, imensos milhares de seres humanos não tiveram escapatória do lado de lá da cortina ferrugenta, bem como no resto do mundo assolado pelo fogo do Livro onde se compendiava a única via para o Paraíso Sociológico-Científico. Podemos inscrevê-los na selectiva ementa de mártires internacionais que a Esquerda Minoritária Portuguesa venere ou está difícil?
[Fala quando te apeteça
mas desculpa que eu te diga
que te falta na cabeça
o que te sobra em barriga]
A.A.(18/2/1899-16/11/1949)
Concordo. António Aleixo dá bons comentários sem esforço.
Mas eu ajudo, vá, por exemplo:
A Torpe Sociedade onde NasciI
Ao ver um garotito esfarrapado
Brincando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia do passado,
Pensando que já fui daquela idade.
II
Que feliz eu era então e que alegria…
Que loucura a brincar, santo delírio!…
Embora fosse mártir, não sabia
Que o mundo me criava p’ra o martírio!
III
Já quando um homenzinho, é que senti
O dilema terrível que me impôs
A torpe sociedade onde nasci:
— De ser vítima humilde ou ser algoz…
IV
E agora é o acaso quem me guia.
Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,
Sou tudo: mas não sou o que seria
Se o mundo fosse bom — como não é!
V
Tuberculoso!… Mas que triste sorte!
Podia suicidar-me, mas não quero
Que o mundo diga que me desespero
E que me mato por ter medo à morte…
António Aleixo, in “Este Livro que Vos Deixo…”
Um bom dia a todos os comentadores preguiçosos de Portugal.
A Torpe Sociedade onde fui daquela idade inanidade
Ao ver un’s jean’s esfarrapados
Mocando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia nos costados
Pois que não fodia naquela idade.
Que feliz tu eras então na casa pia
Que loucura a brincar, santo delírio!…
Embora fosse mártir, não sabia
Que o mundo me criava p’ra o martírio
Já quando um homenzinho?, é que senti?
O dilema terrível que me in pôs
de quatro a sociedade onde nasci:
— De ser mártir humilde ou ser atroz…
[Sem que o discurso eu pedisse
ele falou, e eu escutei.
Gostei do que ele não disse,
do que disse não gostei.]
A:A: idem aspas
Um bom dia a todos os leitores do Aventar
Sim, caro Palavrossavrvs, tem razão! E tem razão mormente em duas coisas: uma, que os velhos, para a grande maioria, são considerados coisas obsoletas, incomodativas, verdadeiros empecilhos; e a outra, que todos, mas todos nós, depois de vivida e experienciada uma vida inteira, deixámos sempre algo que irá servir de ensinamento aos que ficaram e aos que virão! Não há homem mau que não tenha tido uma boa acção, nem há homem bom que não tenho praticado o mal!
Só o imbecil é que pensa que o único bom é ele, e que todos os outros não prestam. É uma visão limitada e distorcida do ser humano mas infelizmente é a visão mais comum.
Há já alguns dias que venho assistindo a uma espécie de “guerra civil” aqui no Aventar. A meu ver (e isto é tão só e apenas a minha opinião), as pessoas que são capazes de se comportar aqui de forma tão básica, tão ilógica, tão reveladora de intolerância, ódio, má educação e imaturidade, têm de ser assim, inegavelmente, no seu dia-a-dia. Este comportamento do “não mata mas mói”, do “um diz mata, o outro diz esfola” é revelador da estreiteza de mentalidade que pulula nas gentes.
Depois de lidos todos os comentários, chega-se a uma conclusão que, se não fosse tão triste e deprimente, provocaria por certo gargalhada: riem-se os rotos do esfarrapado (e aqui peço desculpa ao Palavrossavrvs pelo “esfarrapado” mas quis manter o provérbio o mais intacto possível!). A pretensão moralizante dos comentários consegue ser mil vezes mais danosa, mais vulgar, mais ordinária, mais venenosa, do que os próprios posts.
Se já se sabe que o Palavrossavrvs escreve assim, quem não gosta não lê! Mas o mais grave é que a imbecilidade chega ao ponto de atacar o mensageiro e de esquecer completamente a mensagem!
Finalmente, e em jeito de resumo, com as mentalidades trogloditas que se vão dando a conhecer através dos comentários, quem espera que o mundo melhore é porque ainda acredita no pai natal e no coelhinho da páscoa!
P.S. – Não, não sou defensora de ninguém a não ser do bom senso e da razão; não, ninguém me encomendou o sermão mas sou livre de ter e expressar opiniões; não, não vou responder a parvoíces e/ou imbecilidades!
Sempre a defender os fraquinhos e comprimidos. Tens a certeza que não és de esquerda ?
Apenas um reparo: assim de repente não me lembro de o conhecer ou sequer de lhe ter dado permissão para me tratar por tu. Por isso, por favor dobre a língua e tente ser educado!
O bolôr do coiso pegou-se-te. Permissão ? Em que século é que vives ? Na Europa ?
(devemos ser o único povo da europeu que manteve o medieval tu e você)
É bem verdade: não se pode pedir a uma macieira que dê pêras!
Caríssima Isabel, garanto-lhe que graças aos seus comentários, habitualmente bem redigidos, construtivos, muito livres e, sim, salomónicos, mesmo ousando confrontar-me com aquela minha imoderação de às vezes, confirmo os melhores motivos para continuar vivo e a acreditar.
Do mais fundo e sincero de mim, obrigado.
😉
O maquineistossauro excelentíssimo mais uma vez mostra a sua incapacidade incontinente. Se não mata pelo menos mordisca alguém de esquerda. Mesmo caindo no ridículo de, no mesmo post, acabar por fazer o que critica aos seus oponentes, e cascar na ainda não arrefecida senhora Helena.
Já se malhar nos arrefecidos senhor Salazar e o coiso senhor Dom Manuel ?
Estou a ler ” As Intermitências da Morte”.
Para descontrair….