Uma morte estúpida

Beatriz, vamos chamar-lhe assim, açoreana do Faial – essa ilha «personagem» de Vitorino Nemésio em Mau Tempo no Canal – era uma boa mulher, simpática, generosa, disponível. Nos seus 71 anos, ainda tinha ganas de trabalhar de manhã à noite.

Mas o pôr-do-sol era sagradinho: não deixava escapar nenhum (ou quase nenhum). Largava tudo. Contemplava-o sempre da mesma maneira: olhando para o seu Pico que deixou em rapariga quando se casou.

Um dos vizinhos pedia-lhe, não raras vezes, que alimentasse os seus cães quando se ausentava. Ela fazia-o com todo o gosto. Não sabia dizer «não».

Mas um dia, um dia de Julho, foi surpreendida por esses mesmos cães que alimentava com carinho.

Os vizinhos foram encontrá-la já cadáver:  «Não merecia»; «Que morte tão estúpida, meu Deus»; «Aquela mulher não parava»; «Foi sempre a mesma Beatriz que eu conheço desde a juventude…» – comentaram estupefactos e assombrados.

O cão de maior porte, aparentemente perigoso, está agora no canil.

Do dono dos cães, não sei nada. O jornal «esqueceu-se» de referir o seu paradeiro e a sua responsabilidade…

P.S. –Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

O direito ao esclavagismo e à ignorância

Lembrou-se o Daniel Oliveira desta banalidade:

Ir de férias não é um luxo. Sair de casa e da cidade onde se vive, estar com a família e recarregar baterias é, na sociedade que julgávamos estar a construir, um direito.

A extrema-direita não gostou. Vamos por partes: se as férias pagas são uma conquista lançada pela Frente Popular em 1936, e portanto um direito conquistado, qualquer não mentecapto com conhecimentos mínimos de gestão empresarial sabe que hoje são mais um dever: os trabalhadores descansando aumentam a sua produtividade, coisa a que recarregar baterias dá muito jeito.

Claro que vivemos em Portugal,  onde até os homens do FMI afirmam isto: [Read more…]

Nuno Crato e a obsessão pelo tamanho

Como qualquer político profissional, Nuno Crato sabe que o tamanho tem importância, porque substitui argumentos. Um homem inteligente deveria saber que não chega dizer que a contestação dos professores “não é tão grande assim”: importante é saber se essa contestação faz sentido e perceber se a demonstração pública dessa mesma contestação não será apenas uma pequena parte visível.

A pobreza das afirmações de Nuno Crato, no entanto, não deve servir para que os professores deixem de reflectir sobre a quantidade e a validade das manifestações públicas de contestação e é sempre importante relembrar que é preciso ir além das reivindicações, das vigílias e das manifestações, que podem ser meios, mas nunca poderão ser fins. E Setembro é já amanhã.

A propósito, ainda, de Setembro, só um ministro incompetente e incapaz (ou cultor) de capacidade de planeamento é que se pode orgulhar de que dados fundamentais para o início do próximo ano lectivo sejam conhecidos no início desse mesmo ano lectivo.

Bom fim de semana

No oceanário, mini-golfe, no aquaparque ou feira popular, o casal Kim/Rissol está em todas. Ovações tonitruantes, gritaria de provocar rouquidão durante uma semana. Kim casa-se com Rissol e algo parece mudar na Coreia do Norte, talvez na senda daquilo que foi o casal Sarkozy e aquilo que é a dupla Hollande/Trierweiller, aliás, Massonneau.

Geralmente, quem por cá mais ataca os monárquicos, são precisamente aqueles que gostariam de ver uma coisa destas em Portugal e arredores.

Acordo Ortográfico: e quando um brasileiro procurar a recepção de um hotel…

 

Graças à uniformização ortográfica alegadamente proporcionada pelo chamado acordo ortográfico (AO90), será cada vez mais provável que os turistas brasileiros, ao procurarem a recepção de um hotel em Portugal, deparem com a “receção do hotel“.  Efectivamente, por obra e graça do AO90, a palavra em causa passa a ter grafias diferentes: a primeira mantém-se no Brasil, a segunda é novidade em Portugal.

Imagine-se que o turista em causa sabe que Portugal já adoptou o AO90. Imagine-se, ainda, que o mesmo turista, à semelhança de muitas pessoas, iludido por publicidade enganosa, ficou a pensar que portugueses e brasileiros utilizavam, agora, a mesma grafia para todas as palavras. O surpreendido turista poderá imaginar que o hotel ainda não adoptou a nova ortografia ou poderá chegar à conclusão de que, afinal, o chamado acordo ortográfico será, com certeza, ortográfico, mas dificilmente será um acordo.

É claro que a cereja no bolo desta confusão estará visível na chapa que a recepcionista poderá ostentar na lapela: aí poderá ler-se “Fulana. Rececionista“.

Zorrinho ou o Franciscanismo Argumentário

Que se passa com Zorrinho? Por que motivo não foi capaz de elogiar uma frase de desprendimento político do Poder e de um cargo, vinculando o Primeiro-Ministro a essa espécie de compromisso com as suas próprias palavras: que se lixem as eleições?! Em vez disso, com uma falta de imaginação terrível, sem rasgo e sem estilo, desatou a construir inferências abusivas: se disse o que disse, o que quis dizer foi «que se lixem os eleitores», quando tudo o que transpôs os dentes de Passos é saudável, raro, e foi só isto: «Se algum dia tiver de perder umas eleições em Portugal para salvar o país, como se diz, que se lixem as eleições.» Zorrinho tinha a obrigação de reconhecer que nada há, nesta governação, que seja populista e eleitoraleiro. Muito pelo contrário. O que há é amargo. Sacrificial. Duro.

Porque Zorrinho conviveu demasiado perto com a mais infecta desmesura gananciosa do Poder como chave de corrupção e oportunismo, com a hubris mais ostensiva contra os interesses de Portugal, e com os excessos mais onanistas da imagem pela imagem, deveria confirmar que é o interesse do País acima de qualquer tentação eleitoralista o que move, e ai dele!, o líder deste Governo. Por isso é vaiado por uma minoria que se tem especializado na vaia ordinária. Por isso Passos é contestado em surdina e desespero por quem legitimamente desespera. Eu ficaria aliviado quando enfim um Governo se estivesse realmente, como treslê Zorrinho, «a lixar para os eleitores» desde que deixasse de lixar os contribuintes mais indefesos, as famílias mais desesperadas, os funcionários públicos, grande bombo fácil de todas as desleais correcções do défice.

Há por aí quem tente e deseje odiar Passos Coelho de todo o coração, com toda a mente e toda a alma, da mesma maneira que, espontânea e intuitivamente, milhões de Portugueses abominaram e abominam Sócrates por todas as boas razões do asco natural a patéticas peneiras e ao que é politicamente maligno e todas as más razões de tanto mal perpetrado contra nós. Tentam. Desejam. Mas não conseguem. É fácil perceber porquê.

A abertura dos jogos olímpicos é o maior espectáculo do mundo?

Desde quando? Veja como abriram os jogos olímpicos desde 1960, responda a esta pergunta e habilite-se a um prémio inteiramente grátis:

Pequim, ou Beijing como se escreve agora, 2008

Atenas 2004 (na Grécia, essa mesma)
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Império do Sol

Extraordinário filme de Spielberg, com uma notável interpretação de Christian Bale, o actual Batman, na altura com 13 anos. A acção decorre em 1941, na China, durante a invasão japonesa. Legendado.

O sentido de Britishness

As aberturas dos Jogos Olímpicos foram sempre uma celebração de alguma coisa, nomeadamente do país que os organiza. Não há duvida que este ano foram uma celebração daquele sentido de Britishness. Do que é ser britânico. Estava, sinceramente, à espera de algo muito mais nacionalista com armadas espanholas e Henriques V. Mas afinal não. Os britânicos, espertos, celebraram o que têm de melhor. O humor, o fair play, a literatura, a fantasia, a diversidade. Sim, o Reino Unido que se mostra nestes Jogos não é o Reino Unido que o BNP (British National Party) gostaria que fosse. O que sópode ser uma coisa boa. É uma entidade que mais do que nunca celebra a junção entre o tradicional e o moderno. Entre o antigo e o novo. E mais nenhum país no mundo consegue fazê-lo com tanta mestria e com tanto sucesso, independentemente das tensões que surgem.

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Irritações

 

É tarde e na televisão passa a repetição de um programa de discussão política, emitido umas boas horas antes. Os personagens são conhecidos, demasiado conhecidos. Têm o seu passado de inutilidades e equívocos branqueado por isso mesmo, por ser passado. Ouço-os, e à natural falta de paciência causada pelo cansaço de quem precisa, mas não consegue dormir, junta-se uma estranha irritação. Os sorrisos sobranceiros que decoram as palavras, não ajudam. A discussão que esconde mal, mesmo muito mal, um pacto tácito entre todos, azeda-me o fígado. A sabujice de quem modera (?) revelada nas lambedelas que substituem as perguntas, é suficiente para tirar do sério o mais fleumático dos mortais. Mas há ali qualquer coisa mais. Qualquer coisa que eles tentam, mansamente, encobrir. Qualquer coisa que, a pouco e pouco, se vai tornando perceptível, quase palpável. E de repente, “voilá”. Finalmente percebo e também percebo que, afinal, a descoberta nada tem de notável. Aquelas aventesmas não vão para ali dizer o que pensam. Vão para ali dizer o que lhes dá jeito e apenas dizem o que serve os seus interesses pessoais.

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