Ana Paula Laborinho defende a morte das variedades do português

lusofoniaEm entrevista ao Expresso, Ana Paula Laborinho, Presidente do Instituto Camões, deixa escapar uma série de vulgaridades consentâneas com a Igreja da Lusofonia, cujo evangelho, mais oral do que escrito, está carregado de frases épicas acerca da dimensão internacional da língua e de palavras economesas como “geoestratégico”. Como qualquer sacerdote, crente ou não, é necessário parecer-se deslumbrado, que é uma maneira de se fingir iluminado. E ai de quem se atreva a criticar o deslumbramento! Será classificado como “xenófobo” e “racista”, antes de e em vez de ter direito a argumentação.

O chamado acordo ortográfico (AO90) é, neste contexto, alfaia religiosa que não pode ser posta em causa e, portanto, não pode ser pensada, apenas defendida.

Ana Paula Laborinho, depois de (não) responder a uma pergunta acerca da relação entre língua e “identidade de uma nação”, continua a (não) responder a uma outra: “Tendo em consideração a questão da identidade, é preciso um Acordo Ortográfico?” Ana Paula Laborinho (não) respondeu como se segue:

O Acordo Ortográfico é um instrumento até de internacionalização. É a tentativa de, enquanto língua internacional e num contexto de ensino, não termos de ensinar o português nas suas diversas variedades.

Uma pessoa não percebe o que é que o AO “internacionaliza”: a identidade? A língua? A ortografia? O queijo da Serra? Não me admiraria que fossem os quatro, tantas são as virtualidades do divino instrumento.

O resto da resposta mantém-se na senda do desastre sintáctico e, portanto, semântico. Doravante, os professores de Português, inspirados pelas palavras de Ana Paula Laborinho, poderão definir como um dos seus objectivos “tentar não ter de ensinar o português nas suas diversas variedades.” Não será fácil: um professor não está habituado a tentar não ensinar e, ainda menos, a tentar não ter de ensinar.

Devo confessar que concordo, em parte, com Ana Paula Laborinho: um professor deve ensinar aos alunos a variedade do português que se fala no país cujas escolas frequentam e não as várias variedades.

Desconfio, ainda assim, que Ana Paula Laborinho vive na ilusão (ou finge viver) de que, com o AO, deixa de haver diferenças ortográficas, o que, lá vamos nós outra vez!, não é verdade. O AO não criou uma ortografia única ou uma única ortografia. Pode até dizer-se que criou o contrário da ortografia.

A propósito, transcrevo, já a seguir um texto roubado ao Francisco Belard acerca da mesma entrevista. Cuidado: é arrasador!

A presidente do Instituto Camões (ou “do Camões”, como agora dizem) não tem em conta várias realidades, nomeadamente: a) o próprio texto do AOLP de 1990; b) que continua a existir o português do Brasil, com diferenças não elimináveis em relação ao de Portugal ou ao de outros países e comunidades; c) que mesmo na grafia a unificação não se verifica, dadas as facultatividades nele consignadas e dado o aumento de vocábulos que antes dele se redigiram da mesma forma dos dois lados do Atlântico (“recepção” é um dos muitos exemplos possíveis) e agora fazem divergir; d) que invocar o conceito de monolinguismo é aqui descabido (cito “O monolinguismo não é útil porque é na diversidade que o ser humano se constrói”); e) que falar de diversas variedades é redundante; f) que a República Portuguesa não devia procurar impor o AOLP de 1990 sem ter em conta as posições efectivas de alguns Estados, designadamente Angola e Moçambique; g) que os órgãos de soberania portugueses não deviam ter ignorado as objecções e críticas ao AOLP feitas por vários linguistas (entre outros) e entregues a seu tempo ao poder político, mas pelo contrário reflectir sobre elas; h) que hoje a própria Academia das Ciências, envolvida no processo de elaboração do dito AOLP, procura reduzir (embora sem poder ou quiçá sem querer eliminar problemas estruturais da concepção do mesmo) os defeitos mais flagrantes da sua aplicação; h) que não é um verdadeiro acordo ortográfico entre os Estados em causa, mas sim a imperfeita justaposição de reformas portuguesa e brasileira; i) que o resultado atinge o próprio conceito de ortografia; j) que os efeitos da tentada aplicação do AOLP estão há alguns anos a perturbar a escrita da língua portuguesa, visivelmente em Portugal, e a afectar a já antes complexa e precária estabilidade do sistema de ensino (e em primeira linha do ensino do Português na escolaridade obrigatória); que mesmo o Diário da República (para não falar sequer da generalidade da imprensa e de outros ‘media’) reflecte a desorientação que foi criada sem vantagens; k) que, quanto às imaginadas vantagens do AOLP na edição de livros (e na sua circulação internacional), elas não se verificaram, pois autores brasileiros são “adaptados” ou “revistos” (mesmo, pasme-se, quando já conformados na origem à versão brasileira do chamado acordo!) para publicação em Portugal, e é plausível que a situação inversa se verifique, salvo se os autores o impedirem. E etc, pois muito mais restaria dizer e muito mais foi dito e escrito por quem conhece o assunto muito melhor do que eu (e, receio, o conhece também melhor do que a actual presidente do Instituto Camões).

Comments

  1. Nightwish says:

    Parece o Reino Unido quando acha que ainda é um império.

  2. Esta senhora não faz a mínima ideia do que é a Língua de uma Nação europeia.

    Chamar língua internacional ao AO90 é como dizer que a música de Mozart é música pimba.

  3. fleitao says:

    Esta senhora, uma das afilhadas do regime, não tem competência nem mentalidade para o cargo que ocupa. Está a prejudicar mais a Língua Portuguesa do que a defendê-la – e na emigração sabemos bem disso, a avaliar pelas burrancadas que faz o Instituto Camões. Não se precebe esta cegueira situacionista que mantém em lugares chave pessoas que, pelas provas dadas, nem sabem o que estão a fazer. Precisamos de gente nova, culta, competente, que dê boa imagem de Portugal e, ao mesmo tempo, defenda os interesses da língua nas instâncias internacionais de igual para igual. o AO foi uma invenção brasileira, pior lhe interessarem os mercados lusófonos e para meter o pé nos mercados europeus, invenção essa que o vendido Malaca Casteleiro pôs em prática. Vamos acabar com isso.

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