De ASurf a ATudo…
Carta do Canadá – Estes dias inquetantes
Há uma menininha em Alepo, obrigada a viver no meio da guerra, que escreve um diário e conta como corre o seu tempo de martírio. Um dia destes, em pleno bombardeamento, pôs as mãozitas a tapar as orelhas e perguntou ansiosa: “Deus, estás a ouvir”? A imagem correu mundo e devia pôr de rastos os que fazem a guerra, dum lado e do outro da trincheira, se eles ainda tivessem um resquício de consciência, de pudor, de vergonha. Mas a guerra continua no desgraçado Médio Oriente e um pouco por onde recursos naturais são motivo de cobiça, um pouco por todo o lado onde se dá largas ao fanatismo mais criminoso. Dolorosas as reportagens que mostram os milhões de refugiados desses países a encherem os caminhos do mundo, os acampamentos de acaso, as crianças violadas e raptadas, o abandono por parte dos países ricos, a intolerância e a raiva pregada por arautos ansiosos de ditadura. Apenas os países mais economicamente fragilizados, como Portugal, a Grécia e Itália, os acolhem com o pouco de que dispõem. A Europa, que se quis exemplo de democracia e civilização, ergue muros e dá largas à discriminação. Fora da Europa, também os Estados Unidos exibem um muro e ouvem promessas doutro por parte dum candidato a presidente da República, o Trump da ignorância, da estupidez, do descaramento, o membro dum partido que não se afligiu com isso e apenas se sobressaltou quando vieram a lume sórdidas aventuras sexuais. Este é o Partido Republicano e a sua bitola moral.
Um plano para dominar todos
Ataque generalizado dos orcs, seja na costa portuguesa ou na reunião dos ministros do comércio europeus já na próxima terça-feira, 18.10.16, em Bruxelas. O governo português diz que sim ao poder dos orcs. Faz falta cada um de nós para o contra-ataque.
Um desenho chega
Bob, o bardo
Os zangados da literatura estão, na sua indignação, a promover Dylan a grande – ou mesmo genial! – músico, tentando, assim, diminuir-lhe a obra poética. “O que ele é é músico” – proclamam. Ora eu, que gosto de Dylan, não o considero um genial músico, um grande cantor e, muito menos um, sequer, razoável instrumentista. Na verdade, sendo um melodista de mérito, com algumas boas ideias musicais que se quedam na sua mais pura simplicidade, é um cantor de voz deveras limitada – para dizer o mínimo – e um ainda mais limitado instrumentista. Dylan é um bardo, um trovador, um poeta que canta as suas palavras. E é aí que se lhe vislumbra a grandeza. Tanta, que acabamos por lhe perdoar as limitações como interprete. E mais: fizemos da sua voz rouca e limitada, do seu estilo simples e básico, valores artístico por si mesmos. É pela palavra que Dylan se eleva aos grandes. E como a palavra é bela, todo o conjunto se ergue como excepcional.
Há muitos anos, encontrei entre os alfarrábios da loja do Ricardo, ali do Arco da Amedina, uma volumosa edição artesanal – e pirata…- das “lyrics” das canções do Bob Dylan. Estava a ler o meu achado na mesa do canto da Brasileira e não tardou a piada sobre se me ia pôr a cantar. Não ia. Mas confirmava esta evidência: há uma grande diferença entre um letrista e um poeta. E raramente se encontram na mesma pessoa. Dylan é uma das excepções. Por cá, José Afonso e Sérgio Godinho – entre os poetas-cantores – são bons exemplos, como Ary dos Santos, Alexandre O’Neill e David Mourão Ferreira o são entre os que têm o segredo de fazer poesia que (se) canta. O movimento que, nos últimos anos, tem trazido para a canção grandes poetas, deu belos resultados; e também disparates intragáveis.
Quem quiser que se entretenha na florentina discussão de saber se o que Dylan faz é literatura ou não. Se o seu nariz cabe no catálogo teutónico de judeus, se os seus genes lhe traem a origem russa. Quero lá saber. Como o Poeta, eu “canto o peito ilustre” Dylaniano.
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