As reivindicações dos enfermeiros são justas?

Esta é a pergunta cuja resposta interessa verdadeiramente conhecer. O problema, no entanto, está no muito ruído que é gerado à volta das greves.

António Costa considerou que a greve dos enfermeiros é “ilegal” e “selvagem”. O primeiro-ministro tem direito à sua opinião, embora o segundo adjectivo seja demasiado sensacionalista para que possa ser usado de modo leviano. Sendo licenciado em Direito, estará obrigado também a usar com parcimónia um termo como “ilegal”.

Os políticos, quando estão no poder têm, sobre greves, o mesmo discurso redondo: não está em causa o direito à greve, mas ou é injusta (mesmo selvagem) ou as reivindicações não poderão ser satisfeitas, porque o défice iria ser agravado, ou não é a altura ideal para se fazer greve. Os mesmos políticos, na oposição, são a favor das justas reivindicações dos trabalhadores e fazem de conta que não são igualmente culpados da destruição do sistema.

A Comunicação Social, nestas alturas, prefere o óbvio e entrevista os utentes que estão a ser prejudicados pela greve, como se houvesse greves sem incómodos. Há, com frequência, histórias de alguém que se tinha levantado de madrugada para ter uma consulta por que esperava há meses. Curiosamente, a Comunicação Social perde muito menos tempo a investigar os milhares de casos de pessoas que precisam de madrugar nos Centros de Saúde ou de consultas que só têm lugar muito tempo depois de serem marcadas.

Uma das grandes novidades desta greve está, ainda, no recurso ao crowdfunding.  Por um lado, isso é criticado em si mesmo, insistindo-se numa concepção absolutamente sacrificial do grevista, como se fosse possível sobreviver pagando greves do próprio bolso; por outro lado, põe-se em dúvida a origem dos dinheiros, deixando insinuações ou afirmações acerca do financiamento de privados, numa estratégia de destruição do Serviço Nacional de Saúde (que anda a ser destruído há anos por sucessivos governos que, esses sim, estão ao serviço dos privados, havendo, até, antigos ministros que defendem mais parcerias público-privadas nesta área).

Nas conversas dos muitos cafés físicos e virtuais, há quem acuse, ainda, os enfermeiros de serem incompetentes, interesseiros, desinteressados, materialistas, preguiçosos, no seguimento da intoxicação comunicacional levada a cabo por muitas entidades, sendo que muitas delas costumam estar do lado dos trabalhadores, nomeadamente o PCP e os sindicatos ligados à CGTP – já com os professores, se nota, há anos, o medo de perder a propriedade da luta.

Num país e num mundo em que o poder económico domina o poder político, num país em que os deputados obedecem às direcções partidárias e não representam quem os elegeu, num país e num mundo em que, de modo bastante descarado, há um desinvestimento sabotador de tudo o que é público em benefício dos privados, num mundo em que nunca se perdeu o objectivo de reaproximar o mais possível o trabalho da escravatura, num mundo em que, cada vez mais, há desequilíbrio de forças entre patrões e trabalhadores, estarei sempre, por princípio, do lado destes. Se há más intenções, propaganda não chega, é preciso provar.

Comments


  1. Um dia destes todos os doentes do SNS também farão greve. Greve a ser tratado. Depois, todos os senhores enfermeiros e médicos podem deixar de fazer greves e ir para o desemprego que já não fazem cá falta nenhuma.

  2. Jorge Evaristo says:

    A greve dos enfermeiros é injusta porque não foi decretada pelo PCP.

    • ZE LOPES says:

      A conversão dos salazareiros ao direito à greve é deveras comovente. Qualquer dia ainda os vou ver pedir a nacionalização imediata dos setores fundamentais da economia tais como tascas, adegas e casas de pasto.


      • Mas já pediram!! Ou estão esquecidos que em plena época de incêndios, a ex ministra dos eucaliptos Conceição Cristas, pediu que o SIRESP passasse a ser gerido pelo Estado; que os bombeiros passassem a ser funcionários públicos; e, num acesso momentâneo de comunismo agudo, exigiu até que os meios aéreos do combate aos incêndios deixem de ser entregues a privados!!

        Salazaristas:
        No governo: Estado mínimo; greves é coisa de comunistas e de gente que não quer trabalhar.
        Na oposição: Estado tem que gerir e fiscalizar tudo e as greves são sinal evidente do descontentamento popular.

        Ora fôda-se!

  3. Paulo Marques says:

    Há coisas estranhas na greve, mas o governo tem soluções para testar o seu ponto de vista. É muito progressista, desde que ninguém belisque a imagem de bom aluno a fazer a seguir a cartilha eurófila.

  4. Luís Lavoura says:

    como se houvesse greves sem incómodos

    Há muitas greves sem incómodos. Quando a greve se realiza, digamos, numa empresa têxtil, ou noutra de construção civil, os incómodos são negligíveis ou inexistentes.

    As greves que têm muitos incómodos são as dos serviços públicos.

    • António Fernando Nabais says:

      Não incomodam? Não me diga que os patrões das empresas têxteis festejam greves!

  5. Luis Coelho says:

    Os políticos são todos iguais da extrema direita á extrema esquerda já o dizia Saramago. o salário dos enfermeiros e baixo! Mas já era baixo no tempo do passos e nessa altura não fizeram greve e a bastonária não se pronunciou. será só coincidência. Esta greve mete-me nojo porque prejudica especialmente os mais pobres e necessitados e ainda por cima doentes e com a saúde não se brinca e o nosso sistema de saúde é uma merda já há muito tempo.
    Precisamos de um otorrino, oftalmologista, urologista ou ressonância magnética, não há ou só vai haver quando estamos enterrados. P Q P

  6. JgMenos says:

    É tudo justíssimo!
    Aliás os impostos têm por principal objectivo tratar da vida da cambada pública.

    • ZE LOPES says:

      É tudo justíssimo!
      Aliás a fuga aos impostos tem por principal objectivo tratar da vida e encher a bolsa da cambada liberaleira parasita e desonesta.

    • Paulo Marques says:

      Por oposição a quê, terem como principal objectivo de tratar da vida da cambada privada agarrada ao estado, como o seu querido líder?

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  1. […] há muito que assim não é. Aqui no rectângulo, tivemos o caso Maria Luz e agora, recentemente, o financiamento da greve dos enfermeiros. Nos EUA, o caso Trump/Russia ainda dará muito que falar. De uma forma geral, a rede tem […]