O Equilíbrio do Terror #7 – Putin, o Mundial do Qatar e o erro de insistir no erro

Insistimos nestas figuras. Em 2018, era vê-los a todos nos camarotes do Mundial da Rússia, poucos meses após o envenenamento de Sergei Skripal. Penso que os britânicos foram os únicos a não comparecer. Agora, queremos excluir um tirano de um Mundial de futebol, que terá lugar numa monarquia absoluta, governada por outro tirano.

Um Mundial de futebol que, não tendo ainda começado, está marcado pela corrupção e por violações de direitos humanos de milhares de trabalhadores dos estádios, acessos e outras infraestruturas construídas para o efeito.

Um Mundial de futebol que nenhuma selecção de nenhuma democracia teve a coragem de boicotar, apesar das centenas de trabalhadores semi-escravos que morreram para o levantar. Apesar da natureza totalitária do regime Qatari.

Somos demasiadamente complacentes com tiranos. Sempre fomos. E o modelo económico dominante, globalmente voraz, prefere os rublos e outras petro-divisas, desta e de outras oligarquias, aos empecilhos dos direitos humanos e da democracia. Putin sabe-o, comprovou-o pessoalmente, e usa-o em seu benefício, para natural prejuízo das democracias.

Eis uma das lições do sacrifício do povo ucraniano: a uma democracia, não basta ser democrática na metrópole. Tem de sê-lo também na prática da política externa. Nas relações económicas que desenvolve. Nos investimentos que faz. Nos vistos dourados que atribui. Ou, quando der por ela, o seu destino estará já vinculado ao do autoritarismo, inevitável numa economia profundamente globalizada e interdependente, e o processo de separação, a acontecer, será duro, hostil e destrutivo.

Dir-me-ão os adeptos mais ferrenhos dos mercados livres que não se deve interferir na economia, ou interferir o mínimo possível. Que as consequências negativas da intervenção, ou de qualquer restrição, suplantam os ganhos eventualmente obtidos. E talvez tenham razão. Mas a alternativa é manter Putin e o seu regime no jogo capitalista, na plenitude das suas liberdades económicas e financeiras, o que reduzirá o esforço de guerra e manterá a sua economia à tona. O Ocidente está a subir a fasquia, e a utilização do Swift nuclear foi uma jogada corajosa, mas a situação exige medidas ainda mais draconianas. É preciso asfixiar a economia russa. E é preciso estudar a possibilidade de novas medidas contra as economias que estão a auxiliar o esforço de guerra russo. E os boicotes cultural e desportivo, podendo parecer irrelevantes, atingem directamente a moral da população russa, o que tem impacto negativo no regime. Mas isso tem que valer para qualquer tirano. Não existem bons e maus tiranos. Existem tiranos e são todos maus. E sim, um Mundial de futebol tem importância e, sobretudo, legitima lideranças por aclamação. Basta ver quem passou pelos camarotes do Mundial da Rússia para perceber isso mesmo.

Resultou, da invasão da Ucrânia, uma nova ordem mundial, que não é ainda mensurável em termos de alterações na balança do poder, mas que nos coloca, desde já, perante a aparente impossibilidade de regressar às relações que o Ocidente teve com a Rússia, até 24 de Fevereiro de 2022. Caso insistamos no erro de nova reaproximação, pelo menos enquanto Putin (ou um dos seus oligarcas) governar, será uma questão de tempo, até à próxima agressão. E a cada agressão que se sucede, ficamos mais fracos. E o Kremlin mais forte. E o equilíbrio da balança menos favorável.

Não haverá solução sem dor. Resta saber até onde vai a nossa coragem para aguentar a dor económica, ou se estamos disponíveis para arriscar a dor física. A situação é complexa, mas a escolha, a meu ver, é muito simples.

Comments


  1. Sim, a escolha é terrivelmente simples. Ou alinhamos com os falcões da aliança bélica mais agressiva de sempre ou com o autocrata Putin e a sua estratégia pró-imperialista.
    E que tal se se começasse a pensar em desanuviar a tempestade, a desescalar o conflito, a procurar soluções sérias que analisem as causas e parem de lançar ainda mais gasolina na fogueira?????

  2. João l Paz says:

    Mais uma vez nem uma palavra sobre o terrorismo do Império dos EUA nesta guerra e noutras em preparação. A dúvida que fica é a de saber se é a CIA ou a NSA (o mais provável) a pagar estas avenças. Tudo o resto está perfeitamente esclarecido.

  3. estevesayres says:

    Todo o apoio à luta da classe operária dos povos da Ucrânia!
    Não à participação de forças armadas portuguesas no conflito inter-imperialista em curso!