A revista de domingo do Público inclui todas as semanas um texto que parte, ao que se explica, de uma conversa, com a jornalista Ana Sousa Dias, e que pretende dar resposta à questão “O que eu sei sobre os homens/ as mulheres”.
Nesta última semana, o convidado era o cineasta António Pedro Vasconcelos (APV) e o excerto da conversa colocado em destaque dizia:
“Não estou a ver uma mulher a ler Montaigne, um dos meus autores de cabeceira”.
Ora, esta afirmação, só por si, já me pareceu motivo mais que suficiente para ler o que APV diz que sabe sobre as mulheres. O taxativo, ainda que circunstancial, “não estou a ver” deixa pouca margem para que alguma criatura do sexo feminino mais afoita se abalance a qualquer um dos volumes dos “Ensaios”.
Seria esta afirmação reveladora de um profundo conhecimento das mulheres ou de um despudorado machismo? Já não era possível voltar a página e ignorar o que o APV sabe sobre as mulheres.
E assim fiquei a saber que APV considera que a obra de Montaigne encerra valores e preocupações masculinos, o que, como é do conhecimento comum, não interessa nada às mulheres.
De resto, APV não se mostra grande apreciador da literatura assinada por mulheres.
“Não imagino um Shakespeare feminino. Só há uma escritora e um livro que me intrigam, talvez o maior livro que alguma vez se escreveu, O Monte dos Vendavais. A Charlotte Brontë intriga-me. Uma miúda que morre cedo, que praticamente não viveu, não teve nada de excepcional na vida dela e escreve aquele livro.”
De facto, é intrigante. Sobretudo, tendo em conta que quem o escreveu foi a irmã, a Emily Brontë, outra miúda que morreu cedo.
Prossegue APV, desta vez sobre a atracção sexual:
“A ambiguidade que há na atracção sexual pode passar pelo mistério, pela sensação de que há ali uma infelicidade que é preciso inverter, no sentido de consolar.”
Bom, aqui há que parar a leitura e reconhecer que este homem sabe mesmo de mulheres. Que pode haver de mais atraente do que uma mulher a pedir consolo? E quanto maior a infelicidade que é preciso inverter mais atractiva a criatura, supõe-se. Se ela estiver num pranto desatado e a arrancar os cabelos então é que apetece mesmo saltar-lhe em cima e inverter-lhe, ali mesmo, a infelicidade.
“As mulheres são mais pragmáticas, têm o sentido do real mais presente. Não é por acaso que as mulheres dão muito melhores secretárias, anotadoras de cinema. (…) Há poucas realizadoras de cinema, mas isso não as diminui, tomara eu não ter esta compulsão! Isto é uma tortura.”
Em síntese, há poucas realizadoras de cinema mas, bem vistas as coisas, isso até é uma sorte para elas porque a criação artística é uma tortura e bem mais aprazível será que elas se dediquem ao secretariado ou à anotação, onde podem dar aplicação útil ao seu pragmatismo, colocando-se ao serviço do espírito visionário do Homem Criador.
Não se pense, contudo, que a obra de APV não dedica às mulheres um papel relevante.
“Nos meus filmes, as mulheres têm um papel muito importante, como têm no Renoir, no Bergman e no Truffaut, em cujos filmes as mulheres são sempre mais fortes que os homens.”
E, aqui, pergunto eu: Quando pensamos na obra de APV, nomeadamente nos seus títulos mais recentes, “Call Girl” ou “A Bela e o Paparazzo”, vem-nos à cabeça Renoir, Bergman e Truffaut? Hummm… Não estou a ver.
Tambem li o artigo Carla, e achei sempre muita piada a estes gajos que têm sempre muito que dizer. Atiram com uns nomes conhecidos para a frente, têm sempre um ror de livros na mesa de cabeceira e o chão “atafulhado” de livros. Não pode ser nunca “cheio” ou com “muitos”, tem que ser mesmo atafulhado.
E, suprema lição, mantê-las em secretárias, isso sim, é um profundo avanço civizacional. Qual é a mulher que quer ser directora? Ninguem…
civilizacional…(falta de uma mulher secretária…)
Bem analisado Carla. Mais do que machismo, a compreensão cautelosa, a condescendência calculada e a aceitação calibrada, cheiram mais a pedantismo.
pelo menos Kathryn Bigelow não se limitou a ser secretária… aparece também nomeada para os Óscares 2010 tal como o seu ex marido Cameron
E eu que sempre pensei que Shakespeare era uma mulher. Não conheço escrita mais feminina do que aquela.
Monte dos vendavias, o maior livro que alguma vez se escreveu. Ele não viu ainda um livro de cozinha que eu tenho e escrito por uma americana, e que é enorme!
Em matéria de cinema prefiro Rohmer. Em matéria de misoginia prefiro o Schopenhauer: mulheres, criaturas de cabelos compridos e ideias curtas.