Pais, a profissão mais antiga e mais desprestigiada do mundo

Começava a escrever este texto, ouvi a notícia que todo o mundo sabe. Às nossas 11.30 de ontem, 9.30 de Lanzarote onde morava, calava para sempre José Saramago. Bom ou não, este texto é para ele, além do escrito em Aventar e em Estrolábio.

A condição da criança dura apenas um instante. Um minuto das várias horas que estruturam o nosso ser histórico. Ser pai é um sentimento que parece durar até o derradeiro dia da nossa vida.

Um dia, sem sabermos, procriamos. A paixão e o desejo desabafam entre dois que, sem darem por isso, passam a ser três. Durante um tempo, óvulo impregnado a crescer no ventre materno. A seguir, os gritos que causam o facto de dar vida. E, instantes depois, começamos a sentir a delícia de sermos pais. Condição que dura apenas um cisco da nossa vida, um minuto das várias horas que estruturam o nosso ser histórico. Procura amamentar-se, as carícias, o aquecimento do colo materno, e, às vezes, o cheiro do corpo paterno. Normalmente, a confecção não é pronto-a-vestir: fica no topo de todos, o percurso de transferir ideias, afectividades, palavras, sentimentos. Especialmente sentimentos da servidão do adulto que faz ver, à criança que procura, com olhos que ainda não vêem, qual é o seu lugar no mundo.

Sermos pais é um sentimento que parece durar até ao derradeiro dia das nossas vidas, mas na verdade é uma antiga profissão que dura apenas um curto espaço de tempo.

Porque a primeira questão que aparece na mente do novo ser é perguntar-se, tal como Roy Lewis no seu texto de 1960, Por que comi o meu pai? Na procura de o eliminar; imagina novas e melhores maneiras de brincar à John Locke de 1666, para que os seus adultos venham a criar um Ensaio sobre Tolerância com ele, ou a magicar, à Rousseau de 1754, uma explicação sobre A origem de desigualdade entre os seres humanos.

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