Há dois dias, ao associar-me à homenagem a Saramago do companheiro de blogue Pedro Correia, denunciei a hipocrisia de certas figuras do centro e de direita, a enfunar simulados desgostos pela morte de José Saramago. Tinha, pouco antes, assistido na SIC a declarações cínicas de uns quantos, incluindo um padre, a elogiar a obra e o escritor. Senti – aliás, qualquer espectador atento sentiria – haver falsidade nos rostos e nas palavras daquela gente.
O Jornal “i” anuncia, agora, que o Presidente da República não comparecerá ao funeral de José Saramago. Considero coerente e correcto. Na qualidade de PR, limitou-se a palavras circunstanciais: “O País perde uma referência cultural”; entendeu, e bem, distanciar-se para posição consistente com a deliberação anunciada pelo Subsecretário de Estado da Cultura, o amanuense Sousa Lara, de um Governo por si liderado em 1992 – tal deliberação impediu, como se sabe, a candidatura do escritor ao Prémio Europeu de Literatura, com o “Evangelho segundo Jesus Cristo”.
As divergências políticas e religiosas, em especial, não se extinguem com a morte de uma das partes. Ao PR é reconhecido o direito de exercer a prerrogativa da objecção de consciência. E fá-lo com dignidade demolidora para as palavras insensatas do Conselheiro de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, ao considerar que Cavaco não estará presente fisicamente, mas em espírito sim – isto, sim, exala cinismo por todos os orifícios!
O cidadão José Saramago, com quem tive o prazer de privar, partirá naturalmente com a presença daqueles que, em vida, o admiraram como homem. Mas a obra legada jamais o deixará partir definitivamente. O escritor será figura perene da História da Literatura Portuguesa. Goste-se ou não.
Carlos,
O tom do teu post parece-me certo, mas aponto-lhe um senão. O Sr. Aníbal tem o direito de desprezar o escritor Saramago como lhe apetecer. Acontece que agora o Sr. Aníbal é PR e não Presidente do Cavaquistão. Ao PR exige-se que respeite a figura de Saramago.
Mas o caso é outro. Depois da promulgação – da forma serpentilínea com que o fez – da lei do casamento homossexual e depois das sequentes reacções da direita pedindo a sua cabeça, o homem está a fazer contas aos votos e à sua liliputeana vidinha.
Pedro,
Acho que não existe diferença substancial entre as nossas posições.
Eu prefiro o comportamento do Aníbal, o autêntico, à hipocrisia. Ir ao funeral, isso sim, constituiria um acto de cinismo dos mais espúrios.
Mas, também como dizes, os votos e os devotos não o deixam. E para hipocrisias já há o Marcelo.