Escadas até ao céu

As obras arquitectónicas, aquelas criadas com a intenção de perpetuarem o regime que as ergueram, sofrem  dos inevitáveis debates por quem nelas vê tempos a olvidar. No entanto, com o decorrer da gerações, as gentes vão-se habituando e adoptam-nas como património. É este, o destino reservado às escadarias da Universidade de Coimbra. Goste-se ou não se goste do estilo ou da mensagem. Foram construídas e para sempre alteraram a malha urbana da cidade dos estudantes.

Escadas destas existem na Alemanha, Rússia, no monumento a Vítor Manuel II – em Roma -, em quase todas as capitais do leste europeu, em Pequim e Piong-Iang. Com o fito de glorificarem os poderes então instituídos, ergueram-se também na Mesopotâmia, Antigo Egipto e América Central. Têm vários tipos de mensagem, desde a vitória sobre as dificuldades topográficas, até a interpretações mais etéreas, aproximando os homens do topo, podendo este ser terreno ou celestial.

Em alguns casos, as escadas conduzem-nos a um espaço onde prepondera a figura de um Grande Chefe, chame-se ele Mao, Lenine, Kim il Sung ou Estaline. No caso coimbrão, trata-se da Universidade mais antiga do país e quando da construção do conjunto monumental, pretendeu-se marcar a posição e o activismo construtor da 2ª República e de Salazar. Nada de espantoso, pois em Paris fez-se o mesmo no Trocadero, obedecendo aos mesmos requisitos arquitectónicos que aproximavam regimes liberais como a 3ª República francesa, a Itália de Mussolini, a Rússia soviética, a Alemanha nacional-socialista ou os Estados Unidos da América.

Estamos seguros de que dentro de duas gerações, as escadarias ainda lá estarão. Desaparecidas as gentes que viveram o período compreendido pelos anos de 1926-74, a mensagem política ter-se-á desvanecido. Quanto à permanência temporal, não poderemos garantir a mesma sobrevivência à CDU ou a qualquer outro Partido do nosso ambiente político de início de século.

* Na imagem, a grande escadaria de Odessa, filmada por Eisenstein para o seu filme O Couraçado de Potemkine.

Comments

  1. Não estejas assim tão seguro: o Polo I vai ser intervencionado, e muito, propostas para no mínimo alterar o mamarracho existem. Nada comparável ao parque de estacionamento que vai levar no cimo, debaixo do outro mamarracho e em cima da História da cidade. As escadas são más pelo efeito cenográfico que é tolo, e também por serem desumanas para que as utiliza. Espero que levem com uma marca de contemporaneidade que bem precisam.
    De resto as escadas que lá estavam foram demolidas, nada obsta a que se faça o mesmo a estas.
    E já agora a tua ilustração desconfio que mostra umas escadas czaristas para o céu, dada a data em que o filme foi feito…

    • Nuno Castelo-Branco says:

      Sim, as escadas são da época czarista, aliás prodigamente copiada por Estaline.

  2. Nuno Castelo-Branco says:

    Vão ser “intervencionadas”? Ora, ora… Espero para ver. Quando falam dessas coisas, quer dizer demolição. Olha o que o Cutileiro fez no cimo do Parque Eduardo VII. Rebentou com o plinto que um dia “ostentaria” uma estátua e lá fez aquele pirilauzeco ridículo, ao lado das colunas do Estado Novo. Assim, aparece um monumento ao 25 de Abril minúsculo, situado entre duas enormes colunas do regime que depôs. Ainda por cima, as tais colunas ostentam duas brilhantes coroas de louros. Se isto não é parvoíce como mensagem, é o quê?
    Bem vistas as coisas e dada a faina diurna e nocturna que pelo Parque labuta, até está bem visto. Um pirilauzeco minúsculo, jorrando uma suspeita aguadilha. Bolas…

    Não tenhas ilusões. Se querem fazer uma intervenção nesse local, isso apenas corresponderá ao desejo de “rentabilização”, ou seja, um parking ou algo ainda pior (?). Lá vem uma espécie de taveirada, ou uma tristeza qualquer galardoada com “prémios internacionais”.
    Arranjem outra solução para a acessibilidade, mas não vale a pena continuarmos a liquidar com o passado, seja ele qual for. Sinceramente, não percebo a ideia. Era o mesmo que desatar a derrubar todas as construções estalinistas em Moscovo ou mussolinianas em Roma. Um disparate. Assim, não vamos a lado nenhum.

    • Nuno, em Coimbra não há taveiradas nem cutileiradas: aqui é mais escola do Byrne (com algumas coisas más, note-se), Souto, Siza. Tens inbêja? pois pois.

      A intervenção está ligada à candidatura a Património Mundial e ao facto de o Polo I ficar com edifícios vazios (umas privatizações à vista). Donde, talvez se faça, e a sério.

      • Nuno Castelo-Branco says:

        Bom, talvez fosse boa ideia começarem por recuperar os muitos e lindos edifícios quase arruinados que vi pela baixa e à beira-rio. Deixem-se de soutices e sizadas. Comecem pelo que já está e depois, se houver dinheiro, faça-se o resto. Quando as coisas tê a assinatura dos arquitectos de renome, “pronto”, já está, a coisa abençoa-se. Mas de onde vem o dinheiro e a quem aproveita? Aos betoneiros de sempre. Ora, ora…

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