Agricultura e tempo

 

 Os tempos mudam como o comércio. Estamos falidos, mas sabemos como nos defender. O que era agricultura´hoje em dia é jardinagem de plantas exótica que vendem como um raio de luz 

Ao longo do tempo, durante milhares de anos, a horticultura, a fruticultura, as ervas e as plantas, têm sido a base da dieta, têm sido a base do sustento dos seres humanos. A jardinagem, no começo dos tempos da agricultura, não era uma actividade usada de forma sistemática. Comia-se do que a natureza dava, como prova Roy Lewis no seu livro The Evolution of Man, 1960, Editora Hutchinson, versão portuguesa intitulada Por que como o meu pai? Editora Hagá, 1992, com versão francesa do mesmo ano, editado por Actes Sud: Pourqoi j’ai mangé mon père, pergunta afirmativa nas versões britânica e francesa, mais duvidosa na portuguesa, facto que me parece natural. O nosso País tem sempre duvidado dos seus afazeres, como temos observado recentemente na guerra política que se tem desenvolvido na nossa República nos anos recentes. A agricultura britânica e francesa, foram prósperas não apenas por ter boa

terra, bem como porque havia uma ordem social entre os agricultores. A primeira noção de como e quando começara a agricultura como comércio, nasce das odeias do pai da economia, François Quesnay, (Méré, 4 de Junho de 1694Paris, 16 de Dezembro de 1774. Era filho e netos de pequenos proprietários, tendo ele próprio trabalhado nos campos, até o dia em que os seu pais o enviaram a Paris para estudar medicina. Convertido em excelente médico, protegido da amante do Rei Luís XV, Madame de Pompadour, passa a ser parte da nobreza, a residir em Versalhes com os seus monárquicos doentes, a sua parentela e dos membros da corte. Foi convidado a escrever na Enciclopédia de Diderot Dois textos são importantes. Quesnay começa a interessar-se pelas questões de economia, tendo contribuído com os artigos Rendeiros (1756) e Cereais (1757) na Encyclopédie de D´Alembert e Diderot. O seu círculo de amigos e discípulos incluía Gournay, o marquês de Mirabeau e Dupont de Nemours. Em 1758 publicou a sua principal obra, Tableau Économique (Quadro Económico), a que se seguiu, em 1760, Maximes générales du gouvernement économique d´un royaume agricole. Fonte: a Enciclopédia de D’Alembert e Diderot. Tenho comigo os textos de Quesnay e Diderot, sobre o valor da agricultura.

Bem sabemos que existia uma grande rivalidade entre a França e a Inglaterra, por causa da origem da mais-valia. Com os seus amigos, citados antes, cria a o partido da Fisiocracia, alegando que a riqueza vem da terra e não da indústria. A indústria é apenas uma transformadora de produtos da terra, ou da maquinaria, que a seguir, comercializa e vende, sem reparar no investimento em dinheiro que é feito para fazer da Agricultura, uma indústria comercial, que eleva os preços dos produtos da terra. Quesnay, nestes primeiros tempos da ruralidade como teoria, repara que os trabalhadores do campo não sabem como organizar a produção de horticultura, do gado e do pagamento pela renda da terra, propriedades normalmente de membros da corte ou de Senhores que moravam nos seus paços no campo, arrendavam a terra a camponeses, que, uma vez por ano, devia entregar uma grande parte do produto ao Senhor da terra. O proprietário guardava os produtos, os comercializava e usufruía do dinheiro ganho no comércio dos produtos, sendo apenas uma parte de colheita que era guardada pelo trabalhador rural. Quesnay acreditava que apenas a agricultura era criadora de riqueza, já que a indústria limitava-se a transformar a matéria. Assim, os indivíduos mais úteis à sociedade eram os grandes proprietários e os fazendeiros. Opunha-se às teorias mercantilistas, defendendo que os entraves à produção, circulação e consumo de géneros deveriam ser suprimidos. Trata-se pois de uma visão defensora da liberdade económica, expressa na máxima laissez-faire, laissez passer (deixem fazer, deixem passar, este era o símbolo do liberalismo). O melhor Estado era aquele que menos governava e este só se deveria interessar com a manutenção da ordem, da propriedade e da liberdade individual. As suas teorias seriam desenvolvidas pelos seus discípulos (Turgot, Gournay) e viriam a influenciar o pensamento de Adam Smith, porém, à agricultura britânica, que passara a ser uma indústria liderada por David Ricardo, o português fugido à Grã-Bretanha, por causa de inquisição, e ele era judeu. No seu texto Princípios de Economia Política e Tributação (1817), expõe suas principais teses. Defende a livre competição no comércio internacional, com a especialização dos países na produção de determinados bens, o que beneficiaria compradores e vendedores.

Quesnay, já falecido, pensaria que estes princípios de tributação eram parte da riqueza de nação, como fez Karl Heinrich Pembroke Marx. Se Quesnay e Ricardo houvessem vivido no mesmo tempo, haveria uma coincidência de ideias. Apenas que, Ricardo orientou-se por Quesnay para desenvolver a agricultura. Ricardo tinha criado indústrias de pano e tecidos em Manchester e todos os trabalhadores do campo, iam às indústrias, abandonando as ruralidades. Foi a ideia deste anglo-português de submeter a tributação aos que abandonaram o campi e fossem trabalhar à cidade. As terras foram cercadas e era obrigação dos trabalhadores produzir nestes enclaves; se assim não for, deviam ser punidos com tributos. Passou a ser denominada a lei da renda: tantas horas trabalhadas, tantos peniques recebiam os rurais. Lei usada, rapinada, por Marx para a sua teoria de sermos todos iguais, com propriedade e mais-valia derivada do lucro da propriedade comum.

Quesnay tinha observado que o trabalho na agricultura, para ele fonte de riqueza como para todos os fisiocratas, era de imenso desordem. A horticultura era tratada conforme as rendas que deviam pagar, pelo que era um desastre semear no verão e colectar o produto no inverno. A agricultura era uma grande desordem, por causa das rendas que os proprietários procuravam cada vez que as suas arcas estavam vazias. Bem como, a criação de animais, era feita em qualquer época dos anos e os rendeiros perdiam por causa da morte dos animais.

Médico como era, o nosso analisado, escreveu dois textos de grande importância para a riqueza dos trabalhadores, e, em consequência, para os proprietários. Foi-se embora as suas propriedades, para ensinar que o trigo deve ser semeado no inverno e colectado no verão, quando já estava a planta já estava seca e com fruto para ser usado para fazer farinha. Os textos Rendeiros e Cereais, citados antes, passaram a ser fundamentais para os agricultores da França e de outros países. A agricultura começou a render por causa da ordem com que os produtos eram tratados.

Uma anedota para aligeirar o texto. Vacas e touros eram cruzados em qualquer época do ano, pelo que muitos vitelos morriam ao nascer por causa do frio o de erva para as vacas comer e produzir leite. Alimento que tinha dois destinos: amamentar as crias e vender como bem de comércio para os que não tinham nem terras nem animais. A indústria ficou beneficiada com a obtenção de um bem que era distribuído entre os trabalhadores da usina, e para levar as suas famílias a casa. Os animais reprodutores, eram separados em corrais, conforme o objectivo para o que estavam destinados: as vacas e os touros, em currais diferentes, para não haver cruzamentos em épocas não convenientes para o nascimento de vitelos ou bezerros. Os porcos, que eram a lixeira da casa, em curral separado para consumir o que em casa não era usado; as cabras e ovelhas, que precisavam de erva, num curral diferente, sendo as cabras que comiam hortaliças, silvas, arbustos, eram guardadas em currais largos, com rapazes sempre a tomar conta dos animais, para não consumirem frutos, cereais e outras plantas, necessárias para ser consumidas em casa ou para serem vendidas na feira ou no mercado.

Parece-me que a partir do Século XVIII, com a teoria fisiocrata, espalhada pelo mundo inteiro, a agricultura melhorou notavelmente. Antes, os animais andavam soltos e consumiam as plantas destinadas para o consumo do lar. Entre Quesnay, Smith, Ricardo e Marx, passou a ser uma indústria que rendia lucros altos. Mais tarde, a agricultura passou a ser uma indústria lucrativa, com máquinas para tratar de plantas e animais.

Mas, são tempos passados, que gosto imenso abordar. Não é apenas plantas e animais que nos interessem. Em tempos, não havia nem vacinas, nem remédios para plantas infectadas ou animais doentes. A agricultura estava entregue a natureza e ao seu livre crescimento. As ruralidades eram um risco, normalmente eram pagas pelos trabalhadores ao se descontar do rendimento do trabalhador, todo e qualquer desastre natural que leva-se a perder lucro ao proprietário do bem tais. Antigamente, havia quatro contratos: o do uso da terra, o do usufruto do seu resultado, partilhado com o proprietário, o de parceria e de caseiros, que trabalhavam para entregar a metade do produto ao proprietário do quarto direito: o do raiz, que definia quem era quem podia retirar os contratos e transferi-los a outros.

A salvação do trabalhador era a sua Divindade, à quem encomendavam todos os seus trabalhos. Não é por acaso que tenho inserido a pintura de Jean François Millet, os operários a rezar o angelus para ter sorte no trabalho, na produção e na colheita, bem como em comercializar os seus. Se assim não for, quem os podia salvar das garras do proprietário do direito de raiz?

A forma antiga da ruralidade, era denominada reciprocidade. Por outras palavras, pessoas de família a colaborar no trabalho dos outros, ou amigos pessoais, todos eles recebiam, a seguir, a colaboração de família acudida. Mais do que uma vez, tenho definido esta forma de ruralidade, até denomina-la presente com mais-valia. Quem queira saber mais, pode aceder ao meu livro O presente, essa grande mentira social. A mais-valia na reciprocidade, Afontamento, 2007. Ou a primeira vez que defini esta forma de trabalho mancomunado: Antropologia económica de la Galicia Rural, 1988, Xunta de Galiza, tradução do escrito inglês em 1980, editado pela Cambidge University Press. Em todos estes textos, e mais outros louvo essa forma familiar de colaboração. Para provar esta hipótese, criada em 1924 por Marcel Mauss, a contra prova: estava eu um dia parado na porta da minha casa da aldeia de Vilatuxe, nos anos 70, passou por mim uma vizinha e amiga da família Ferradás, com essa confiança que tínhamos, lembrei-lhe que no dia seguinte era a malha de Santiago o Padeiro e que contávamos com ela. Nem curta nem preguiçosa, Conceição Ferradás ripostou: eu tive a minha a semana passada é os Penteado, nome de família do Padeiro, no apareceram. Don Raúl, a dívida está saldado: eu sou tão parente de Felicitas Ferradás de Penteado, como ela de mim; se ela não ajuda, e repare que são oito nessa casa, eu e a minha família, a deles não aparecemos. Parente é parente e tem as suas obrigações, eles não cumpriram com a deles, eu riposto com a mesma atitude, estamos entendidos, meu senhor?

As formas rurais dos anos 70 do século passado, eram diferentes: todo feito a mão, com arado, com forquilha puxada por vacas ou bois o pelas próprias pessoas, onde eu estava incluído, caso fossem tão pobres que não no tivessem animais. Os animais entravam também nesta forma de trabalho. O único que tinha cavalo era o meu amigo pastor de cabras, Hermínio Medela Taín. Esse que denomino compadre-avô por me ter acolhido na sua casa em 1997, quando tornei a estudar Vilatuxe, 24 anos mais tarde. Nada me cobraram e, em reciprocidade, investiguei a sua vida e descobri que era primo do Duque de Alba, que ma Galiza é Conde de Lemos. Eram parentes, de facto, mas quando em 1870 amonarquia caiu, os aristocratas de Vilatuxe foram invadidos, expulsos e ficaram sem terras. O meu amigo não sabia de esta história, essa minha descoberta com a sua filha mais nova, Pilar Medela Dobarro. Foi assim que por meios legais, recuperaram as suas propriedades, mas não o título: eram os primos enviados pelos Duques e Condes para vigiar que os jornaleiros trabalhassem. Não em vida de Hermínio, mas nos tempos da ditadura da aristocracia, porém, avôs e tios do século XIX. Era evidente que os jornaleiros e trabalhadores rurais, que habitavam as casas dos condes e duques, pagavam renda, com contrato estipulado pelos anos que vive-se o proprietário, ou a vida de três Papas, e outras formas de contratar com pessoas que não sabiam mais do que trabalhar, nem liam nem conheciam a letra o por redonda que fosse, apenas cabiam acordos com metáforas de uma povoação que sim sabiam de religião, missa e outras metáforas: era o contrato de usufruto, o mais usado.

As ruralidades usavam também a pastorícia, o cuidado do gado e das cabras. Quando éramos mais novos, Hermínio e eu tomávamos conta do rebanho de cabras e ovelhas, enquanto falávamos de agricultura e andávamos a tomar conta que as cabras, ao todo mais de cinquenta, no forem comer a sítios afastados dos pastores, Hermínio e eu. Bem como tratavam as dejecções dos animais, como adubo: abria-se um buraco profundo, misturava-se com plantas de toxo e de xesta com essa flor amarela, cobria-se com terra, até apodrecer durante um ano e servir de adubo para o ano seguinte. Não havia, como hoje, adubos químicos, apesar de se usar outra vez a agricultura de flora e fauna ou adubo vegetal, que nem mata nem faz doentes as pessoas. Eu diria que estamos a tornar às formas antigas de agricultura, por causa dos produtos químicos são capazes de fazer crescer plantas e alimentos cultivados, mas fazem mal a saúde.

Com todo, a hesitação entre as formas tradicionais e as novas, eram um quebra cabeça pata as pessoas. O primeiro em comprar um tractor em Vilatuxe, foi Santiago o Padeiro. Começou a usa-lo, toda a paroquia de todos os sítios foram ver e comentavam que o Padeiro estava doido: o fumo do carburador mata e existe o risco de voltar e matar ao maquinista. Apesar destas ideias, nos anos noventa, quando tornei a um prolongado trabalho de campo em Vilatuxe, observei que era ordem legal usar tractores. Meu amigo e vizinho de Carretera, a nossa aldeia de Paroquia, Eduardo Fernández Ramos, já com setenta anos teve que aprender a conduzir, pela primeira vez na sua vida, era um perigo para ele e para todos, mas ainda é vivo….

Raúl Iturra

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