O fosso que todos ajudamos a cavar

O fosso de que se trata neste post é aquele que “se cava” entre a política e a vida.

Não somos apenas nós, cidadãos comuns, que o dizemos (sobretudo sentimos). São também, pelos vistos, alguns políticos como o deputado do PS Francisco Assis, que escreveu ontem no Público: “Quando entre a política e a vida se cava um fosso, tudo pode acontecer”.

Eu quero e preciso acreditar que ele, enquanto agente político, está a ser sincero e a trabalhar no bom sentido ou de boa fé para o bem comum.

Ele reconhece a “profunda distância que separa o discurso prevalecente na política do mundo concreto da vida”.

Ele sabe, ou finge saber, ou isso lhe interessa (maquiavelicamente) que, para nós, homens e mulheres comuns,  os discursos políticos já não significam nada, que são «montados» de “palavras ocas”. Assis refere-se sobretudo aos homens e mulheres “que se limitam a viver uma vida sem esperança, sem futuro, sem projecto, quase sem dignidade”.

“Tudo pode acontecer”. Tudo pode acontecer quando se cava um fosso entre a política e a vida. Já conhecemos muitos exemplos disso mesmo.

O fosso está cada vez mais profundo.

Mas nós, às vezes, damos uma ajudinha e não é só pelo voto…

Um exemplo: foram criados 1008 movimentos na sequência da iniciativa do governo «O Meu Movimento». Ideias boas e reveladoras de um interesse genuíno dos portugueses em melhorar este país. 

Um apenas foi recebido pelo PM (eles a cavar com toda a força): o movimento denominado «Abolição das Corridas de Touros». Teve mais de 8000 apoiantes (a nossa ajudinha). Não havia causas mais importantes a apoiar? Porque ganhou esta? O que se passa connosco? De que estamos à espera?

Não sou contra os touros, mas os portugueses estão a precisar mais de serem ouvidos e atendidos… Foi desperdiçada uma grande oportunidade.  Mais de 1000 pessoas registaram as suas preocupações através da criação do «seu» movimento, para depois ser selecionado apenas 1. Entre os 4 primeiros com mais apoiantes, 2 manifestam preocupação pelos animais…

Para quando uma audiência com os graves problemas das pessoas?

Uma vergonha.

Comments

  1. Gostei do seu escrito Maria do Ceu, nem sempre em politica o que parece, é!

  2. sibila says:

    O problema é que em Portugal é vergonhosa a forma como se tratam os animais. A escolha do movimento que ganhou foi feita pelas pessoas. Se calhar, pessoas que são mais “humanas” do que as que querem a defesa das “pessoas”. Gente que não aceita que se possam torturar seres vivos sem impunidade. Talvez um pouco mais de civilidade, e já agora aceitação das regras democráticas, não fizessem nada mal pelo nosso país.

  3. Pedro da Silva Coelho says:

    Ex.ma Sra.,

    O deputado Francisco Assis escreveu

    “[…] que se limitam a viver uma vida sem esperança, sem futuro, sem projecto, quase sem dignidade […]”.

    e não

    “[…] que se limitam a viver uma vida sem esperança, sem futuro, sem projeto, quase sem dignidade […]”.

    Como saberá, o deputado Francisco Assis expressou publicamente a sua rejeição do daninho e ignorante Acordo (dis)Ortográfico da Língua Portuguesa (1990). Já V. Exa. parece havê-lo adoptado nos seus escritos.
    Tem V. Exa., naturalmente, o direito de escrever como bem entender. Pode até, se assim o decidir, utilizar uma grafia pessoal, um idiografolecto apenas seu. No entanto, queira V. Exa. fazer o favor de, quando cita, respeitar as opções ortográficas do deputado (bem assim como de qualquer outra pessoa, claro está).

    Cumprimentos.

    • Maria do Céu Mota says:

      Caro, Pedro
      já corrigi. Tem toda a razão. A pressa é inimiga da perfeição. Espero não ter esquecido mais nenhuma letra…

    • Exmo. Sr. Pedro da Silva Coelho,

      Muito obrigada pelas gargalhadas que me proporcionou! De facto, é muito pertinente a exactidão preciosista de V. Exa..

      Num país em queda livre, em que os cidadãos passam fome, em que as prepotências e as ditaduras pululam em todos os antros do poder, em que os mais elementares direitos humanos são pisados e em que a dignidade se tornou um defeito e a iniquidade uma virtude, vem V. Exa. (e ainda por cima como interposto de terceira pessoa!) reparar no detalhe da falta de um “c” numa determinada palavra entre tantas! Que visão aguda e que raciocínio incisivo!

      Permita-me, no entanto, que lhe pergunte: para além da falta do “c”, conseguiu V. Exa. percepcionar o alcance do significado do texto? Ou deixou passar a caravana inteira sem dar por ela porque apenas se preocupou com o canito que a seguia?

      Enfim, haja paciência!

      Atentamente,

  4. Xarope d'Alho says:

    Um post completamente hipócrita.

  5. Cara Céu, na realidade, e a meu ver, existe um fosso enorme, quase intransponível. Mas tem razão de ser. O discurso político (que deveria ser o meio de comunicação privilegiado entre o político e as gentes) é exclusivamente verbo-de-encher e simultaneamente arma de persuasão e manipulação, já seja a nível partidário, a nível da AR ou a nível do governo (exemplo seguido a preceito pelos políticos menores: os autarcas, os vereadores, os presidentes de junta, etc.). E tem sido sempre assim. Diz-se o que não se faz e faz-se o que não se diz. E quem tem dois dedos de testa sabe muito bem que assim é.

    Ao político, contrariamente ao que prega, não interessam as pessoas. Essas são meros números, meras unidades para fins estatísticos. Ao político o que interessa é fazer obra (não importa quão absurda ou imprestável seja, não importa o quanto possa prejudicar as pessoas!) que lhe dê relevo, que o ponha na ribalta, que lhe assegure um lugar na história e um comitiva ininterrupta de microfones e câmaras de filmar. Este é o principal interesse manifesto do político, porque paralelamente a esse, com objectivos bem mais ambiciosos mas hipocritamente ocultos, estão os outros dois: dinheiro e poder! E estes últimos é que impulsionam o político, não as pessoas, não as necessidades das pessoas, não as injustiças.

    O político que quer verdadeiramente melhorar as condições do seu país, o político honesto e humano, não existe. O político actual, imbuído da sensibilidade de um pedregulho, vê o país e as pessoas como uma empresa gigantesca onde pode fazer carreira e assegurar o futuro.

    Conheci e conheço alguns políticos. Prefiro mil vezes os senhores e as senhoras que varrem a minha rua…

  6. Compreendo bem a indignação da Céu e, em certa medida, todos somos cúmplices da cavação do fosso. Mas por outro lado, não me oferece nenhuma credibilidade uma iniciativa calculada pelo governo para dar voz às pessoas, implicando o seu tempo numa ilusão que só fica congelada nas montras duma página de “estética” propagandísticamente governamental. E a vida vai passando…
    Penso que não têm porque ser comparáveis nem excluintes, causa humana e animal. É monstruosidade atiçar ou massacrar animais ou pessoas.

  7. Jorge Ralha says:

    Srª Dª Isabel G.,
    Gostei do seu texto; permita-me uma pequena rectificação:
    de alguém que “diz o que não faz e faz o que não diz” costuma aplicar-se-lhe(s) o epíteto de ALDRABÃO, GATUNO, DESONESTO, ETC.ETC..

    • Obrigada, caro Jorge! Tem toda a razão; a mim, por vezes, é que me faltam as palavras mais certas! 😉

  8. Ai… As pessoas… As pessoas em 1º lugar… Sempre que leio frases destas não sei porquê, dá-me para RIR 😆
    Só porque um conjunto das tais pessoas se uniu para defender aquilo que consideram ser algo de positivo e bom para outro ser vivo, e terem assim ganho um tipo de concurso, provoca aversão nos que não foram capazes de reunir e organizar e motivar outras pessoas para aquilo que estas pessoas acham que devia ser importante…
    Se acham que há assim tanta coisa e que ” os portugueses estão a precisar mais de serem ouvidos e atendidos…” então façam o que fizerem as pessoas que ganharam o concurso! Se eles o ganharam por algum motivo foi…
    Não venham é agora reclamar da vossa própria falta de capacidade para organizar e motivar as tais outras pessoas…
    Quanto às questões “O que se passa connosco? De que estamos à espera?” Para mim a resposta é simples… O BACF está a trabalhar a bom ritmo!

  9. Xarope d'Alho says:

    Mas desde quando a defesa dos direitos dos animais colide com a luta contra as dificuldades das pessoas?

    Ó senhora Dona Maria do Céu, porque não faz um post sobre a peste futebolística que parece ter contaminado este povo, carentes incluídos.

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