Postcards from Romania (29)

Nove horas de comboio

A Eniko vem para me levar à estação e despedir-se de mim. Custa um bocadinho, é certo, abraços e beijos e eu entro no comboio que me há-de levar a Bucareste supostamente em 8 horas e meia e a Eniko ali fica, do outro lado da janela, as duas maluquinhas a falar por gestos, a mandarmos beijinhos, a sermos ternas. E eu cá acho bonito.

O comboio parte da estação de Cluj-Napoca às 14h10 em ponto. Quem disse que na Roménia os comboios não andam a horas, engana-se. Partem geralmente a horas, mas algures pelo caminho vão perdendo a pontualidade… tem sido sempre assim. De qualquer forma os atrasos, mesmo do regional velhíssimo em que andei entre Brasov e Sighisoara, nunca ultrapassaram a meia hora. Aconteceu hoje e em vez das 8 horas e meia, demorámos 9h a percorrer um pouco mais de 400 km. São imensas horas, bem sei, para tão pouca distância. Mas a linha entre Cluj e Brasov é antiga e, embora o comboio – um intercity – suportasse velocidades maiores, a linha não. Por isso, nada a fazer senão estar fechada dentro do comboio as horas que forem precisas. A minha mãe há-de gostar de saber que só fumei, nessas 9 horas, quatro cigarros. Sinceramente, tenho os níveis de nicotina muito em baixo, embora tenha tentado repô-los assim que me apanhei na Gara Nord, em Bucareste.

Quando digo demorámos, falo de mim e dos meus companheiros de viagem. Praticamente todos os que entraram, na mesma carruagem, em Cluj, só haveriam de sair em Bucareste e, digamos que, em 9 horas, quando pessoas partilham o mesmo espaço é impossível não conviver. Primeiro convive-se com os fumadores. Que, tal como eu, sabem onde o comboio pára por mais tempo. Em Teuis, em Medias, a seguir Brasov e, confesso, o quarto cigarro foi fumado mesmo dentro do comboio, com a porta aberta. Na Roménia, sê romeno, portanto imitei os outros. Que mais há a fazer?

Depois, convive-se com quem calha, na verdade, no corredor por onde se dá pequenos passeios para desentorpecer as pernas, com o rapaz da frente que adormece a toda à hora, às vezes completamente espalhado por cima da mesa que partilhamos, sem ligar nenhuma se eu terei ou não espaço e usando, até, o meu casaco como almofada. Mas o puto não há-de ter mais de 20 anos, podia ser meu filho, não lhe digo nada, deixo-o dormir sossegado. Depois com a rapariga que passa o tempo a espirrar e parece um pouco tonta, gostava de ser Húngara e não Romena, nem me atrevo, não me apetece, a perguntar-lhe porquê. Mas é simpática, dois dedos de conversa aqui e mais dois ali, à saída dá-me um beijinho e deseja-me ‘mult noroc’.

Ninguém me volte a dizer que os romenos são rudes. Há, nos romenos, em toda a parte onde estive até agora, uma atenção e um cuidado, uma generosidade que não sei adjetivar, mas seria necessário, creio, encontrar uma palavra ou mesmo várias. Assim que entrei no comboio e alcancei o meu lugar, um rapaz saltou do banco, agarrou-me na mala e colocou-a no sítio, por cima da minha cabeça. À saída, sem eu dizer nada, um homem precipitou-se do fundo da carruagem e perguntou-me se queria ajuda para tirar a mala. E tirou-a antes de eu poder responder. Um moço que vinha na mesma carruagem, ajudou-me a encontrar um táxi, já em Bucareste, um bom táxi, cujo taxista não me roubasse no preço.

Nove horas de comboio pode ser muito ou ser pouco. Às vezes foi muito, mas, quase sempre, foi muito pouco.

(No comboio, entre Cluj-Napoca e Bucareste, 14 de Agosto de 2012)

Comments

  1. maria celeste ramos says:

    Sem manias de TGVs para andar 800 km NS ou 200 WE as distâncias portuguesas em que correndo a 300 Km/h não dá para parar em lado nenhum e ver paisagens a correr desfocadas e ter janelas trancadas em que nada há para abrir e deixar entrar o ar pois os sofisticados gostam de andar trancados de janelas de vidros inteiros e ar condicionado e não ver as estações nem os painéis de azuejo nem as trepadeiras de campaínhas azuis – andar de avião por terra sem ver a terra pouca terra muita terra nem o homem dos combóios com um marlelo a bater nas rodas dos combóios – todos querem ter tudo igual a todos sem alternativas – que bom e bonito é andar no intercidades – quem não quer ver por onde passa vá de avião

  2. Elisabete Figueiredo says:

    exatamente. Eu às vezes quero ver bem por onde passo, como nesta viagem. Outras vezes só quero chegar o mais depressa possível 🙂

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