O pequeno Chipre e as imensas trevas do ‘euro’

Houve 1,2 milhões de Austríacos que prestaram serviço durante a guerra nas unidades alemãs. Os Austríacos estavam sobre-representados nas SS e nas administrações dos campos de concentração. A vida pública e alta cultura austríacas estavam cheias de simpatizantes do nazismo. Por exemplo, 45 dos 117 membros da Orquestra Filarmónica de Viena eram nazis (enquanto a Filarmónica de Berlim tinha apenas 8 membros do Partido Nazi em 110 músicos).

Tony Judt em ‘Pós-Guerra – História da Europa desde 1945’, página 77

Esta citação, destinada em especial aos mal-informados ou mal-intencionados, serve para demonstrar que a sintonia e a concertação entre Austríacos e Alemães têm constituído, de facto, um fenómeno da História desde há muito – o próprio Thomas Mann, alemão e Nobel da Literatura, faz referência a essa cumplicidade em ‘A Montanha Mágica’.

Consequentemente, e na voracidade com que os actuais líderes Alemães e Austríacos estão empenhados em alimentar a turbulência da UE e da Zona Euro, a partir da descapitalização e necessidades de financiamento da banca cipriota, não é surpreendente a seguinte revelação do ‘Expresso’:

Marcando já terreno, o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schaeuble, afirma  no “Welt am Sonntag” que “não será chantageado por Chipre”. Entretanto, também,  Ewald Nowotny, o, o governador do Banco Central da Áustria, repetiu, na edição de  fim de semana do jornal “Oesterreich”, o argumento da chanceler alemã Ângela  Merkel que o “modelo de negócio” de Chipre é insustentável.

Etapa a etapa, e sempre no sentido progressivo em relação ao domínio económico e financeiro da Europa, a Alemanha soube gerir as ajudas, essas sim autênticas ajudas, de que beneficiou no Pós-Guerra, nas quais se devem integrar os custos que passou a terceiros no processo de reunificação – a isto, juntou a solidariedade de antigos e novos Sudetas e desprezou os princípios de coesão e os compromissos de interesse colectivo da CEE, depois UE.

O Chipre agora é uma espécie de ‘saco de boxe’, batido com raiva e insistência, por se tratar de ‘paraíso fiscal’. Se, por captação de capitais inerentes a “lavagens”, o Chipre tem desempenhado esse papel a ponto do sector bancário representar 5 vezes o PIB do País. Então que dizer do Luxemburgo, cuja dimensão do sector financeiro equivale 20 vezes ao valor do PIB e detém o 1.º lugar de investimentos na Rússia? Poderá haver sempre uma resposta para esta questão, mas, seguramente, nunca será lógica, nem consistente e com respeito pela equidade que deve ser ‘regra de ouro’ entre países-parceiros da mesma moeda – com a agravante do FMI, pela mão da Sra. Lagarde, se atrever a mudar, hora a hora, as exigências para o resgate, de 10.000 milhões de euros a dividir pela ‘troika’. Infame.

Os líderes mundiais, do G-7, do G-8 e do G-20, a despeito das promessas e compromissos incumpridos, embora exarados en actas das diversas cimeiras, jamais tomaram a iniciativa de, definitivamente, regular o ‘sistema financeiro internacional’, no sentido da extinção dos ‘paraísos fiscais’. Ainda hoje, Paul Krugman, cuja passagem por Lisboa há tempos teve aspectos rocambolescos, está absolutamente certo, ao escrever no ‘El País’ o seguinte:

Todo o mundo se lamenta dos défices orçamentais, mas apesar disso, as sociedades anónimas e os ricos seguem utilizando livremente os ‘paraísos fiscais’ para evitar pagar impostos como gente cumpridora.

Assim não chorem por Chipre; chorem por todos nós, que vivemos  num mundo cujos líderes parecem decididos a não aprender com os desastres.

Aos portugueses, muitos dos quais distraídos com futebol, transferências e ingressos de políticos comentadores nas TV’s, sob o genético vício do “depois logo se verá”, permito-me sugerir que tenham em atenção de que estamos mais próximos do Chipre e muito, muito longe da Islândia que, com moeda própria e punindo os responsáveis, já tem uma das taxas de desemprego mais baixas da UE.

(A TVI acaba de anunciar que Abebe Selassie declarou que, afinal, os resultados do programa aplicado a Portugal, em especial no que toca ao desemprego, são bastante mais graves do que se esperava há algum tempo. São as trevas, imensas, do ‘euro’)

Comments

  1. João Paz says:

    O euro como ferramenta do império germânico sobre a restante europa. Quem é “mais fraco” cai sem apelo nem agravo.

  2. É COMO SE COSTUMA DIZER : ” ANDA MEIO.MUNDO A ENGANAR OUTRO MEIO-MUNDO ”
    É preciso ter muito cuidado com a Alemanha , que quer impor a Política da Exploração .
    Ter em atenção que há anos ando a dizer que há grupos que desejam o renascimento do Nazismo , por um lado e do Estalinismo , por outro . Dois tipos das mais tenebrosas Ditaduras , que o Mundo tem de se acautelar .

  3. piet says:

    Grande análise. Está a dizer que os nazis Austríacos foram melhores músicos do que os nazis Alemães? A percentagem no papel de chanceler era ainda mais. Todos os chanceleres nazi eram Austríacos!
    A diferença entre Luxemburgo e Chipre é que o Chipre está banca rota já a algum tempo. Pagar juros de mais de 5% por depósitos e fazer dinheiro com bonds do estado Grego mesmo não é um business model viável nestes dias. Isto é a situação que precisa de um solução urgentemente. Mas tenho a impressão que está-se nas tintas com aquilo que verdadeiramente se está a acontecer na Europa. Está capturado num mundo paralelo de palavras bonitas. Tenho pena.

    • Carlos Fonseca says:

      O texto está cheio de citações, desde o consagrado historiador, falecido há algum tempo, Tony Judt, ao Nobel da Economia, Paul Krugman. Equaciona juízos distintos, Cita frases adversas para Chipre – e para o euro – do Ministro das Finanças alemão e do governador do Banco Central da Áustria em apoio de Merkel.
      Censura a continuidade da desregulação dos ‘paraísos fiscais’, sublinhando que Chipre era um deles. Cita o Luxemburgo como ‘paraíso fiscal’ de muito maior dimensão – comete o mesmo erro do Chipre, mas é tratado com benevolência, em vez de ser restringido. como, de resto, todos os outros.
      Eu estou capturado pelo que leio e você pela ignorância.
      O que é que se pode esperar de um indivíduo de nome Piet? No mínimo que diga disparates, Pode continuar a disparatar à-vontade, porque, a partir de agora, deixarei de o ouvir.

      • piet says:

        Estou muito impressionado como precisa do Zauberberg como *referência a cumplicidade Austríaca-Alemã*. Sim, estar a citar muita coisa para dizer muito pouco. A *citação* central é dum artigo do Expresso baseado em que? A questão não é se o sector financeiro é grande ou não. A questão é se é sustentável.
        Não gosta do meu nome? Só gosta de nomes Portugueses?
        Não faz mal. Que mente fechado.

  4. Humberto Mendes says:

    chipre: “senhores da UE, apesar de todos os avisos que nos deram nós estamos agora falidos. Será que podiam emprestar-nos dinheiro para mantermo-nos a flutuar?”

    UE: “emprestamos na condição de vocês fazerem algo.”

    chipre: “NAZIS! Que se lixem vocês e a vossa troika!!!”

    Substitue-se Chipre pela oposição do contra cá do burgo e da grécia. O problema é sempre o mesmo.

    • Carlos Fonseca says:

      Olha este é dramaturgo. A peça é que não saiu grande coisa.
      Primeiro saiu-me um alemão (tenho a origem do email) apoiante da Merkel – poderia ser do SDP do Gabriel. Depois segue-se outro que escreve mal, porque, além do mais, sofre de iliteracia.

      • piet says:

        Vale mais escrever uma coisa certa em palavras fracas do que disparates em palavras bonitas. (Nunca pensava na minha vida ser chamado apoiante da Angela Merkel ou do SPD. La vida tiene surpresas)

        • Independentemente das razões de cada um, não percebo, Carlos, porque não há-de um alemão opinar sem que se lhe aponte a nacionalidade ou sem que se lhe cole logo o rótulo de Merkeliniano.
          Por acaso até conheço o Piet, meu amigo há mais de trinta anos, com relações muito próximas com Portugal (mas até podia não ter) e com uma história política pouco próxima do SPD.
          Mas acima de tudo, não compreendo o “argumento” da nacionalidade do comentador.
          Desculpa, amigo Carlos, também não compreendo a denúncia da origem do mail: o Piet podia escrever como anónimo ou assinar Pedro, Joaquim ou António e ninguém desconfiaria, a questão da origem não se punha.
          Um abraço meu a ambos.

          • Carlos Fonseca says:

            Graças à D. Merkel e ao Sr. Schäuble – fora a História desde o Séc. XIX – quando me aparece um alemão a criticar-me por censurar os crimes que, no interesse alemão, estão a ser cometidos contra milhões de europeus, não tenho a menor tolerância. O teu amigo tentou troçar da minha análise e uma das coisas que o incomodou foi eu ter invocado a vergonha da conivência austro-húngara. A citação do email, que não do endereço, serviu apenas para demonstrar que eu me apercebi de que ele era alemão.
            Teu amigo ou não, não é por aí que abdico da minha maneira de ser… provavelmente estou a tornar-me antialemão… olha que pena!
            Desde o Séc. XIX que a Alemanha está na génese e nos efeitos dos grandes conflitos entre povos europeus. E, pelos vistos, teima nesse caminho – mais de 26.000 milhões de desempregados, pobreza e fome em expansão.
            Só respondi por seres tu a escrever. Se ficares zangado…olha paciência! Eu é que não escrevo, nem falo mais de semelhante caso.

    • Manda-me um postal quando te penhorarem ou cativarem o salário ou depósitos, laranja filho da puta. És mais um monte de merda que acha que Portugal é a Alemanha. Também bateste palminhas quando o Sócrates assinou o Tratado de Lisboa, idiota?

  5. edgar says:

    São histórias de chulismo travestidas de programas de ajustamento e de rigoroso controlo da moeda única.

  6. MAGRIÇO says:

    Mas é normal que Wolfgang Schaeuble, assim como Angela Merkel, não queiram ser chantageados! Eles lutam para terem o monopólio da chantagem sobre toda Europa!

  7. Luis Faria says:

    Não percebo todo este ódio contra a Alemanha pois se um dos maiores investimentos estrangeiros em Portugal é a Autoeuropa e por lá tudo parece funcionar bem, com aumentos de ordenado e tudo o mais. O problema de Portugal não tem a ver com a chanceler Alemã mas com a má gestão que os políticos portugueses fizeram dos dinheiros públicos.

  8. A. Pedro says:

    Carlos,
    Longe de mim ficar zangado numa troca de opiniões.
    Intervim por ser amigo de ambos e achar que há muita argumentação válida e possível sem passar pelo local de nascimento de cada um, coisa que, aliás, o próprio nunca escolhe.
    Isto não supõe, como é óbvio, nem o branqueamento da actual situação de uma Europa liderada pela senhora Merkel, nem a desvalorização dos conflitos, incompreensões e consequências das fracturas Norte/Sul, às quais nenhum de nós é, infelizmente, imune.

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