A miséria da política

O acontecimento – Passos Coelho fez hoje o mais repelente e imaturo discurso de que me lembro por parte de um primeiro-ministro do Portugal democrático. Depois de afirmar, com ar beato e bem comportado, a sua obediência às deliberações do Tribunal Constitucional, gastou o resto do discurso a ameaçar precisamente o contrário.

Num patético espectáculo de vitimização, procurando, como um garoto, culpados para os resultados da sua desgraçada governação, atribuiu todos os males que nos afligem e virão a afligir ao dito Tribunal, o qual se limitou, fundado em princípios perfeitamente básicos de qualquer estado democrático – nenhuma democracia deixa de ter nos seus fundamentos os princípios da igualdade e da proporcionalidade -, a confirmar a inconstitucionalidade de normas que consensualmente se sabia que o eram – até Cavaco Silva que, por isso, pediu a sua apreciação (como tal, implicitamente, o PR não se livra de estar incluído no sujo e injusto ataque ao TC). 

O sonho – Deixando à vista de todos o que para muitos de nós é, há muito, uma evidência – que é ténue a ligação entre capitalismo e democracia – toda a lógica do discurso de Passos Coelho se suportou, um tanto subliminarmente mas sem deixar dúvidas, na ideia de que a sujeição do poder à lei, nomeadamente à lei fundamental, é um obstáculo à boa governação. Tal já tem sido agitado, gulosamente, por sortidos comentadores mais ou menos dados às cousas da economia. A ideia é: que bom que era governar um estado de direito sem nos submetermos ao direito; que felicidade defender a separação de poderes se o executivo pudesse mandar nos outros poderes; que bom era governar uma democracia dispensando a democracia. Ora tal regime tem um nome, ou melhor, vários. Fiquemos pelo de autocracia. É este o sonho não confessado desta gente. Por cálculo, por pura incultura política, por psicopatia. Por serviço aos donos. Passos fez, pois, um discurso antidemocrático, no limite do puro golpismo político.

A vingança – Passos (e com ele o governo) despreza o seu povo. E, como acontece com as crianças frustradas, quer vingar-se e descarregar a raiva que lhe nasce da frustração criada. Mas se a perversidade de uma criança é inofensiva e as suas zangas se aliviam em alvos à sua dimensão, a de um adulto imaturo dotado de poder, pode ser perigosa. Muito perigosa. O primeiro-ministro anunciou medidas de correção da situação como quem atira pedras. Mal disfarçando o ódio que o alimenta, nem sequer teve a inteligência de “embrulhar” o pacote anunciado diversificando os seus alvos. Nem uma referência às PPP, às rendas abusivas, aos interesses do grande capital financeiro. O alvo escolhido é, exclusivamente, o povo detestado, cujo sofrimento lhe é, parece, indiferente.

A doença – Este governo é uma doença social e política. Contagia instituições da República, envenena-nos a vida, intoxica-se a si próprio com os seus delírios patológicos.

A cura – Fazer a excisão do governo, dissolver a Assembleia da República, realizar eleições, mudar as políticas, desparasitar a sociedade. Com imoderadas doses de coragem. Porque se tivermos que passar dificuldades, que sejam em nome de fins que sirvam o povo e a felicidade colectiva.

Comments

  1. Maquiavel says:

    A miséria desta política, desta política de gentalha reles e menos que ordinária.

  2. palavrossavrvs says:

    José, desculpa, mas não estás a ver bem o problema. A partir do momento em que colocas a tónica exclusivamente no falhanço desta Governação, demagogizas o resto do teu argumentário. Temos uma Troyka. Nada é normal. Nunca o seria.

    A agitação pela agitação não é solução.

    • Maquiavel says:

      Josué, desculpa, mas não estás a ver bem o problema. A partir do momento em que colocas a tónica exclusivamente na Troyka, demagogizas o resto do teu argumentário. Temos um “Governo” que prometeu “ir além da Troyka”. Nada é normal. Nunca o seria.

      O falhanço desta Governação aconteceria mesmo sem a Troyka.

  3. Fernando says:

    É de grande importância expor a política fascizante do governo, do FMI, da UE.

    Enquanto não se assumir que a destruição sócio-económica em curso é artificial, e que a banca é hoje nada mais que um gigantesco parasita a sugar a essência de todos nós nada feito. Para assumir a realidade a população, actualmente infantilizada pelos os media, tem que crescer mentalmente…

  4. para além da separação de poderes, não se verificar por contaminação dos poderes partidários instalados, outro problema se levanta : a instituição militar reside nas mãos de um Presidente da República, que foi 1º ministro do PSD, e não tem uma equidistância do poder como seria desejável. Deste modo qualquer semelhança com democracia é mera coincidência….

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