A greve de hoje e a “reforma” do Estado

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Mais do que uma vez escrevi no Aventar sobre o subdesenvolvimento português, cuja verdadeira dimensão talvez só agora comece a ser plenamente visível. A greve que os professores fizeram hoje demonstrou a que ponto o debate está inquinado pelas retóricas que colhem sempre entre os ignorantes sensíveis aos bons sentimentos, e a que a maioria acaba por aderir: a ideia de que o futuro dos estudantes ficou ameaçado por esta greve é uma delas.

Os pais confederados, os jovens deputados do CDS e até mesmo os jornalistas, nas abordagens pobrezinhas e impreparadas que fizeram ao tema do dia (limitando-se, na maioria dos casos, a tratar a greve como um conflito de interesses entre os professores e as famílias, e desse modo servindo a propaganda do ministro, que chamou a si a defesa do superior interesse dos alunos, por oposição a um imaginário inferior interesse dos docentes) revelaram a que ponto poucos parecem capazes de pensar no que verdadeiramente está em jogo: a sobrevivência de um Estado com responsabilidades tanto mais sociais quanto menos desenvolvido é o País, sendo a Educação dos seus cidadãos a única passível de inverter no longo prazo as desigualdades endémicas do lugar. José Pacheco Pereira escreveu sobre isto mesmo na edição de sábado do Público.

E a pobreza da generalidade dos argumentos dos comentadores anti-greve, tal como as abordagens com cuspo dos jornalistas (a que já ninguém exige conhecimento das matérias, nesses lugares chamados redacções onde predominam estagiários e outros escravos, explorados para fazer depressa e mal o que amanhã cai no saco sem fundo da vertigem) conseguiram transformar um assunto do interesse nacional numa peleja circunstancial de interesses (só aparentemente) opostos.

Como é possível que um tema tão abrangente e grave como é o da reforma de um Estado – mediante cortes de encargos públicos fixos que apenas respondem a pressupostos de gestão financeira – possa ter feito de um dia de greve (essencialmente suscitada pela justa  preocupação dos professores relativamente ao futuro da Escola) um simples somatório de percentagens de vencedores e vencidos?

Comments

  1. Observador says:

    Percebo tudo mas quero lembrar que o clima do MEDO está instalado. E isso é perigoso se as pessoas não abrirem os olhos.

  2. nascimento says:

    Deixar andar.Não são os professores que se adoram a si mesmos?Furaram-lhes as greves,e eles são tão educadinhos….e há quem os compare a mineiros….livra!Neste momento há um blogue que até faz censura.,Já teve o seu momento de glória!Mas quando se aponta certas fragilidades de uma classe,Feixam-se que nem lapas…repare-se que,,ainda chamam colegas a quem os FO…..Ganda classe de trabalhadores.

  3. Fernando says:

    Não entro na polémica se a greve dos professores e’ justa ou nao. Compete a classe saber se e’ justa ou não.
    Ja há muito que as minhas filhas deixaram a escola.
    O que me apraz dizer sobre esta greve e’ o seguinte:
    os professores estão ou ano estão a usar os alunos como escudo de defesa ( dos seus interesses)?
    Imagine-se ( não desejo) que um professor tinha uma intervenção cirúrgica marcada para o dia X. Mas por azar do professor esse dia X estava reservado para uma greve de cirurgiões.
    Eu gostaria de saber o que esse professor diria da greve medica.
    Eu imagino imagino.
    O ano tem 365 dias, e logo escolheram este dia para a greve?


    • Não sou professor mas quem escolheu esta altura para que não houvesse greve nenhuma foi o Governo. E os professores, como das poucas classes inteligentes e bem formadas deste país, o qual está a afundar-se numa melange de solidariedade negativa, de falta de decoro democrático e de mediocridade confrangedora, fez o que devia ter feito. Isso é mais claro do que a água do copo do ME na entrevista “suja” que deu há dias numa TV.
      Aliás, eu volto a repetir o que disse ainda ontem a um amigo meu presidente da associação de pais da Escola aqui perto: o que é pior, a curto prazo uma greve que perturba e é um problema laboral muito complicado para se deixar andar com paninhos quentes ou a médio prazo a degradação total e desmesurada do Ensino graças a estas e outras medidas na calha para destruir as condições de trabalho nas Escolas?

    • Sarah Adamopoulos says:

      Quem escolheu foi o governo homem. O seu comentário preocupa-me, porque dá razão ao que escrevi no meu post: a desinformação reina.

      • Hugo says:

        Foi o governo quem escolheu o dia da greve?! Mas afinal quem convoca greves? É o governo ou são os sindicatos?

  4. MAGRIÇO says:

    Completamente de acordo, Sara! Foi tão gratificante ver a preocupação dos “governantes” com o bem estar das famílias que eu, de repente, fiquei com a grata sensação de que tínhamos, finalmente, um governo de adultos. Afinal, eram os mesmos que promovem a miséria do povo e que tão empenhados se mostram em destruir o pouco que resta deste desgraçado país. A hipocrisia destes adolescentes de espírito não tem limites! Outro argumento que me deixou atónito foi o utilizado por alguns alunos: “andámos a estudar para o exame e agora não o fazemos”. E houve pais que afinaram pelo mesmo diapasão. Tem razão, Sara: sofremos de crónico subdesenvolvimento.

  5. Hugo says:

    Neste post houve algo que me chamou a atenção mais do que o assunto da greve ou da reforma do Estado, mas que é tão ou mais importante e merecia uma reflexão na blogosfera e sobretudo na esfera do poder. Foi o seguinte: “(…) nesses lugares chamados redacções onde predominam estagiários e outros escravos, explorados para fazer depressa e mal (…)”. Isto, infelizmente, é uma verdade. Em vários sectores, os estágios e o recurso a estagiários são a regra. Na área da comunicação social e design, então, este estratagema é usado ad nauseam, com estagiários a suceder a estagiários, que por sua vez sucederam a estagiários, como se pode comprovar naquela plataforma que denuncia empregadores sem vergonha. No entanto, importa perguntar porque razão isto acontece. Não nego que há empregadores que não têm realmente vergonha na cara, mas também não nego que as universidades sujeitaram os jovens a isto ao “produzirem” milhares de certidões de licenciatura em catadupa. Todos os anos surgem centenas de novos profissionais licenciados que o mercado de trabalho não consegue absorver, formando-se assim uma bolha de desempregados com alta qualificações. Depois, aplica-se a lei da oferta e da procura. Quando a oferta de um produto sobe e a procura se mantém ou desce, o preço desce. No mercado de trabalho (onde o trabalhador oferece as suas competências aos empregadores que as procuram) a situação não difere muito, sendo que o preço se mede pelo salário e restantes condições laborais. Poderão dizer que o governo podia fazer algo, proibindo estágios não remunerados e obrigando, se isso fosse possível, ao estabelecimento de contratos de trabalho. Isso era capaz de beneficiar alguns (os que eram contratados), mas condenava definitivamente uma multidão ao desemprego e o problema mudava, mas mantinha-se. Enquanto isso, as faculdades continuavam a gastar dinheiros públicos a formar profissionais de que o mercado de trabalho não tem necessidade, apregoando nos seus sites que tais cursos permitem desempenhar esta e aquela função. Já temos a plataforma empregadores sem vergonha; falta a plataforma formadores sem vergonha. O que temos que definir é se queremos tratar os sintomas deste problema ou ter a coragem de tratar a causa, o que pode implicar uma terapêutica mais dolorosa, mas se calhar mais eficaz.

    • Sarah Adamopoulos says:

      Trata-se de um entendimento do Mundo, o que está em causa é só isso e não é pouco, sendo certo que a decadência a que chegaram as coisas, com o nosso beneplácito acrítico, transformou a vida da generalidade num inferno, e até mesmo dos que trabalham. Mas muitos novos explorados não têm a menor consciência disso. Sei de alguns que, ainda na casa dos pais, brincam aos tipos com grandes empregos (e vão de carro para o emprego) em lugares onde lhes pagam 350 euros e os exploram durante vários contratos. Brecht encenou isto que nos está a acontecer outra vez em “Santa Joana dos Matadouros”


  6. Vencedores e vencidos e não só, os coitadinhos (alunos, pais, ministério da educação) e as bestas, os maus da fita (os professores.

  7. nascimento says:

    Grande classe da treta.Conheço muitos e não os quero ao Pe de mim.Petulantes,sabichões,,,,,rei na barrigaA maior parte não vale nada.Tem um que se adora s si mesmo snobismo….puro.Adora o seu umbigo….e tem seguidores.Como um tal de Fafe.Que tem o problema. Édipo….


  8. Portugal é obviamente um país subdesenvolvido
    onde se fala só para lubridiar os incautos , que
    muitas vezes são levados à certa certos pseudo-
    argumentos .
    Concordo consigo.