Dois partidos, duas versões, um SMS e outras coisas estranhas

Portas e PassosRelatos sobre situações insólitas têm saltado das caixas de mensagens de mediáticas personalidades da nação para o domínio público. E pela mão dos próprios. Ainda a procissão vai no adro da pré-pré-campanha e dois dos seus primeiros casos, implicando os dois candidatos do regime, chegam-nos via SMS: António Costa zangou-se com um artigo de João Vieira Pereira e mandou-lhe um SMS, perante o silêncio revelador do Expresso. Paulo Portas tomou a difícil decisão de apresentar a sua demissão irrevogável e enviou um SMS a Pedro Passos Coelho.

A história do SMS de Paulo Portas para Pedro Passos Coelho é caricata mas a biografia autorizada foi muito clara. E se é autorizada, é porque teve autorização do visado. Aliás, o primeiro-ministro reiterou, após a polémica ter rebentado, que a história foi mesmo como ele contou à funcionária do partido destacada para fazer a biografia:

A versão que o livro narra – e narra em discurso direto feito por mim – corresponde à verdade

Sim, eu sei, a transcrição em cima levanta dúvidas. O conceito de “corresponder à verdade” do primeiro-ministro tem muito que se lhe diga. Mas vamos assumir que desta vez o primeiro-ministro está mesmo a dizer a verdade. Exactamente o que pretendeu Passos Coelho com esta revelação? Expor ainda mais alguém já demasiadamente exposto por toda a polémica que resultou da sua demissão, alguém com quem se preparava (na altura em que, suponho, a biografia ainda estivesse a ser escrita) para assinar um acordo de coligação pré-eleitoral? O que ganha Passos Coelho em minar ainda mais a credibilidade de Paulo Portas? Afinal de contas,  não só pelo que dizem as sondagens mas principalmente porque o acordo de coligação com o CDS-PP já está assinado, Passos Coelho precisa do CDS para governar com estabilidade, no caso improvável de conseguir ganhar as Legislativas.

Estranhos jogos de poder. Terá a biografia autorizada sido alvo de um inside job que criou artificialmente esta polémica, estilo House of Cards, para armadilhar o primeiro-ministro? Será isto a simulação de um atrito que não existe para mostrar aos portugueses, já na recta final da campanha, que o sentido de Estado de Passos e Portas ultrapassa todos os obstáculos, excepto o controle da dívida pública e a delapidação quase total do património do Estado? Ou será uma jogada mal calculada de Passos Coelho, que queria mesmo queimar Paulo Portas e roubar alguns votos ao CDS quando ainda tinha dúvidas sobre o benefício eleitoral da coligação e acreditava que podia ganhar as eleições sozinho? Pode também ser uma manobra para vender livros. Afinal de contas, uma biografia de 4 em 4 anos torna-se difícil de escoar. Ainda por cima sobre um político tão vulgar.

Igualmente estranho é o conflito de versões. Segundo a biografia autorizada do primeiro-ministro, Portas comunicou a demissão por SMS. Já o CDS-PP contraria esta versão e afirma que o pedido de demissão de Portas foi enviado por carta. Estranho que seja o partido a falar em nome de um militante que é ministro e que tomou essa decisão a título pessoal e não enquanto líder do partido. Portas surgiu depois, a confirmar que a carta foi enviada mas que o SMS também existiu. É estranho que Portas tenha sido apanhado de surpresa com a revelação feita na biografia autorizada de Passos Coelho. Seria inclusive imprudente da parte de quem escreveu, reviu e/ou autorizou não alertar o vice para um “detalhe” que não só traz à tona um assunto que Portas deseja com certeza ver enterrado, como cria instabilidade desnecessária num momento particularmente delicado e decisivo para as aspirações de ambos os partidos. Não é possível ser-se tão incompetente. Principalmente quando se escreve a biografia autorizada do primeiro-ministro.

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  1. […] biografia o acusou de se ter demitido por SMS, versão imediatamente desmentida por Portas. Foi um bonito romance de Primavera, daqueles que partem corações, mas não os coibiu de ir a votos bem juntinhos, poucos meses […]