Carta a Julieta

Querida Julieta

Soube que ganhaste o Prémio Mulher Flash Lifestyle. Tentarei, durante uns breves instantes, fazer de conta que não estou orgulhoso disso e vou fingir que não votei em ti. Mais: terei, até, o desplante de declarar alto e bom som que só te deram este prémio para te compensar do facto de o teu Futebol Clube do Porto não ter ganho nada pelo segundo ano consecutivo (sei bem as dores físicas que esta provocação me vai valer, no nosso próximo reencontro). Como se isso não bastasse, considero-me discriminado por não ter sido, pelo menos, nomeado, porque num tempo em que se fala tanto da igualdade de géneros seria justo que um homem pudesse concorrer ao Prémio Mulher.

Na minha qualidade de pseudo-intelectual peneirento, é claro que nunca admitirei que leio a Flash nem mesmo nas salas de espera dos consultórios médicos (se alguém me apanhar com uma na mão, aberta numa página em que se veja uma rapariga em trajes menores, saiba que o meu interesse é puramente etnográfico ou coiso ou eventualmente) . Para além disso, revolta-me que dêem a uma mulher tão portuguesa e tão portuense um prémio cheio de inglesices, mas a verdade é que vivemos num tempo em que os hotéis são sempre Qualquer Coisa Spa, Wellness, Business and Golf Center. Se aquela gente em Lisboa te conhecesse verdadeiramente, terias ganho o Prémio Mulher Estilo de Bida, carago! (e “carago!” faria parte do nome do prémio)

Ser professor num tempo em que a Educação é um dos maiores desinvestimentos do país é muito difícil. Pior do que isso só trabalhar na direcção de uma escola, tendo em conta que ser criança ou adolescente é estar sempre em crise, o que é ainda pior em tempos de crise, para não falar das constantes reviravoltas impostas por um ministério que parece apostado em desorganizar a vida dos estabelecimentos de ensino.

Todos os que trabalham ou convivem contigo já sabiam, há muitos anos, que és uma excelente profissional, numa profissão em que não é possível atingir a excelência se não se for também uma excelente pessoa. Só assim te pudeste tornar uma referência,  também  para os alunos, os mesmos alunos que sabem que podem contar contigo, o que inclui sorrisos e dureza, nas doses necessárias e sempre disponíveis.

Que uma revista cor-de-rosa te tenha descoberto e que, graças a isso, tenhas sido premiada é a prova de que, por vezes, há justiça e bom senso no mundo, mesmo num mundo em que as lantejoulas substituem as virtudes. Podes sentir-te honrada em receber um prémio, mas, aqui para nós, que muita gente nos lê, é o prémio que fica prestigiado por teres sido galardoada. Num mundo em que tanta gente é beneficiada por gostar de aparecer, é refrescante ver alguém ser premiado por preferir não aparecer.

Fico ainda mais ansioso pelo nosso jantar anual, porque sei que iremos rosnar umas coisas sobre futebol, irás ouvir outras tantas sobre o facto de, agora, teres a mania que pertences ao jet-set e serás abraçada com a ternura do costume e com um orgulho acrescido.

Comments

  1. clap clap clap 🙂

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