Encontros inesperados entre política e futebol

futebol

Cartoon: Rodrigo Matos@Expresso

Quando ontem cheguei, a casa não tive como não levar de frente com a notícia da transferência inesperada de Jorge Jesus para o Sporting. Tirando esse perigosíssimo órgão de comunicação social de esquerda que é o Público, os principais jornais portugueses tinham como primeiro destaque nos seus sites esta nova novela futebolística, paralelamente esmiuçada com profundidade pelos três canais noticiosos. A única dúvida que me ocupava o pensamento era “onde raio foi o Sporting buscar dinheiro para pagar um treinador tão caro como Jesus, cujo salário no Benfica já se situava na casa dos 4 milhões de euros?”

O dinheiro, ao que tudo indica, chegou da actual metrópole do império, Luanda. Álvaro Sobrinho, ex-presidente do BES Angola, não é filho do papá ditador mas é homem de muitos kwanzas sendo que em Portugal, para além de controlar 24% do Sporting, os seus investimentos incluem o jornal Sol, 3,2% da Impresa (SIC, Visão, Expresso), 15% do grupo Cofina (Correio da Manhã, Jornal de Negócios, revista Sábado) e participações em empresas tão simpáticas como a Ongoing e a Akoya, grupo dedicado à gestão de grandes fortunas que está no epicentro do caso Monte Branco, um daqueles esquemas de lavagem de dinheiro que junta banqueiros terroristas, vendedores de medalhas, a casta do Eduardo dos Santos e gente de boas famílias que nas horas vagas brincava aos pobrezinhos na Comporta. Portanto existe aqui uma possibilidade de também o caro leitor estar, sem se aperceber, a pagar parte do ordenado de Jorge Jesus, ou não fosse o BES Angola o banco que não sabe a quem emprestou 5,7 mil milhões de dólares. E o leitor sabe quem vai pagar a factura do BES não sabe?

De resto, e tal como a eterna ligação entre o Sporting e o BES, de onde já saíram vários administradores para presidir ao clube, sem grande sucesso, até porque é mais difícil esconder a incompetência no futebol do que nos bancos, a apresentação da coligação PSD/CDS-PP também não trouxe nada de novo, quanto muito umas actualizações para o vídeo do Ricardo, no caso altamente improvável do caloteiro fiscal e seu comparsa irrevogável voltarem a ganhar as eleições.

Estes encontros inesperados entre o futebol e a política trazem-me sempre à mente a fuga de Durão Barroso para a faustosa vida de  vassalo burocrata durante o Euro2004. Portugal a fervilhar com o percurso da selecção e o primeiro-ministro a abandonar o barco do país que em si confiou e que em vez de velas tinha tangas. Não admira que tenha sido escolhido para apresentar o livro do Miguel Relvas. De tangas percebem eles. Deve ser por isso que lhes dão tanta tanga. E só se perde a que cai no chão, pena não lhes podermos dar mais.

Mas o futebol tem este efeito: quando algo grande surge, seca tudo à sua volta. Um eucalipto daqueles mesmo bons. Ontem abafou a apresentação da coligação, amanhã abafa um corte qualquer. Não que a malta não se aperceba disso antes ou que tenha grande capacidade de mudar o rumo das coisas, mas no turbilhão informativo do dia-a-dia, acaba por perder algum destaque, como se de uma questão menor como uma transferência futebolística se tratasse. Invertemos as prioridades e recebemos na exacta medida da nossa preocupação com o nosso próprio bem-estar. Afinal de contas, desde que haja futebol, a malta lá vai aguentando a travessia no deserto.

Comments

  1. joão lopes says:

    ouvi dizer que parte do dinheiro também vem ,imagine-se ,de guinè-equatorial, esse grande exemplo de “democracia”.sabendo que é o jesus que vai receber o guito,é caso para dizer;valha-me deus…

    • Ah, a Guiné Equatorial, essa democracia exemplar e exímia falante do nosso português onde o legítimo Obiang recentemente esmagou o que restava da separação de poderes, tivesse ela alguma vez existido! Ai também vem daí? Ui que isto não pára de melhorar!

  2. Olhando para os noticiários e jornais não raras vezes tenho a sensação que estou a viajar no tempo. Para o passado. O futebol volta a ser considerado um fenómeno “cultural” (senão mesmo cívico) e não o negócio sórdido que é. O amor à obediência política está na ordem do dia (podem fazer greves mas não devem ter impacto, podem protestar mas desde que não se note…). O fado volta dos mortos como forma musical e é vendido como grande representação artística da nação. Fátima e fenómenos religiosos associados são a “expressão pura” do que se deseja da espiritualidade (simples, sem perguntas, obediente e perfeitamente contida hierarquicamente). Em que década é que estamos mesmo? Começo a ter dúvidas.

  3. Ninguém falou do BES enquanto avalizou as transferências que possibilitaram títulos ao Benfica. Álvaro Sobrinho já lá estava. Apesar da proximidade de Ricciardi em relação ao Sporting, Luís Filipe Vieira também tinha lá homens de confiança e chegava a Ricardo Salgado. Que entretanto também negociava com Pinto da Costa…

  4. Nightwish says:

    João, desta vez parece-me equivocado, a notícia futebolesca tem mais relevância do que mais um pré programa eleitoral cheio de mentiras e frases feitas.

  5. “onde raio foi o Sporting buscar dinheiro para pagar um treinador tão caro como Jesus

    Ora, ora, ora!
    Simples e claro como a água.

    Vão à Segurança Social (SS) que o dinheiro dos reformados dá para tudo e depois, cobram mais 600 milhões das pensões e já dá pra tudo. Tá a topar??

  6. Deixem-se de futebóis e falem cá do burgo. Então, não é que os nossos meretíssimos juízes não pretendem um aumento superior a 1000 mensais? Com pessoas destas, a justiça não pode funcionar. Faltar-lhe-á uma boa dose de bom senso, imprescindível para o equilíbrio das sentenças. Uma vergonha.

  7. José almeida says:

    Há aqui uma profunda confusão entre política e futebol. Do ponto de vista do adepto, está noticia só tem que agradar. Não só “comeu” o vizinho do lado, como lhe pode causar dano para os próximos anos. Isto, do pinto de vista estratégico do futebol, foi de mestre. Eu como adepto leão estou muito contente com as noticias. Se vamos a falar da origem do dinheiro…. vai começar uma especulação sem sentido. O Sporting está financeiramente saneado, e com 30% do orçamento dos rivais. O Sporting pode aumentar em 10 ou 15 milhões por época, que mesmo assim fica abaixo em quase 30 milhões do FCP e SLB. O problema é o resto… o povo, o país os governantes…..

    • Não obstante, o clube não tem “posses” para pagar 6 milhões anuais a um treinador. Há dinheiro angolano na equação.

  8. maria celeste ramos says:

    Futebol e política – que raio de casamento com a Concordata que afinal anda sempre por aí

  9. Maria says:

    É tudo muito feio, muito obscuro, e do desporto, em si mesmo, já sobra muito pouco. Enoja-me a falta de urbanidade e elegância, que dá lugar a uma mercantilizacão de uma actividade que, ao contrário do que se pensa, também é suportada pelo contribuinte, na medida em que os clubes recebem transferências do orçamento do estado e nessa medida, penso que devia haver uma reflexão seria acerca do papel que os clubes deviam desempenhar na sociedade.
    E ver serem pagos salários desta monta como agora se anuncia ir ser pago ao sr Jorge Jesus , enquanto centenas de portugueses passam grandes dificuldades, quando somos confrontados com indicadores que revelam que em Portugal muitas crianças (uma só já era demais), passam fome ou outras provações decorrentes da miséria em que muitos de nós somos obrigados a viver, porque a nossa classe de dirigentes políticos vive acima das nossas possibilidades, acho que isto é uma verdadeira obscenidade.

  10. Os aspectos semelhantes que noto nos credos, futebol e partidarismo saltam permanentemente a vista. Normalmente com manifestações pouco racionais e em que os alvos(cidadãos) acabam muitas vezes iludidos e prejudicados. Mas com são eles que escolhem que fazer?

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