Being inside a David Lodge’s book for a while* or… not so much, after all
O postal de ontem (que só publiquei no facebook) foi curto, basicamente dizia que havia muito para contar, mas o cansaço era extremo (ainda é) e que um grupo de europeus do sul, entre os quais me encontrava eu, tinha ‘coletivizado’ a caixa de bolachas que a comissão organizadora do congresso ofereceu ao Apostolos por integrar a comissão científica. Sendo todos de esquerda, a coletivização das bolachas pareceu-nos bem, uma vez que o Apostolos não estava presente no jantar. As bolachinhas foram comidas, assim, por mim, por uma espanhola e três ou quatro gregos. Eram bem boas.
Fiz as minhas duas comunicações ontem mesmo, na sessão das nove da manhã. Correram bem, suponho. A seguir assisti a outra sessão, almocei, mais duas sessões e bebidas ao fim da tarde, no centro, entre o antigo e o novo comité executivo, para que fui eleita no dia 19. A seguir, o jantar do congresso e a noite acabou, passava das duas da manhã, num pub local, com música ao vivo e danças escocesas que também se dançaram no jantar. Dancei uma em cada sítio e é violento ou então estou velha. É capaz de ser mais isso.
À hora do almoço um colega checo que trabalha no Reino Unido e que eu nunca tinha visto antes, aproximou-se de mim e disse, sem sequer se apresentar: ‘votei em si’. Agradeci-lhe, naturalmente. Ele acrescentou: ‘O seu discurso convenceu-me! É verdade que é tempo de mudar e dar mais destaque, na associação, à europa do sul’. Disse-lhe, o que é verdade, que nem sabia que teria de me apresentar e discursar e que aquilo tinha, talvez, saído, assim meio estranho. Que não, disse ele, que tinha sido o discurso mais convincente. E por ali ficámos mais um bocado a falar de centros e periferias. O homem deve ter gostado mesmo do que eu disse, na assembleia geral, antes da votação, porque mais tarde o Pavel me disse que ele lhe havia dito o mesmo. Talvez devesse dedicar-me à política, se consigo convencer assim as pessoas que não me conhecem, falando cinco minutos de improviso, ainda para mais numa língua que não domino! Mas depois penso que não. Não seria capaz de ser política – embora obviamente o seja, naquele sentido lato que todos conhecemos. Falta-me capacidade de medir as palavras antes de falar. Precisaria de menos espontaneidade, mais cabeça fria e, claro, de mais competência para mentir, mesmo que seja só um bocadinho. Ora eu nunca serei assim.
Falando em política, é impossível eu gostar mais do Babis e do Alex. Este último conheço-o há mais de 10 anos, o primeiro há 4 ou 5. Ainda que tenham assumido cargos políticos no governo grego que agora se demitiu e sejam, assim, políticos, não têm as características que acima descrevi. São das melhores pessoas que conheço e, embora conheça o Alex há mais tempo, é com o Babis que me sinto sempre fascinada. É mesmo uma das melhores pessoas que conheço. E repetirei isto sempre. Por muitas razões, algumas delas que se relacionam diretamente com o modo de estar (ele) na política. Ontem partilhou conosco a garrafa de uísque que lhe ofereceram os da comissão organizadora do congresso, tal como uns dias antes, aliás, o Costis (orador convidado, brilhante por sinal) tinha feito. Não gosto de uísque mas lá bebi um bocadinho para brindar à amizade e aos (re)encontros. Todos os gregos que conheço, aliás, são generosos e bondosos, genuínos e tão simpáticos. Bem sei, devo conhecer só os gregos, e as gregas, certos. Os bons espíritos encontram-se. Sim, deve ser isso. Conforta-me, aliàs, que seja isso.
A seguir ao jantar houve danças escocesas. São difíceis mas divertidas. O Babis estava triste, ou pensativo. Perguntei-lhe, a certa altura, se estava bem. Respondeu-me, com os olhos azuis dele, bem bonitos, uns olhos de homem bom e cuidadoso, que estava bem, sim, apenas estava a pensar na rapariga grega que nos serviu as bebidas no Aberdeen Beach Ballroom, que tinha vindo para a Escócia com a família porque na Grécia era impossível criar os filhos. E que estava a pensar em tanta gente que, no seu país, como no nosso, tem diariamente de fazer exatamente o mesmo. Eu tinha reparado que ele e a rapariga tinham estado bastante tempo a conversar. Assim é o Babis. E nele eu vejo todos os homens e todas as mulheres do Syriza. E ainda que saiba que haverá gente de todos os tipos neste partido, como em todos os outros, para mim o Syriza é o que o Babis e o Alex são. Gente decente. Gente que é gente. A mim isso basta-me, apesar de tudo.
Um pouco mais tarde, já no pub onde fomos beber e dançar, haverei de conversar com a Maria, outra grega, que me disse estar desapontada com o Syriza. Também sou capaz de compreender os seus argumentos, a sua tristeza, as suas dúvidas. Mas prefiro concentrar-me no que sei destes grandes gregos e no otimismo que a Lukia, antes de ontem, revelou numa conversa comigo e com o Renato. Esse otimismo que o surpreendeu a ele e a mim me parece tão normal, quase como a única maneira de sobreviver no meio do caos e da loucura em que se tornou a Grécia… ou melhor, no caos para onde os grandes senhores da Europa e os seus servos (incluindo o nosso governo nestes últimos) empurraram a Grécia. Grandes pessoas, estes ‘meus’ gregos. É impossível não gostar deles, já o disse, é impossívél não sentir admiração por eles e, até, uma imensa ternura. Antes de irem haveremos de nos abraçar e nesses abraços que dei a todos esteve não apenas a ternura e a amizade, mas toda solidariedade e toda a esperança de que julgo ser capaz.
Nem todos os que estão ali são como os gregos de que falo. Há, no congresso e no jantar, bastantes pessoas que não conheço e com que não falo. E outras com quem troco apenas palavras de circunstância. E ainda outras que conheço bem e que, neste momento que relato, o do jantar, parecem outras pessoas. Se leram os livros (outra vez) do David Lodge sobre a Academia, compreenderão o desconforto que podemos sentir quando académicos que admiramos, de repente, se transformam em perfeitos imbecis. Amanhã continuarei a admirá-los. Naturalmente. Somos todos gente. Hoje ainda é cedo, apesar de estar já longe de Aberdeen, para recuperar a admiração. Para o pub fomos basicamente apenas os do costume. Os PIGS, portanto, apesar de nos faltarem elementos do I. Gosto de estar com estes PIGS nos congressos e fora deles e tenho pena que a alguns apenas os veja de ano ano ou mais. Há gente que devia morar na mesma rua que eu. A rua de que já tenho saudades, afinal.
Acordei cedo, para meu costume, de novo, e vou encontrar-me com a Txus na estação dos comboios para irmos juntas para Inverness, onde chegamos, muitos ‘clichés’ paisagísticos depois – ovelhinhas de focinho preto, vaquinhas, colinas, rolos de palha, e sobretudo muito verde – por volta das quatro e meia. Não estamos no mesmo hotel, estamos cada uma em sua margem do rio Ness, divididas mas unidas pela Ness Bridge. Combinamos encontrar-nos às seis e meia, a meio, justamente, da ponte. Havemos de passear por Inverness que é, apesar dos taxistas, uma cidade bonita, de comer decentemente num restaurantezinho à beira do rio, de falar do jantar de ontem, entre muitas outras coisas. Amanhã vamos ao Loch Ness. Veremos que monstros lá encontraremos. Para já, um enorme aranhiço, certamente (a avaliar pelo tamanho) parente do Nessie, está ali na parede do quarto, muito quieto à espera não sei de quê. Resolvo chamar-lhe Eurogrupo e estou aqui a ponderar na melhor forma de o esmagar.
*refiro-me sobretudo à trilogia que, creio, mencionei já num postal anterior: ‘um almoço nunca é de graça’, ‘o mundo é pequeno’ e ‘a troca’, em Portugal todos editados pela Gradiva)
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