As ameaças da penhora de casa e a vista larga do fisco para as offshores

2017-02-20-paulo-nuncio-fisco-offshores

Autora: Isabel Faria

Nos últimos anos de vida, o meu pai deixou de conseguir conduzir. Um dia, sem mesmo eu saber, vendeu o carro velhote. Quem o comprou não tratou do seu abate. O meu pai não percebeu logo isso. Melhor, felizmente, acho que nunca percebeu isso.
Durante o ano de 2014, estando o meu pai no Lar, começaram a chegar a casa dos meus pais, cartas das Finanças para pagar os IUC de 2011, 2012 e de 2013. Porque eu não estava lá, e o meu pai também não, não soubemos de todas as notificações… imediatamente. Por isso, paguei mais de 800 euros para saldar uma dívida inicial de trinta e tal. Foi um acréscimo de 2000%! Ainda tentei pagar o IUC de 2014, sem penalizações, mas já era tarde. Deveria ter sido pago em Março e só tive conhecimento da obrigação em Maio! A penalização veio em forma de mais uma carta, juntamente com mais uma ameaça qualquer de penhora da reforma, da casa, da vida do meu pai… ou da minha.

Os IUC que o meu pai não pagou a horas, por não se ter apercebido, por ter sido enganado ou por, simplesmente, se ter esquecido (e como o meu pai se esquecia de tanto, nesses últimos tempos, desde que a minha mãe partira), dizem respeito a estes mesmos anos, 2011 a 2014.  O meu pai correu o risco de ficar sem a reforma e sem a casa por menos de 40 euros, ao mesmo tempo que  o fisco se esquecia de vigiar as transferências milionárias para os offshores. As Finanças que mandavam cartas ameaçadoras ao meu pai são as mesmas que não se aperceberam que 10 mil milhões voaram para fora do país sem fiscalização. Este post é de raiva. Uma raiva imensa. Uma raiva imensa por quem nos tirou a paz. Por quem nos roubou. Por quem o permitiu. E por quem permitiu estes roubos todos. Os que fizeram ao meu pai e a tantos de nós, e os que fizeram ao País.

Informação adicional:

2017-03-01-15_28_59-fisco-deixou-sair-10-000-milhoes-para-offshores-sem-vigiar-transferencias-publico

Leituras:

Comments

  1. luis says:

    Os políticos não têm problemas em criar leis (e multas), absurdas quando sabem que são os outros a pagar.
    Eles e os amigos conhecem sempre alguém na AT que os livra das complicações.

  2. joão lopes says:

    tambem eu estou furioso:o objecto da furia chama-se Paf(será que se pode dizer isto ou os comentadores da direita vão continuar a justificar a pulhice que foi o governo do Passos/Portas?)

  3. Manuel Silva says:

    Isabel:
    Bem perto de mim, uma senhora pobre, pouco mais que analfabeta, cabeça de casal, a viver com os filhos numa casa miserável no campo, uma situação de miséria, perdeu-a por uma dívida inicial de 600 euros, que, entretanto, chegou a 1800 euros.
    Vivemos num país em que muitos decisores políticos são uma nódoa que é difícil tirar das nossas roupas.
    Não sei se me custa mais suportar o que fazem se a hipocrisia do que dizem.
    Ouvi hoje de manhã do tal Paulo Núncio na AR.
    Uma vergonha.
    Isto só mudará se muitos de nós, cada vez mais, se revoltarem contra coisas como esta, poucas vergonhas como estas: a do seu pai, desta senhora, dos 10 mil milhões.

  4. Paulo Marques says:

    Coisa de pobre, pagar multas… as multas dos ricos não aumentam, são RERTadas.

  5. Antonio Rodrigues says:

    O fisco ou as finanças assemelham-se a um criminoso de uma patologia diabólica que se baixa perante os ricos e se alimenta do sangue dos pobres. Um Drácula vindo do inferno mais profundo da Terra. O que eu tenho visto !

  6. Viriato de Viseu says:

    Leio nestes comentários que o fisco só é mau no tempo do Passos/Portas mas na geringonça, já é bom.
    Mas não é. Na realidade o estado é forte com os fracos, independentemente da cor politica que governe.
    Há dias li num jornal que uma senhora da Maia foi citada para pagar 14 centimos por se ter atrasado no pagamento do selo. Caso o não fizesse em 30 dias era objecto de uma penhora e ia para a lista dos incumpridores .

  7. Claro que, os Núncios deste país, vivem noutro comprimento de onda.

  8. Rui Naldinho says:

    Eu já li este texto da Isabel Faria em algum lado!?
    Terá sido na página do “Músicas de Intervenção”?
    Talvez, mas não tenho a certeza.
    Na altura fiquei impressionado com a sua história, verídica, angustiante, e disse cá para mim:
    Em breve não faltarão dezenas de milhar de “Daniel Blake” em Portugal.
    Muito recentemente, já com o Dr. António Costa no governo, há 14 meses que ele lá está, eu também fui vítima desta terrível máquina fiscal, e, apesar de ter pago o meu IUC a tempo e horas, no valor de 133,63€, só porque inadevertidamente terei apagado à posteriori o documento da minha conta de utilizador no site das Finanças, dizem eles, porque ninguém me provou nada, levei com uma multa de 88,25€, que contestei. E ainda por cima tive de pagar uma execução fiscal, que não é mais do que uma cobrança coerciva, no valor de 150,63€.
    Atenção, que isto aconteceu tudo depois de eu ter pago o IUC dentro do prazo, após a emissão da guia na internet.
    Disseram-me que entretanto, eu iria receber de volta os 133,63€ através de transferência bancária ou cheque.
    Mas como sou um grandessissimo sacana, e não me conformo, ainda acredito na democracia apesar dos atropelos de alguns palermas, resolvi enviar ao grupo parlamentar de um dos partidos que apoiam o governo, toda a documentação digitalizada sobre este caso.
    Foi a minha sorte. E verdade seja dita, o deputado, coordenador por esse partido, na Comissão de Finanças e Orçamento, com tudo perfeitamente identificado, incluindo o meu número fiscal, propôs-se a interpelar o senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, como era possível uma aberração destas.
    “Pagas a horas e ainda és multado!”
    Entretanto vão-se dando perdões fiscais.

  9. viver com dignidade says:

    Não e novo as finanças de Vila velha de Rodao era o que fazia aos velhos do concelho em 2016. Muitos até choravam de raiva e indignação. Muitos deles nada deviam às finanças o que era mais indigno e humilhante.

  10. É a prepotência do fisco. E que se desengane quem pense que é exclusivo deste ou daquele governo. Lembro-me de, há pouco tempo, o governo de Costa ter querido acabar com o sigilo bancário. Era mais uma arma do fisco para atacar os contribuintes, que são vistos pelo fisco como culpados até prova contrária.

    António Costa não abre o jogo sobre o sigilo bancário
    O Governo vai ou não insistir no diploma que prevê a comunicação de saldos de residentes? O primeiro-ministro falou, mas não respondeu à dúvida essencial.
    António Costa não abre o jogo sobre o sigilo bancário

    Elisabete Miranda Elisabete Miranda
    30 de Setembro de 2016 às 20:17

    António Costa já reagiu ao veto de Marcelo Rebelo de Sousa mas pouco adiantou. No final da abertura da exposição de Joan Miró, no Porto, o primeiro-ministro disse que vai “ponderar” os fundamentos invocados pelo presidente e, em tempo próprio, tomar uma decisão.

    “Vamos ponderar o fundamento da decisão do Presidente da República e, em função disso, tormaremos uma decisão”, comentou o primeiro-ministro aos jornalistas.

    António Costa sublinhou que o fundamento “é muito claro”, e não levanta questões de constitucionalidade – levanta, isso sim, “questões sobre a oportunidade parcial do diploma”-, mas não desenvolveu de que modo é que este facto pode interferir na decisão do Governo.

    Se quiser, o Governo tem possibilidade de enfrentar Marcelo Rebelo de Sousa, apresentando o decreto-lei agora vetado sob a forma de Lei e submetendo-o à Assembleia da República. Nesse cenário, e caso o PCP e o BE o viabilizassem, como parecem estar dispostos a fazer, tornar-se-ia inútel a Marcelo insistir no veto – embora pudesse pedir a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade.

    António Costa, contudo, não abre o jogo. Depois do encontro que também contou com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro-ministro sulinhou apenas que, quando tiver uma decisão tomada, o presidente será o primeiro a saber – “como é próprio das relações entre órgãos de soberania”.

    Esta sexta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou o veto político do decreto-lei sobre os saldos bancários.

    Marcelo não vê problema que os bancos comuniquem anualmente os saldos bancários de não residentes em Portugal ou de cidadãos residentes em Portugal que tenham ligação aos Estados Unidos.

    A Comissão Nacional de Protecção de Dados também tinha criticado duramente este acordo com os EUA, denominado de FATCA, mas em relação a este Marcelo não tem nada a obstar, porque, diz, a comunicação se funda em “exigências de maior transparência fiscal transfronteiriça defendidas pela OCDE”.

    Já na parte que se refere à comunicação de saldos de residentes, o caso muda de figura. E aí, enuncia várias razões para a sua oposição, entre as quais avulta a da “patente inoportunidade política”.

    Marcelo Rebelo de Sousa diz que o diploma surge numa altura em que a banca se encontra numa fase muito sensível e em que é preciso dar confiança aos depositantes e aforradores, sinalizando que o facto de os bancos serem obrigados a comunicar saldos bancários anualmente poderia levar a uma fuga de depositantes residentes para outras jurisdições não cobertas pela troca de informações.
    http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/antonio_costa_nao_abre_o_jogo_sobre_o_sigilo_bancario

    • Rui Naldinho says:

      Ó Jorge Cordeiro, a mim o que me mais repugna é andarem a lixar o mexilhão, e depois deixarem fugir o peixe graúdo, com a maior das naturalidades.
      Admitindo que só 25% daqueles 10 mil milhões que saíram, é que não pagou o que devia ao fisco, ainda assim, quantos IUC’s, ou quantos IMI’s não davam.
      Contei este caso ao Pedro Mexia, o do “Governo Sombra”, e a resposta dele foi simples:
      – Rui, aqui entre os “Ministros Sombra”, histórias como a sua, são várias. Tanto o Ricardo, como João, o Carlos VazMarques e eu próprio temos broncas com o fisco.
      Será que somos todos perigosos evasores Fiscais, e nunca nos demos conta?
      Ou será que a nossa política anda mesmo muito mal frequentada?

  11. EMAS says:

    E por acaso sabiam que até há bem pouco tempo os empresários tinham que pagar o IVA sobre as facturas que passavam e não sobre os recibos?
    Ou seja, se facturavam, mas o cliente não pagava, o IVA mesmo que não tivesse sido recebido, tinha que ser entregue ao Estado. (Note-se que se fala de pequenos comerciantes, sem meios, nem conhecimentos, para litigar na justiça)
    E o que acontecia se o comerciante não o entregava a tempo? As coimas eram tão elevadas que quase triplicavam o seu valor.
    Conheço de muito perto um caso em que a facturação de anos de fornecimento de materiais a uma empresa (que entretanto abriu insolvência, sem pagar um cêntimo da dívida) está a levar à insolvência quem forneceu os bens, nunca os recebeu e mesmo assim teve que pagar os impostos ao estado.
    Mais: para que os pagamentos fossem fraccionados teve que dar uma garantia e essa garantia mais não pode que uma penhora voluntária da casa de morada de família a favor do fisco, pois os terrenos de cultivo não foram aceites.
    Se isto é uma democracia, alguém me há-de explicar o que é uma ditadura!

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