Governe, Dr. Costa. De preferência à esquerda

Não percebo a polémica em torno da “coligação negativa” que aprovou o alargamento dos apoios sociais no combate aos efeitos económicos da pandemia. Por vezes, parece que nos esquecemos que quem realmente manda é o Parlamento, não o governo. Agora, no momento em que não convém a António Costa que assim seja, como em 2015, quando lhe correu tão bem que conseguiu governar, apesar de ter ficado atrás de Pedro Passos Coelho. A democracia representativa, quando nasce, é para todos. E o PS, que governa minoritariamente, e que até rejeitou acordos escritos com os antigos parceiros da Geringonça, que poderiam ter evitado mais este balázio no pé, já devia ter percebido isso.

As contas são algo complexas para um ignorante como eu, mas, grosso modo, a coisa custará uns 40,4 milhões de euros por mês. 3,3% da primeira injecção de 1200 milhões na TAP. 1%, se considerarmos as estimativas que apontam para um investimento total de 3700 milhões até 2024. Substituindo TAP por Novo Banco, estes 40 milhões equivalem a uma miserável percentagem de 0,4% dos 11.263 milhões que já torramos no banco “bom”, até Maio de 2020. 2,2% do custo anual da corrupção em Portugal, estimado em 1820 milhões pelo relatório de 2018, The Costs of Corruption across the EU, do grupo parlamentar dos Verdes/Aliança Livre Europeia. Mas como este é ano de autárquicas, prevê-se um aumento substancial nesta rubrica, pelo que aquela percentagem ainda deve descer. Peanurs, como dizia o outro. E com tanta despesa por executar, tantas cativações e a bazuca quase quase a chegar, não há de ser por 40 milhões por mês que não se ajudam as muitas vítimas das medidas de confinamento.

E agora, o que temos? Temos o caldo entornado? Nada disso. A iniciativa da “coligação negativa” foi bem-sucedida, Marcelo promulgou e Costa vai enviá-la para o Constitucional. Não vejo nada de preocupante ou ilegítimo em todo este processo. Os partidos têm toda a liberdade para criar propostas e iniciativas legislativas comuns, independentemente das suas diferenças – e ainda bem – Marcelo tem toda a legitimidade para promulgar ou vetar qualquer lei que lhe é apresentada e Costa está no seu direito de as enviar para fiscalização sucessiva. São as instituições a funcionar em pleno! Mas não deixa de ser curioso, ver o esforço do esquerdíssimo governo de Costa para bloquear o alargamento de apoios sociais, num momento e num contexto como este, como ver a direita que já lá estava no tempo de Passos a unir-se à esquerda para impor medidas desta natureza. Os caminhos da política são insondáveis.

António Costa, em vez de perder tempo com o TC, devia reunir-se com o ministro Leão e restante equipa, fazer as necessárias opções políticas e estratégicas para acomodar esta verba e parar de pensar no impacto que terá no défice. Ou, por outras palavras, que governe. De preferência à esquerda, que foi a proposta que apresentou aos seus eleitores. Combater, por todos os meios, este alargamento dos apoios sociais, num momento tão particularmente delicado da nossa existência comum, não é governar à esquerda. É outra coisa qualquer.

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    Ainda que concorde em absoluto com as medidas propostas pela Oposição, pois reflectir os apoios com base na normalidade anterior à pandemia será porventura mais justo, do que fazê-los reflectir sobre um ano atípico, o de 2020, estou convencido que o TC vai dar razão ao Governo. Era bom que assim não fosse, mas intuo que desta feita Marcelo vai ficar com um sorriso amarelo. À Oposição cabe-lhe este papel, o da demagogia. Aliás, ver o PSD e o CDS a apoiar medidas como estas, depois de anos a governar com cortes sucessivos em tudo o que lhe causava urticária, só dá mesmo para rir, tamanha è a desfaçatez.

    Esta fiscalização sucessiva das leis aprovadas na AR pela Oposição, tem mais um fim político do que propriamente evitar o pagamento dos apoios. Até porque ninguém sabe quando será feita essa fiscalização pelo TC. E os apoios pagos nunca serão devolvidos.
    O PS sabe que vai ter de levar este governo até 2023, mesmo que aos solavancos. Admitindo remotamente que haja uma crise política, com eleições antecipadas, levando o governo a 2026, também sabe que nunca terá maioria absoluta. Dito isto, o PS estará sempre refém da Oposição à sua esquerda e direita, enquanto for poder. Sócrates, Carlos César, Armando Vara, entre outros ilustres socialistas, contribuíram fortemente para essa desconfiança. Estavam à espera de quê?
    Se o TC der razão ao PS, o que presumo, Marcelo fica de certa forma em xeque, sendo ele o professor de direito constitucional, cola-se-lhe logo o rótulo de intriguista, opositor encapotado, pois era seu dever resolver o problema de outra forma.
    Pode no entanto acontecer o contrário, e aí o PS ficará em maus lençóis. Não tendo o TC encontrado nenhuma inconstitucionalidade, ou sendo ela residual, essa decisão reforça cada vez o poder de Marcelo, ficando o governo obrigado a cumprir com tudo, ou a criar ele próprio uma crise política artificial, para daí tirar vantagem.
    Enquanto as sondagens derem o PS à frente, com larga margem sobre o PSD, qualquer crise política só diminui a Oposição e o PR. O contrário pode mudar muita coisa ou também não.
    Enquanto o PSD não perceber que o seu discurso politico derrotista, valorizando a miséria alheia a bem do país, só se for o deles, “no acima das possibilidades dos outros, mas nunca nos seus apaniguados”, o valor acordado para do salário mínimo nacional, é um bom exemplo, podem esperar sentados, que não vai ser tão cedo que alcançam o poder sozinhos ou com a restante direita.
    Somos tolos, mas não somos masoquistas!

  2. Vaz Silva says:

    (nº 2 do artº 167º da Constituição)

    Os Deputados, os grupos parlamentares, as Assembleias Legislativas das regiões autónomas e os grupos de cidadãos eleitores não podem apresentar projetos de lei, propostas de lei ou propostas de alteração que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento.

    Lendo isto, os que acham que se pode, porque diriam que não se pode decidir aumentar o “mandato presidencial” para 10 anos?

    No acto de posse o Presidente da República eleito prestará a seguinte declaração de compromisso:
    Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa.

    Artigo 128.º
    (Mandato)
    1. O mandato do Presidente da República tem a duração de cinco anos e termina com a posse do novo Presidente eleito.

  3. JgMenos says:

    A seguir à geringonça vem o culto do parlamentarismo!
    Mais uns dias e recomeçam a berrar pela Constituição…

    • POIS! says:

      Pois, e depois?

      V. Exa. anda há séculos a esganiçar-se todo pela de 1933 e ainda ninguém se queixou.

      A não ser os seus vizinhos que estão fartos de ouvir em altos berros os discursos do de Oliveira e os sermões do de Cerejeira.

  4. Filipe Bastos says:

    Francamente, João Mendes.

    Não é óbvio que o Partido Sucateiro rejeita isto porque não foi ele a propô-lo, e os outros jamais poderiam ficar como os bons da fita?

    Não é assim que funciona desde sempre o bordel paralamentar, não é o que fazem aliás todos os partidos, comunas incluídos?

    Não vive a ‘casa da partidocracia’ destas alianças e acordos sujos, de votos e abstenções cozinhadas, ora te absténs tu, ora me abstenho eu, para passar o que lhes interessa e fazer figura quando lhes dá jeito? Não confirmamos isso quando se juntam todos – e sempre às escondidas – para legislar em causa própria?

    “São as instituições a funcionar em pleno!”, diz o João. Se por instituições designa o esgoto partidário, um presidente corta-fitas e um TC de chulecos ‘interpretadores’ duma Constituição anacrónica, então sim, funciona lindamente.

    Se fala de democracia, então não, não funciona porra nenhuma.

    • Paulo Marques says:

      Não, é óbvio que rejeita porque quer ficar bem a quem manda na colónia, quem sabe para continuar a carreira de vários colegas.