À medida que a invasão de Putin avança, aperta-se o cerco da liberdade de expressão. Mas esse cerco, lamentavelmente, não se resume à trincheira do tirano russo. Aqui pelo Ocidente, à caça às bruxas está ao rubro. De maneira que quem não debita a narrativa oficial é pró-Putin, quem questiona os antecedentes da invasão é pró-Putin, quem ousa debater qualquer variável que coloque em causa a narrativa simplista imposta pelo novo politicamente correcto é pró-Putin. Assim estamos.
Ciente dos riscos que corro, decidi lançar esta pequeno dicionário, onde pode. Os ver algumas expressões correntes e o seu equivalente em correctês. Para ir actualizando.
1) INVASÕES
- A invasão da Ucrânia foi apresentada como uma “operação especial militar” = Tirania!
- A invasão do Afeganistão foi apresentada como uma “guerra preventiva” = Liberdade!
2) ANTECEDENTES: quando utilizar?
- A invasão da Ucrânia não tem antecedentes. Tudo começa a 24 de Fevereiro e o máximo que estamos autorizados a recuar na história é até ao início da concentração de tropas russas na fronteira com a Ucrânia. Foi uma invasão e pronto. Se tu achas que existem antecedentes que se relacionam com a situação actual, és pró-Putin,
- A invasão do Afeganistão tem vários antecedentes, dos quais se destaca o 11 de Setembro, e justifica-se com o facto de se achar que os Taliban davam guarida a Bin Laden, um saudita que foi morto no Paquistão, aliado dos EUA. Os terroristas que desviaram os aviões no 11 de Setembro eram quase todos sauditas. Nenhum deles era afegão.
3) METAMORFOSE
- Quando combateram os russos, os Taliban eram freedom fighters.
- Quando deram guarida ao Bin Laden passaram a ser terroristas.
- Quando os EUA se fartaram de estar no Afeganistão recuperaram o controle do país e passaram a interlocutores diplomáticos.
4) A CULPA É DAS ANTI-AÉREAS
- Quando os EUA destroem uma escola ou hospital numa das muitas invasões que promovem ou levam a cabo, a justificação é sempre a mesma: o inimigo montou as anti-aéreas junto àqueles edifícios. Não tivemos escolha.
- Quando os russos bombardearam a maternidade de Mariupol, acusaram as forças ucranianas de lá instalarem o quê? Anti-aéreas. Rematando com o célebre: não tivemos escolha.
5) BOMBAS DE FRAGMENTAÇÃO
- Os russos usaram bombas de fragmentação! Cruzaram-se todas as linhas vermelhas! Absolutamente inaceitável. Crimes de guerra! Acabem com esta monstruosidade!!!
- No Verão de 2007, Israel largou cerca de um milhão de bombas de fragmentação no sul do Líbano. Morreram milhares de pessoas mas, por sorte, eram todas terroristas do Hamas, tornando o uso destas armas totalmente aceitável.
Qual a agressão da Ucrânia à Rússia que inicou todo o processo e foi branqueada pelo politicamente correcto?
Não me apercebi dessa parte.
Vê se é desta, filho.
https://braveneweurope.com/john-rees-the-path-to-war-ukraine-russia-and-nato
«There you can read that long before the 2014 Maidan crisis ‘Relations were strengthened with the signing of the 1997 Charter on a Distinctive Partnership, which established the Nato-Ukraine Commission (NUC) to take cooperation forward’. And that ‘Since 2009, the NUC has overseen Ukraine’s Euro-Atlantic integration process, including reforms under the Annual National Programme (ANP)’.
Nato boasts that ‘Cooperation has deepened over time and is mutually beneficial, with Ukraine actively contributing to Nato-led operations and missions’. It advertises that ‘Priority is given to support for comprehensive reform in the security and defence sector, which is vital for Ukraine’s democratic development and for strengthening its ability to defend itself’.
After the Maidan crisis, integration with Nato accelerated: ‘Since the Nato Summit in Warsaw in July 2016, Nato’s practical support for Ukraine is set out in the Comprehensive Assistance Package (CAP) for Ukraine’. In June 2017, the Ukrainian Parliament adopted legislation reinstating membership of Nato as a strategic foreign and security policy objective. In 2019, ‘a corresponding amendment to Ukraine’s Constitution entered into force’. In September 2020, President Zelenskyy approved Ukraine’s new National Security Strategy, which provides for the development of the distinctive partnership with Nato with the aim of membership in Nato. Moreover, ‘In response to the Russia-Ukraine conflict, Nato has increased its presence in the Black Sea and stepped up maritime cooperation with Ukraine and Georgia’.
There is no sense in which Russia’s invasion of the Ukraine can be justified. But there are also no grounds for eradicating the historical fact of Ukraine’s de facto alliance with Nato. »
Não faltam mais exemplos de incoerência ( o termo apropriado seria hipocrisia, mas enfim… )
País “mau” atinge populações civis: massacra a população civil.
País “bom” atinge populações civis: danos colaterais
Puto de região invadida por país “mau” atira molotov a blindado do invasor: Herói
Puto de região invadida por país “bom” atira molotov a blindado do invasor: Terrorista
País “mau” invade: invade por motivos maléficos e é um estado pária e criminoso, desrespeitador do direito internacional.
País “bom” invade: invade para “exportar a democracia” e por “causas humanitárias”, e é portanto um estado “decente”, defensor dos sagrados valores ocidentais.
Líderes de país “mau” obrigam cidadãos a combater e colocam armas nas mãos de crianças: Criminosos ditatoriais e sanguinários..
Líderes de país “bom” obrigam cidadãos a combater e colocam armas nas mãos de crianças: Líderes heroicos e inspiradores.
País “mau” opõe-se a independência de regiões no seu território: repressor dos legítimos direitos à auto-determinação de populações heroicas.
– País “bom” opõe-se a independência de regiões no seu território: defende a coesão e integridade territorial contra criminosos divisionistas.
Refugiados de pele mais clarinha, aspecto decente, com modos à mesa e chegados de avião: Abrem-se as solidárias portas da Europa porque são vítimas de países “maus”.
-Refugiados de pele mais escurinha, mal vestidos, sem maneiras à mesa e que chegam a nado: A Europa não tem condições para receber “essa gente” com costumes exóticos, e portanto devolvem-se às regiões de onde saíram ( vítimas de países “bons” )
-País “mau” é suspeito de cometer crimes de guerra: Imediato processo e rapidamente começam a recolher provas, sejam elas reais ou fabricadas, incentivando os valorosos cidadãos a denunciar situações, independentemente de as fundamentarem ou não.
-País “bom” é confrontado com evidências de ter cometido crimes de guerra: Persegue-se e prende-se os denunciantes e enterram-se as provas no baú da História.
País “bom” anexa território onde não coloca os pés à séculos: legítima recuperação de território ancestral.
País “mau” anexa território que foi cedido à algumas décadas: inaceitável anexação de região soberana,
Enfim, há mais exemplos, mas fico por aqui, que estes já devem chegar para me qualificarem como “Putin-lover”, quando na realidade só pretendo demonstrar a profunda hipocrisia com que esta situação está a ser tratada, hipocrisia essa que não é inocente, e está a servir muito bem para enterrar muitos podres do “lado de cá”, enquanto diaboliza um dos lados e a beatifica o outro.
Na realidade não há santos nesta trapalhada. Se o Putin tem sangue nas mãos, todos os políticos e governos que contribuíram para este desfecho não saem nada limpos disto tudo. E parte da solução para este conflito passa por, sem deixar de condenar a invasão de per si, compreender as partes e os contextos e circunstâncias do conflito.
E quanto ao Zé da Ucrânia, elevado, mais que à condição de herói, à de quase santo, parece ter-se varrido da memória de muita gente as acusações que lhe faziam à relativamente pouco tempo, que iam desde corrupto, desrespeitador de direitos humanos, discriminações e envolvimento com neo-nazis, entre outros mimos. Mesmo assim, a mesma comunicação social que lhe apontou o dedo nessa altura conseguiu em tempo recorde criar um “herói” instantâneo para consumo das massas.
Independentemente de tudo isto, a prioridade agora deveria ser, com alguma serenidade e o possível entendimento entre as partes, negociar ( já que antes o deveriam ter feito e não fizeram ), para tentar regressar à paz possível.
Assim de repente, parece-me que o povo ucraniano terá mais a ganhar com isso do que andar tudo numa de “somos todos” a apelar a escaladas de hostilidades e incentivos ao ódio.
Não costuma dar bons resultados.