Presente e futuro da advocacia: uma questão de República (4)

Continuando o que escrevi aqui.

A percepção e posicionamento face à massificação da Advocacia que os números expressam, não é unânime. Bem pelo contrário.

Há quem entenda que tal massificação urge ser travada, pelo perigo que representa, dificultando-se o acesso à profissão. Mas há, também, quem entenda o contrário e que acredite que deverá ser o mercado a seleccionar mantendo-se a Ordem dos Advogados (OA), e assim a própria Advocacia, aberta a este crescendo, sendo depois a lógica da “procura versus oferta” a estabelecer o equilíbrio.

A entrada para a profissão, continuaria aberta a quem preenchesse os legais requisitos, e posteriormente seria o mercado a seleccionar. Basicamente, aquilo que tem vindo a acontecer, e que a actual Direcção da OA está a tentar inverter.

Já quem defende a restrição no acesso à profissão – que é o meu caso -, entende que a massificação traz consideráveis perigos para o respeito e prestígio da profissão. Exactamente porque a lógica de mercado não conhece limites éticos ou deontológicos. E uma Advocacia que perca o seu sentido ético, o seu sentido deontológico, é uma Advocacia, também ela, perdida.

As regras do mercado, a lógica da “procura versus oferta” poderá funcionar para a generalidade da prestação de serviços, mas não para o Patrocínio forense, onde imperam deveres éticos para com os colegas e para com os clientes.

Ora, atendendo ao crescente número de Advogados, num país onde o cidadão é afastado da Justiça quer pela sua morosidade quer pelo seu custo, bem como pelo processo de desjudicialização em curso – matérias com influência directa na questão que também serão abordadas –, torna-se evidente que não há mercado para tanta gente. E nas dificuldades de sobrevivência (pelos mais novos) ou de manter o nível económica de vida ganho outrora (pelos mais velhos), necessariamente as barreiras éticas e deontológicas irão sucumbir: na sobrevivência ou na ganância não há valores.

Na sobrevivência na tal luta de mercado, não há espaço para a lealdade ou para independência, valores essenciais na Advocacia.

A saturação do mercado será muito boa para quem quer contratar mão-de-obra barata. O que tem vindo a acontecer, num claro processo de proletarização da Advocacia. Mormente aquele que é promovido por grandes sociedades de Advogados a quem, obviamente, interessa contratar barato, na exacta medida da “procura versus oferta”.

Entendo que o exame nacional que referi aqui é uma medida positiva, mas não basta. E que temos de avançar mais. E não me causa qualquer espécie de incómodo a criação de numerus clausus no acesso à profissão. Porque se o Governo nada faz – antes agita euforicamente a bandeira estatística dos números de licenciados e de doutores em Portugal sem curar de saber onde vão depois trabalhar -, então que seja a OA tomar uma atitude de força. Haverá contestação, até acções judiciais, certamente, e em sede própria se discutirá a matéria. Mas também estará lançado o debate público a que sucessivos Governos fogem.

No próximo artigo, e ainda em sede de acesso à profissão, irei abordar o estágio e a formação.

Comments

  1. zé manel says:

    Certo, concordo. Eu vou fazer esse tal exame, o que me causa confusão é isto “direito constitucional, direito criminal, direito administrativo, direito comercial, direito fiscal, direito das obrigações, direito das sucessões, direitos reais, direito da família, direito do trabalho e, ainda, direito processual penal, direito processual civil, processo do trabalho, procedimento administrativo e processo tributário”.
    Se o exame for sério e abranger 60%, 70% dessas áreas, seria engraçado ver a nota que a maioria do advogados em exercicio obtia…
    ehehe

  2. zé manel says:

    E que tal, um exame de 5 em 5 anos, realizado a todos os advogados? Os que não obtessem o minimo de 10, seriam suspensos até realização de próximo exame, após 5 anos.

  3. zé manel says:

    obtivessem

  4. zé manel says:

    Para terminar, querem exigir aos outros o que muitos não tiveram. O 12ºano (para muitos), uma lic de 4anos + 1.5 anos e meio de “mestrado” de bolonha + um exame + 100 anos de estágio.
    Tem piada, sim senhor!!

  5. Não obstante as questões legais que se poderão levantar e que há que resolver a priori, eu também sou a favor da criação de numerus clausus no acesso à Advocacia.
    Talvez porque nunca fui apologista de numerus clausus apertados no acesso à Universidade.
    Acho que existe nos dias que correm informação suficiente para que os estudantes universitários, que já não são nenhumas criancinhas, terem noção da realidade do mercado de trabalho.
    O que é inadmissível é que dentro de um sem número de profissões a que a licenciatura em Direito dá acesso, seja somente a OA dos Advogados a reclamar do excesso de licenciados.
    Tal não dignifica os Advogados, nem os que actualmente exercem, nem os vindouros.
    Nem dignifica a Advocacia aos olhos do cidadão em geral, nossos potenciais clientes.
    Não ouvimos este tipo de queixas em nenhuma outra classe de juristas: nem magistrados, nem notários, nem conservadores, etc, etc, etc…
    E não é exigível que recaia sobre a OA a função de absorver o excedente de licenciados.
    Questão diversa e na qual tenho muitas reservas, é a de saber como contabilizar qual o número de Advogados que a sociedade portuguesa comporta (agride a minha sensibilidade o nome “mercado” quando de Advocacia se trata).

    • Luís Moreira says:

      Sim, Sandra, mas é o mercado que determina, tudo o mais é mais injusto!

  6. Caro Luís Moreira, de acordo. Existe um mercado, mercê do rumo que a Advocacia tomou.
    Mas eu ainda sou do tempo em que os Advogados interiorizavam a essência da Advocacia: a independência, a função pública, enfim, tudo o que foi exposto logo no início pelo Dr. J. Mário Teixeira.
    E quem vive exclusivamente desta profissão é profundamente ofendido quando é obrigado a usar termos como este.
    Assim como se sente ofendido ao ler notícias donde se fala em Advogados com salários baixos, horários de trabalho, enfim, qualquer dia está-se a pedir o fim da OA e a criação de sindicatos.
    Há que inverter esta situação.
    E resolver os problemas que estão efectivamente na essência da Advocacia: a procuradoria ilícita, a produção legislativa abusiva, os esvaziamento das funções do Advogado, uma falta de sensibilidade do cidadão para a advocacia preventiva e pugnar pela boa imagem da actividade.
    E incutir a deontologia nos Advogados inscritos e nos vindouros: é inadmissível que haja procuradoria ilícita com a conivência de “colegas”, assim como é escandaloso o número de “colegas” que numa completa falta de respeito pelos seus pares não paguem impunemente as quotas.

    • Luís Moreira says:

      De acordo com quase tudo. O problema essencial é que ,como com as outras profissões liberais, quem não entrar em certos circuitos não vai lá por muito bom profissional que seja.

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