Poesia do Socialismo Português (Poesia & etc.)

Entre a tempestade que assolou Portugal e o caudal de terríveis notícias que ia chegando do Chile, flagelado por um sismo de elevada magnitude, no sábado, 27 de Fevereiro, pelas 16 horas, no auditório do Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, teve lugar o lançamento do livro “Poesia do Socialismo Português no percurso de 1850 a 1974”, da autoria de Sílvio Castro e publicado pelas Edições Colibri. Sílvio Castro (1931) é um escritor brasileiro, poeta, ficcionista, ensaísta e titular da cátedra de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Pádua. Este seu estudo tem como objectivo central demonstrar a existência, no período considerado, de um recorrente projecto de associar a poesia à realidade sociopolítica do País.

Estas balizas temporais (1850-1974) marcam os limites entre as primeiras manifestações do socialismo em Portugal e a Revolução de Abril, carregada de ideologia socialista. Durante este período, o poema revolucionário, interventivo e de luta, foi uma constante na poesia portuguesa. Naturalmente que a poesia produzida durante estes mais de 120 anos reflecte uma paleta de cores que começa no socialismo utópico, adentra-se pelo socialismo científico e, por vezes, crítica ou laudatoriamente, emerge, ou imerge. do socialismo real. É esse persistente fenómeno que o estudo de Sílvio Castro aborda, analisando as obras de poetas portugueses que tipificam essa constante e ilustrando as análises com poemas escolhidos.

A apresentação, a cargo do Professor Manuel G. Simões, traduziu-se numa excelente apreciação da obra, da qual vou transcrever alguns trechos mais significativos:

«Em primeiro lugar apraz-me registar o que este livro é e o que não é, servindo-me, para isso, das próprias palavras do Autor: “Este é um estudo sobre a poesia portuguesa no amplo espaço de duas “Modernidades”: aquela Romântica e a Novecentista. Entretanto, ainda que estruturalmente ligado a uma metodologia histórico-literária – e preso em modo central à análise da criação do fenómeno poiesis – não deve ser tomado como uma história da poesia do Portugal moderno e contemporâneo. Isto porque é uma tentativa de síntese crítica da criação da poesia ligada a um particular e muito específico produto: a política. E, mais ainda, ao Socialismo português.»

«E quanto às datas que balizam o corpo textual, de 1850 a 1974, as mesmas justificam-se plenamente na medida em que 1850 assinala as primeiras manifestações socialistas em Portugal, designadamente com a publicação de O Eco dos Operários, e que 1974 aparece como objectivação de um ideal longamente projectado.»

«O ensaio de Sílvio Castro não perde portanto de vista a relação entre poesia e política, sem transcurar porém todos os elementos de natureza estética. É por isso que coloca o discurso enfaticamente em torno dos poetas da Geração de 70 (com especial relevo para Antero de Quental), os quais souberam equilibrar a relação entre poesia e política, renegando o conceito absurdo de poesia pura e elaborando uma prática poética que tinha como núcleo essencial os valores humanos e as injustiças do tempo»

«O que pretende o Autor com este volume de indubitável interesse, quanto mais não seja pela visão de conjunto numa perspectiva diacrónica? “O presente estudo – escreve S. Castro – procura verificar, nas seis partes de que é composto e através da análise de poemas de poetas portugueses das diversas épocas e movimentos literários da história da poesia nacional, o conceito de “poesia socialista” e a sua permanência na produção lírica portuguesa”, tanto do ponto de vista da história ideológica, como da história política».

«As referidas seis partes, que revisitam a evolução das ideias literárias portuguesas a partir duma visão inovadora, são acompanhadas de poemas exemplificadores do discurso ensaístico, embora não devam ser entendidos como antologia mas como “material de apoio da análise”, isto independentemente da adesão ao socialismo e das contradições internas que cada poeta possa ter evidenciado no fluir da sua produção. Deste modo ficam salvaguardadas possíveis inclusões ou exclusões, visto que a escolha dos poemas foi quase sempre motivada por uma dada isotopia que importava considerar».

«Na sua globalidade, o livro oferece uma apreciável reflexão sobre o fazer poético (no caso específico, sobre a poesia do socialismo português). Trata-se de uma obra inédita, produto de uma meticulosa pesquisa e por isso de validade incontestável».

«Na evolução da história das ideias literárias, várias vezes a polémica se instalou sobre a função da literatura em geral e da poesia em particular, chegando-se à utopia, a partir das propostas de alguns formalistas, de uma “poesia pura”, da autonomia do significante em detrimento do texto poético que, sem transcurar formas expressivas inéditas e originais, traduz modos de representação da sociedade e estabelece um encontro/confronto entre a voz poetante e o mundo. Ora a tese da arte apolítica, seja qual for o invólucro da sua realização, não passa de fábula que me parece vazia, contra a qual se manifesta um discurso poético em que se evidencia a concepção ideal e historicamente determinada, o complexo das suas ideias dominantes».

«É por isso que o poeta deve exercer uma acção interventiva relativamente ao tecido social circunstante, propondo a renovação do discurso poético, agindo com um ponto de vista novo sobre a palavra, de maneira a não condicionar o núcleo semântico do texto mas levando-o a produzir novas unidades de significado. Deste modo podem alargar-se as potencialidades expressivas, não como exercício estético em si, mas como oficina onde se elabora um objecto (poético) que possa exprimir, através das potencialidades da linguagem, os grandes temas objecto da preocupação do homem nas suas relações com os outros e com o mundo».

«Neste aspecto, e através da elaboração teórico-poética e da participação activa e crítica do escritor, este assimila as tendências e os problemas da sociedade e opera no sentido de instituir uma relação de interacção com o presumível destinatário. Com efeito, esta foi a prática poética seguida por alguns dos poetas mais altos que já existiram – desde Homero a Dante, de Camões a Pessoa, de Lorca e Neruda a João Cabral de Melo Neto e tantos outros -, os quais se ocuparam, nas suas poéticas, como já disse o último, dos “temas da vida dos homens”, numa perspectiva que contempla a consciência ética da função comunicativa».

A apresentação do Professor Manuel G. Simões é bem clara e elucidativa sobre a valia do estudo de Sílvio Castro e dispensa mais considerações sobre uma obra que, lançada em tão dia tormentoso, como tormentosos têm sido as sendas do socialismo, fará por certo uma caminhada serena, encontrando um lugar privilegiado entre a bibliografia portuguesa de referência.

Comments

  1. Carlos, mais uma vez te agradeço os ensinamentos preciosos sobre matérias com as quais não teria maneira de lidar. Considero que tenho um certo tropismo para a poesia e a literatura e para as artes em geral, mas sou um zero em pesquiza e investigação. Os teus trabalhos são únicos e valiosos. Pena é, já to disse, que não ponhas tudo em livro, o que seria uma maravilha. Um abraço

  2. Carlos Loures says:

    Muito obrigado, Adão. Não tenho grandes possibilidades de editar estes textos que aqui publico, embora os esteja a organizar de forma a poderem ser publicados. O que vou publicando, lentamente, são os romances que, apesar de tudo, se vão vendendo. Acabei de escrever um e começa agora a «guerra» por uma publicação não muito tardia – vamos ver se ainda este ano.

  3. harumy yumi yotizono says:

    adorei essa poesia so que e muito grande

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