E agora, filho?

texto escrito como louvor para um trabalhador da bola que sofre a felonia de ver a sua vida privada, entrometida

Carta imaginaria de CR ao seu filho em dias prévios ao grande triunfo do Mundial 2010

O que vamos fazer? E esse bisbilhotar sobre nós, este não nos deixar em paz e em calma? Este andar a falar sempre de nós, como se formos seres aparecidos de outro mundo, de caras que assustam, essa necessidade de andar sempre a fugir para outras terras, porque na terra do pai a imprensa nos invade e coloca questões que o pai nem quer responder para usar a sua santa liberdade, a sua opção sã e destemida, esse de ter um filho apenas meu? Um filho sem mãe, ou por outra, com tantas mães, como são a tua avó, as tuas tias, as vizinhas discreta nas que confio imenso? Reparaste já no jornal que te atribui um valor não de filho surpresa e único, mas um filho que é… milhares de euros? Onde fica o filho amado e imensamente procurado, sem o pai nunca encontrar a pessoa adequada para, por paixão, por amor, por essa força da natureza, ia criar ao meu pequeno como eu próprio fui criado, com ternura, com doçura, orientado para aquilo o que o pai parecia ser melhor, o jogo da bola?

O pai precisa paz e sossego para cumprir os seus deveres, esses que todo o mundo espera sem piedade nem perdão: que saiba correr, um bom avançado, para chutar tantos golos quanto possível: mais golos, mais prémios, mais corrida, mais gloria. Na véspera do jogo mais importante do mundo para o pai, os jornalistas apenas querem saber as origens do meu filho, os detalhes mais escabrosos do teu nascimento, o que a lei diz, a validez em vários países diferente, da minha paternidade sobre o meu único descendente. Descendente que tanto amo, é apenas meu e de mais ninguém, filho que na esperada véspera de ser ou não campeão do mundo, foge para não se enternecer com a sua presença e ficar fraco para a corrida.

A espera de um filho não é brincadeira. Tenho conhecido pessoas da academia em procura do unigénito, serem submetidos a operações para obter, finalmente, o triunfo dos triunfos: o filho esperado. Sentimento que os jornalistas parecem não conhecer por lucrar com especulações. Têm tanto falado do pai, que o pai os desapressa e não fala com eles. Apenas, para o meu pequeno saber, tenho dito uma frase e em várias línguas: Tenho o prazer de vos anunciar que acabo de ser pai. Desde esse dia, tenho calado e me divertir a minha maneira, costumeira e tradicional, para não pensar no meu bebé e estar forte para o meu dever.

Ou essa filha de outro académico, toda feliz de ser mãe em breve, da vida académica também como o pai da criança, e o filho nasce e entre na eternidade uma hora depois. Para ultrapassar sentimentos negativos, foram passear e tiveram uma menina tão querida, como o meu filhote.

Porque saliento académicos? Por se supor que controlam as forças da natureza e as suas emoções, com o saber racional adquirido na vida. Não deixam o seu trabalho, choram pela ilusão perdida, que fica guardada nas suas emoções.

Filho, mal acabe este compromisso, compões ou não, vamo-nos perder e ensinar aos intrusos que o trabalho é público e pode ser exibido, mas que a paternidade e íntima e pessoal. Talvez tenhamos que lutar muitas guerras, talvez eu seja vitoriado ao entrar na relva. Mas o pai, educado numa ilha a seguir, longe de casa em escola de jogadores da bola, sabe muito bem, desde que a suas qualidades têm sido reconhecidas e tem vivido e vários países, sempre com alguém de família, saberá afastar o pensamento da emoção de ser pai e deve jogar como é habitual, canhe ou perca. O meu bebé nada tem a ver com esta história dos campeonatos, porque trabalho é trabalho e conhaque é conhaque.

Eu no bebo além do que é normal. Mas, torná-lo a ver e cantar e cantar canções de embalar, será a minha grande bebedeira, sem álcool. O meu descendente será esse copo e um dia, esse que deve aparecer e o pai já não jogue mais, se o filho achar bem, será o meu substituto, ou o que entender fazer da sua vida, baixo a minha protecção, da forma em que eu próprio fui orientado pelo pai da casa.

Vamos parar. Vamos triunfar. Ninguém entrará dentro das minhas palavras. O meu bebé é meu e a bola, do povo, do qual somos parte.

Esta é apenas uma forma de pensar que nasce das minhas conversas pelo facebook, com o autor desta minha carta.

Para qu o Mundial? Já ganhei…Donde, agora filho, vamos separar trabalho de vida pessoal, dentro desta grande bebedeira que o teu nascimento me dá.

Comments

  1. Raul Iturra says:

    Tinha o texto fixado e queria trocar, mas o Ricardo foi mais rápido e o editou. Pequenas gralhas, sem importância, ficaram no texto, como Para quê o Mundial -falta o acento, e trebalhador e não trabalhador. Mas, não interessa, interessa a minha rapariga que trabalhou nas gralhas após a minha escrita! Porque, com o sem gralhas, a escrita é minha!
    O importante é esta perseguição de uma glória de Portugal que, como bem sabemos, já tem suficiente problemas com as leis em dias prévios a um jogo importante, para mim, pelo menos. Bem como, com as emoções não se brinca. Estou nesse temor de que o nosso craque receba uma salva de palmas ao Domingo, parte da má educação do nosso povo luso.
    Como o Ricardo pode imaginar, a “académica referida” é a minha filha mais nova, o outro “académico”, um dos meus colaboradores de entre tanta Universidade em que colaboro.
    Obrigado pela sua simpatia. O Ricardo não tinha que recuar muito: foi pai de menina faz dois meses apenas…Eu, tive que lembrar e pensar nos meus netos, o que não é bem a mesma coisa. Obrigado, Ricardo e lembre-se da salva de palmas este Domingo!
    Se tem jornais amigos seus – porque cá só me aceita O Interior, os outros têm medo…de mim e a minha língua certa e dura, com provas e todo. Publique!