Volta e meia, independentemente do ministro que esteja em funções, lá vem a conversa do Estado poder meter o nariz na propriedade privada. No caso presente, fala-se do Estado tomar posse de terrenos particulares. Antes, em 2008, foi Jaime Silva com uma teoria quanto às partilhas.
Atente-se nas declarações do ministro da Agricultura (via TSF): "(…) estão a ser estudados «alguns instrumentos» de «agravamento fiscal para quem não utiliza as terras, não as mantém, não as arrenda ou não as vende». Estão também em estudo «instrumentos mais agressivos», como «o Estado vir a tomar posse de determinada propriedade para mais tarde fazer uma concessão para privados com experiência na gestão de espaços florestais ou outros», acrescentou António Serrano". [Adenda: reacções à ideia do ministro]
Portanto, cavalgando o caos dos incêndios, aproveita o ministro para apresentar adicionais fontes fontes de receita, pelo agravamento fiscal e pelas concessões, que (aposto) não serão gratuitas.
Estamos falados quanto às motivações. Mas há ainda outras duas outras questões para abordar. Em primeiro lugar, já que o ministro reforça a aposta num Estado-Papá, é de observar de que forma toma o Estado conta das suas propriedades. Será um exemplo de excelência? Será o Farol de Alexandria dos proprietários florestais? Olhando para a forma como o Estado descuidou a vigilância do parque Peneda-Gerês, que arde desde sábado, dir-se-ia que não. E considerando o estado da Mata Nacional do Urso em 2005, logo depois do Estado passar a exigir aos privados o que ele próprio não fazia (e não faz?), confirma-se que mata privada que arda, arderá de forma igual se colocada sob a tutela do Estado.
Por fim, não se tiram lições quanto a legislar a quente? Sempre que uma situação ganha relevo na comunicação social, logo alguém do governo que esteja em funções que se lembrará de apresentar nova legislação que resolva o que a anterior não havia resolvido. Legislação essa a ser substituída na crise que se lhe siga e assim sucessivamente porque, por norma, o problema não reside na falta de legislação mas sim no não cumprimento daquela que esteja em vigor.
Claro que apresentar novas leis transmite as ideias de o incidente ter ocorrido por défice legislativo e que este não se repetirá depois da iniciativa efusivamente apresentada perante os holofotes dos media. Mera gestão da crise, portanto. Os problemas destas iniciativas são o seu custo e, possivelmente, não serem a melhor solução. Veja-se o caso dos painéis de "Risco de Incêndio Florestal", lançados em 2008. Este aqui apresentado foi fotografado em 8 de Agosto de 2010, perto da Figueira da Foz, num dia de intenso calor e marcava um reduzido risco de incêndio. Na verdade, assim já estava desde o Outono passado. Quantos destes painéis estarão nas mesmas circunstâncias? Se é questionável se valeu a pena gastar dinheiro nisto, já com segurança se pode afirmar que deu belas parangonas por ocasião do respectivo anúncio governamental.
Os incêndios são um flagelo anual que só se conterá, quanto a mim, quando se conseguir mudar a atitude dos portugueses face aos seus recursos naturais. O que implica deixar de largar lixo nas bermas, parar de atirar beatas acesas (e apagadas também!) para o chão e ter-se vigilância e Justiça capazes de responsabilizar as atitudes criminosas. E não será por decreto que se lá chegará.
Há seguramente alterações legislativas que se impõem a quente ou a frio. Parece-me do mais elementar bom senso que se tenho um Ferrari mas não tenho dinheiro para o manter em condições de segurança para mim e para os outros, mo possam tirar. O mesmo se passará com a terra. O mesmo se passa relativamente ao estado e pergunta-se quem tirará ao estado as terras que lhe pertencem e de que não cuida devidamente.
Quanto às beatas, elas não devem ser atiradas para o chão, estejam acesas ou apagadas, na mata, em casa, na rua ou seja onde for. Mas ainda me hão-de demonstrar ou mostrar qual foi ou qual é o incêndio florestal gerado por uma beata. Alguém responsável e com mais horas de combate a incêndios florestais que alguns pilotos de vôo fez a experiência à minha frente e passámos umas horas a tentar acender uma pequena fogueira a partir de uma beata acesa e com os mais diversos produtos florestais desde a caruma a pausinhos. O resultado foi mais do que negativo. O mito da beata tem a sua origem na CP cujos comboios foram responsáveis por muitos incêndios florestais porque a CP, tal como o estado e muitos cidadãos, não limpou as suas matas perto dos carris durante longos anos. Era mais fácil atribuir culpas a um anónimo passageiro que teria atirado uma hipotética beata pela janela e livrar-se de pagar indemenizações e coimas.
Mas, como afirma, e muito bem, mais do que a diarreica e constante produção legislativa, era importante por a funcionar o poder executivo. É que alei só é respeitada por medo da sua execução. Ora, o sentimento de impunidade explica este estado de coisas e outros.
Acho interessante a sua abordagem à reciprocidade “quem tirará ao estado as terras que lhe pertencem e de que não cuida devidamente.” Admito que tenha razão, que no limite o Estado possa interferir na propriedade privada se quem de direito dela não cuide. Não vejo, no entanto, porque há-de o Estado tomar posse dessa propriedade. Porque não avança com a limpeza coerciva e apresenta a factura (com custos administrativos adicionais) posteriormente? Aliás, não é esta a legislação que já existe? E não pagando o proprietário, já existem os mecanismos legislativos para estas cobranças.
Vir no calor dos incêndios com esta conversa faz-me lembrar esse mito da beata (que não conhecia): isto arde por falta de leis.
É sábia esta sua observação “a lei só é respeitada por medo da sua execução. ” Confirmo-a por experiência dos meus tempos em que morei em Munique. Lá a polícia é de elevada eficácia e as pessoas cumprem a lei porque sabem que acabarão por ser apanhadas na infracção. Aliás, pude comprovar que esses mesmos alemães cumpridores se tornavam bem mais, digamos, permissivos quanto à necessidade de seguir a lei quando estavam em outros países (como cá, por exemplo).