
(adão cruz)
(Dedico este conto, verdadeiro, à amiga Andreia Dias, em homenagem ao seu trabalho e como libelo contra os caçadores) .
Um buraco na rede
Acordei a meio da noite e não fechei mais os olhos. A insónia levou-me onde bem lhe apeteceu.Gemi ao estalar do coração de uma mãe, senti o amargo do choro convulso de um pai, reabsorvi a minha dolorosa resignação…um barco e as amarras que o prendem aos olhos esbugalhados do cais, amarras que se despedaçam, pois ninguém lhes sabe desfazer os nós.
A madrugada de hoje começa a clarear. Quem olha através da rede da janela sem vidros julga que vai nascer uma amena manhã de primavera, mas em breve ela parecerá vomitada do ventre de uma fogueira.
Passarinhos coloridos salpicam de gorgeios o silêncio morno do amanhecer. Um grande insecto marra nervosamente de encontro à rede, numa volúpia incontida de liberdade. Eu e aquele moscardo, à procura de um buraco na rede! De um salto, corri da cama até ao chuveiro improvisado que borrifava sobre mim os mais deliciosos minutos do dia. Enquanto a água escorria em fios esganados, eu ia antevendo o prazer de uma caçada matinal às rolas. Iria pedir a carabina ao libanês Senhor Heyle, o qual, àquela hora, ensonado, não se lembrava que não gostava de a emprestar. De qualquer forma, a mim nunca a recusaria, pois precisava de mim como médico. [Read more…]
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