A face oculta da justiça

A escolha do título ‘face oculta’ é, de facto, um rasgo de rara sagacidade; diria mesmo um pensamento inspirado por iluminação divina. Com dois nomes apenas, aplicados ao complexo processo das sucatas, gravou-se de forma sintética e inextinguível a classificação genérica de tudo o que é trabalho de investigação do Ministério Público, quando há a presunção de envolvimento de políticos e gente ‘VIP’ do país. O autor do título mereceria um ‘Óscar’.  

Com efeito, nos casos em que pontificam suas excelências, a justiça portuguesa tem sempre uma face oculta. Por mais que o PGR e outros responsáveis do MP se desdobrem em declarações e entrevistas, o cerne e desfecho do processo terminam inevitavelmente na ocultação da única face que os cidadãos têm direito de conhecer, a verdade.

Hoje, segundo o anunciado por ‘PUBLICO’ e TVI, foram constituídos mais três arguidos, todos ligados à REN. Com este episódio, juntam-se no processo mais de 20 arguidos. Do grupo, lembre-se, fazem parte os políticos Armando Vara e José Penedos, o filho deste último e o sucateiro, Manuel Godinho. Este foi o único detido preventivamente.

O amontoar de arguidos e da complexidade processual, além das controvérsias no seio do MP, a que se juntam mediáticos sindicalistas, descamba na consabida morosidade e ineficácia das investigações. E no fim sucederá o trivial: a montanha parirá um rato – os gatos, ou melhor os tigres, esses ficarão protegidos e tratados com pitança de luxo, porque há que preservá-los do risco de extinção da espécie. Curiosamente, acho que deveria ser exterminada, mas, se calhar, é uma ideia politicamente incorrecta.

Umas últimas perguntas: que é feito do processo do BPN, de Oliveira e Costa, de Dias Loureiro e dos restantes envolvidos? E do caso BPP e de João Rendeiro e outros? Mesmo com a utilização de cerca 6.000 M de euros de dinheiros públicos, ouço uma voz remota mas firme a sentenciar: “Caluda!”.