A vida e a morte de Lúcio Tomé Feteira remanescerão para a história como peças limadas. Desde o sémen, foram as limas que o acolheram e lançaram na vida. Seu pai, Joaquim, fundou a Empresa de Limas União Tomé Feteira Lda., ainda no século XIX, em Vieira de Leiria.
Lúcio, todavia, acabaria por recusar o trajecto industrial paterno. Dotado de personalidade controversa, mas de firme convicção quanto à acção e à afirmação autónoma, esquivou-se das limas. Estudou no Porto, partiu para África, regressou a Portugal e, com o financiamento do sogro Dâmaso, seu conterrâneo, acabaria por fundar, em 1936, a indústria mecânica de chapa de vidro nacional, corporizada na Covina.
Teve uma vida longa, 99 anos até 2000, ano da morte. Preenchida de episódios políticos, sociais e privados, controversos. Faleceu na companhia de Rosalina Ribeiro, secretária e última companheira, também ela polémica – foi assassinada, em 7 Dezembro de 2009, duas horas após um encontro com o seu advogado, Duarte Lima.
Naturalmente que, no processo de investigação da polícia brasileira, o testemunho de Duarte Lima é capítulo fundamental. Porém, o conhecido advogado recusou responder às 193 perguntas que a polícia brasileira havia remetido ao DIAP, por carta rogatória. Diz a imprensa que Lima “rejeita depor sobre questões que podem incriminá-lo com garantias inferiores àquelas que teria se fosse ouvido no Brasil”. É expectável, obviamente, que um dia destes vá até ao Rio de Janeiro prestar o testemunho, salvaguardado pelas garantias reclamadas.
De toda esta novela, extraímos, entre outras, uma conclusão: à semelhança da vida embrionária, a vida póstuma de Lúcio Tomé Feteira está a decorrer sob o signo da lima; essa ferramenta utilizada para desbastar, mas que, de tanto o fazer, também acaba desgastada. Resta, pois, saber qual dos objectos ficará primeiramente desbastado: a peça trabalhada ou a própria lima? Será que vamos ter a resposta exacta?
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