O papel do movimento associativo

As questões levantadas com a recente descoberta de uma idosa que faleceu na solidão da vida e permaneceu numa solidão de morte durante 8 ou 9 anos (e todos os casos seguintes que vieram a público graças à capacidade inata da comunicação social de transformar o óbvio em tendências abruptas) recordaram-me as noções de vicinidade e laços sociais. Quando a humanidade passou por fases eminentemente rurais (e hoje caminhamos aceleradamente para uma situação de urbanismo global) a sobrevivência estava assegurada por recursos e espaços devidamente controlados, mas sobretudo, por uma coesão sanguínea e afinitiva que as cidades não autorizam por várias razões: entre elas a composição dos novos agregados familiares. E, no caso de Portugal, um país eminentemente litoralizado, em que as relações já não se baseiam no sangue, nem na afinidade ou na vicinidade, como resolver esta solidão, estes casos de alienação social forçada? É muito curioso o que referiu recentemente o geógrafo portuense José Rio Fernandes, “as freguesias em contexto urbano deviam ter um papel reforçado: resolução de problemas de âmbito local, questões ligadas ao estacionamento, a recolha do lixo, os jardins. Aumentava muito a eficiência se as juntas tivessem capacidade de resposta. Acontece que as juntas de freguesia são apenas o altifalante do cidadão – vão junto do presidente de câmara reivindicar”. Concordo; o problema é que todos os serviços públicos têm vindo a tornar-se um canal de queixas – queixas que, ou não são resolúveis/resolvidas devido a questões burocráticas (e afinal podiam ser resolvidas pelo próprio cidadão) ou servem apenas par gastar papel em desculpa polidas.
É evidente que em termos de assistência social, tanto o Estado, através da SS, como a Igreja, através das IPSS têm assegurado algum apoio necessário à minoração do problema dos idosos e dos carenciados sós.
Por outro lado as associações não governamentais, culturais e recreativas, de utilidade pública, etc., podiam aqui ter um papel que não têm. Por definição, uma associação é uma “reunião de pessoas com um fim comum”. Contudo, depressa percebemos, que na maioria dos casos, o fim ou fins são afinal meramente individuais e a associação não passa de uma plataforma de promoção pessoal ou corporativa.
Eu, que participo no movimento associativo desde os 16 anos, constatei que a maioria das associações surgidas nos últimos 20 anos se torna um fardo ao fim de 2 mandatos. A ideia inicial, por muito louvável ou atractiva, não consegue dinamizar os corpos para a sua prossecução.
Tanto quanto percebo, não existem estatísticas concretas sobre o número de associações culturais, ambientais, recreativas, desportivas, etc., em Portugal, mas só numa pequena freguesia do concelho de Cinfães que conheço bem – Tendais, com cerca de 890 habitantes – existem 12 daquelas associações. O que implica que, se toda a população de distribuísse pelas ditas colectividades, cada uma teria em média 74 sócios. Variando a quotização, sabemos da impossibilidade de que todas estas colectividades prossigam com os seus fins apenas com base na regularidade do dinheiro que recebe dos seus associados (e este deveria ser o pensamento principal antes da sua concretização, o de viver pelo trabalho e pela contribuição exclusiva dos seus elementos). Contudo, o que tais associações fazem assim que são constituídas é colocar-se sob a autoridade da Câmara Municipal, “exigindo-lhe” uma dotação anual que colmata a não contribuição dos associados! Isto é um contra-senso só explicado pela necessidade de manter na ribalta um ou outro indivíduo que encontrou num lugar de presidente da direcção a notabilidade que não encontrava fora dele… Muitas associações culturais e ambientais que se arrogam o direito de questionar atitudes de serviços públicos, também se arrogam na hora de ir procurar nos mesmos serviços os apoios monetários à continuação dos seus objectivos…
Contudo, uma parte substancial destas associações poderia ter um papel fundamental na re-ligação dos laços perdidos, quer pela desertificação no interior, quer na urbanização compulsiva e fria das cidades e dos seus subúrbios. E nem precisava alterar os seus fins. Simplesmente bastaria alertar e educar os seus associados e as comunidades que representa que, apesar do dinheiro público, ou do dinheiro das quotas ser importante e não obstante a sua insuficiência, os gestos e as actividades (o tempo de cada um) podem ser tão ou mais importantes do que a soma daqueles capitais. Estamos a viver uma época em que o folclore, as causas animais e ambientais, e até o património não se comparam ao sofrimento das pessoas… pensem bem nisto.

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