A vingança serve-se fria

E pronto, lá passou o orçamento para credores e outros clientes verem, com o voto daqueles poucos portugueses que nem imaginam como é a vida verdadeira dos outros portugueses todos, a quem dedicaram um caderno de encargos para o Estado que a realidade se encarregará de mostrar irrealizável. Do alto da sua altaneira retórica, investido pela missão suprema dos salvadores das pátrias falidas, o mestre-de-obras está satisfeito: mais uma vitória contra essa gente de coração maioritariamente socialista [e não disse PS], habituada a viver com o que constantemente deve, como se isso fosse muito natural, como se a boa vida fosse alguma vez para todos. Tomem e embrulhem. Já se tinham acabado os empregos, os filhinhos todos a estudar para doutores, os carrinhos novos de tantos em tantos anos e as férias nos brasis – agora acabou-se também tudo o resto. É assim, de vez em quando há um mundo que se acaba. Tomem e embrulhem este mundo novo que vos damos. E agora virem-se.

E a visão daquelas pessoas no parlamento da República (e disse República), a votar disciplinadamente contra o povo, será inesquecível para muitos. Carrascos, sim, como dizia uma senhora para a tevê, pais refundadores mauzões a sovar os filhos e a mandá-los para a morte, ou então para a pátria exógena de onde eles próprios vieram pela mão dos pais, com guia de marcha rápida, a trote da descolonização do Soares. Carrascos sim, cheios de raiva antiga no esquecimento, e ali chegados graças ao Sócrates dos computadores para todos e das escolas novas de que não precisávamos – e graças, também, aos CDSs das coligações com todos e a essa imensa maioria de abstencionistas que não querem saber da política.

E no final, Gaspar a passar a mão pelo pêlo dos dirigentes do PS: cuidado com os radicais da vossa paróquia que a gente ainda tem uns assuntos para resolver juntos. E depois o inaceitável e habitual compromisso cobarde do rapaz Seguro: isso da Constituição é com o senhor presidente.

Comments

  1. Na mouche. Obrigado

  2. António Fernando Nabais says:

    Bem-vinda, Sarah. Espero que te sintas bem nesta casa, que a aventar é que a gente se entende e quem aventa seus males espanta e quem muito aventa às vezes acerta.

  3. Amadeu says:

    Essa do trote da descolonização do Soares … está-se mesmo a ver a vingança bem sequinha e ressequida.

  4. Retrato arrepiante de tão perfeito, Sarah.

  5. Excelente e ao mesmo tempo arrepiante, como disse a Paula Sofia.

  6. sarahadamopoulos says:

    As “missões históricas” costumam ser assim: arrepiantes. E se levadas a cabo por “estóicos”, ainda mais. Que fazer? Uma proposta aqui: http://f.cl.ly/items/1J0H3J321P0L3j0h3L1P/O%20Espelho%201.pdf

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