Sinais preocupantes de um país a desnascer

Entre os anos 30 e 50 do século passado, a minha avó Maria teve 13 filhos. Três deles morreram à nascença ou nos dias seguintes, apesar de tanta experiência acumulada nela, à conta dos seus e dos partos das outras mulheres da terra. Um pouco mais tarde, na aldeia vizinha, a minha avó Leontina deu à luz dez crianças, sendo que a penúltima engrossou a monstruosa taxa de mortalidade infantil que, naquele tempo, não (se) contava. Mas a mim contaram-me elas as histórias das outras mulheres que perderam tantos filhos, num tempo em que o médico ainda se deslocava a cavalo entre as aldeias. Sem assistência alguma durante a gravidez e os partos, as mulheres experimentavam a fé e a sorte na sobrevivência familiar.

Depois veio o Serviço Nacional de Saúde, os avanços da medicina, o progresso possível num Portugal que, aos poucos, foi sendo ligado entre si por vias diversas de comunicação. E as reduzidas taxas de mortalidade infantil iam orgulhando o mesmo SNS, equilibrando assim, na balança dos números, os sinais preocupantes da demografia e da taxa de natalidade.

Até que, chegados a 2012, as notícias são estas. Não dei conta de se tornarem discussão nas redes sociais nem tão-pouco de merecerem o devido destaque no que resta dos nossos jornais e outros media. Ainda que esse seja um dos sinais mais preocupantes neste tempo de retrocesso civilizacional. Um sinal que vem juntar-se, de mansinho, aos outros que crescem entre nós: a engenhosa redução das listas de espera nos Centros de Saúde e Hospitais, à conta do aumento das taxas moderadas; a “limpeza” nos transportes públicos de que são exemplo claro as reduções de utilização, por exemplo, no metro de Lisboa; os carros que circulam cada vez menos nas estradas e cada vez mais sem o respectivo seguro; os contadores da águas que as Câmaras mandam retirar por mês porque é preciso escolher entre comer e pagar contas, a fome que se torna visível nas escolas, e todo o acumular da pobreza envergonhada que se esconde (ainda) nos apartamentos penhorados pelos Bancos e pelas Finanças. E ainda não é Janeiro.

Às vezes, quando não durmo, penso nas histórias das minhas avós e das avós dos outros. Nos meu tio que voltou louco do Ultramar. No meu avô que conseguiu passar a fronteira  e chegar a França para sobreviver no Bidonville. Em toda a minha família a contar para as estatísticas da emigração, mas num tempo em que a rede era outra e todos haveriam de voltar. Os mesmos que agora contam os tostões das reformas para ajudarem a sobreviver filhos e netos, num sufoco que os governantes ignoram. Devia ser essa angústia que sentia José Mário Branco quando daquela vez escreveu a letra do “FMI”. Mãe, eu quero desnascer.

Comments

  1. E junta-se-lhe outra notícia do dia.

  2. Luis says:

    E, perante tudo o que refere, temos de renascer. Não o re- com que somos bombardeados hoje. Temos de fazer uma coisa
    absolutamente higiénica e de civilidade: – des-localizar os psicopatas que estão no poder e pôr no sítio quem puxa os cordelinhos desta máquina infernal. Cá e por esse mundo fora.

    Ouvi o início do texto de Jerónimo de Sousa. Voltamos sempre ao mesmo – as já conhecidas crises do capitalismo – ora os booms meios virtuais em que nos dizem que somos desenvolvidos e que agora é que é, ora as recessões com empobrecimento, indignidade, miséria humana e culpabilização.

    Situação de dilema que não quero. Para além do nascer e do desnascer, não nos sobra mais nada?

    E o viver?

  3. maria celeste d'oliveira ramos says:

    Paula Sofia Luz – eu sei de que fala – nasci ai nesse tempo e ainda sei contar porque a memória é boa para esquecer tudo ———- menos isso — e outras coisas daí derivadas e sobretudo poder, já que ainda vivo, comparar que caminho foi feito e eu fiz e quem agora o conspurca e como e porquê-mcor
    Talvez por isso mesmo me encaganito com tantos parvalhões que escrevem enormidades nos comentários aventar – são anormais e nem são gente – são excrecências da vida que se degradou na essência e dão esses abortos que se calhar serão universitários e irão governar (Passos e Seguros são bons exemplos do que digo)

  4. Kari Guergous says:

    Sim, Paula Sofia Luz, a isto acrescento ainda somente em ideia mas nem sei como se pode sequer pensar nisto, propinas para o ensino secundário. Ou seja, Não educação, Não saúde, não país.

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