Da Madeira nada de novo

Há quem fique admirado com o domínio absoluto do PSD na Madeira, mas ele não só não surpreende, como encontra paralelo no domínio quase absoluto do PS no país.

A Madeira é a região do país com maior risco de pobreza. Dados da Pordata, citados em peças do Observador e da RTP, revelam que 1 em cada 4 madeirenses vive em risco de pobreza. O desemprego é elevado, a taxa de analfabetismo é a segunda mais alta, o nível de instrução escolar é inferior à média nacional e a população envelhece a uma velocidade superior à do continente. [Read more…]

Trickle Down Irlandonomics

Lido hoje no site da Euronews: na Irlanda, paraíso neoliberal dos baixos impostos, onde todos vivem felizes e se tropeça na prosperidade tecnológica em cada esquina, 60% dos jovens entre os 18 e os 29 anos pensam emigrar.

Mas… que passou-se?

Passou-se inflação galopante e uma crise no sector imobiliário sem precedentes, que faz com que um país em situação próxima do pleno-emprego tenha cada vez mais pessoas em situação de sem-abrigo.

Que o são porque os seus salários não permitem comer e pagar uma casa.

A situação é tão grave que existem hoje mais pessoas que não conseguem pagar uma casa do que durante a Grande Fome do século XIX. [Read more…]

Arroz de PIB romeno

Dizem os oráculos – e eu não me atrevo a duvidar – que Portugal será ultrapassado pela Roménia em PIB per capita, lá para 2024. E que isso é a prova provada de que a Roménia é “melhor” que Portugal. Culpa do “socialismo”, claro está. Para quem governou pouco mais de um ano, Vasco Gonçalves mete Passos Coelho num bolso, no campeonato da culpa eterna.

Azar dos romenos, ainda não é possível fazer arroz de PIB. Mais ainda do per capita, uma medida enganadora que, não raras vezes, esconde um gigantesco fosso de desigualdade entre uma minoria super-rica e uma povo miserável. Felizmente temos a matemática, que trata de juntar tudo e dividir pelas capitas todas, aumentando o rendimento de cada um. O que seria estupendo, se correspondesse à realidade.

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Somos liberais e não sabemos?

Segundo dados da Eurostat (gráfico em baixo), há cerca de dois milhões de portugueses em risco de pobreza e exclusão social (22,4%). Os números agravam-se quando falamos de idosos. E, se pensarmos que somos dos países mais envelhecidos da União Europeia, ainda pior se torna o cenário. Já a média da UE situa-se nos 21,7%.

As pensões não sobem por aí além, os salários são baixos e tendem a estagnar. Acresce a isto uma carga fiscal desmedida sobre a classe média e uma fraqueza/laissez faire incompreensível com quem lucra milhões com a mão de obra barata. Pagamos a nossa própria pobreza, enquanto uma minoria vai comendo a maior parte do bolo (dica: não são os ciganos do RSI ou os desempregados).

Hoje em dia, e cada vez mais, assistimos a uma distribuição deficiente do bolo económico. Há cada vez mais ricos e, por contraponto, cada vez mais pobres. E só quem for inocente achará que entre uma e outra tendência não existe correlação. Só a título de exemplo, a fortuna dos bilionários cresceu 60% desde 2020 (cerca de 5 triliões de dólares), ao mesmo tempo que aumentou a pobreza no mundo. A isto, acresce a notícia que nos diz que há mais de 50 milhões de escravos espalhados pelo mundo. [Read more…]

O pobre da Jonet

O pobre também é uma pessoa e as pessoas são todas diferentes umas das outras, normalmente para pior. Há pobres e pobres, naturalmente, mas já lá iremos.

Para os privilegiados como eu, o pobre é uma abstracção que, às vezes, sai da sombra das ideias distantes e aparece nas esplanadas, a fazer aquelas coisas de pobres, como não ter tomado banho ou pedir dinheiro, que é algo que os pobres insistem em não ter, como o banho.

A consciência do meu privilégio obriga-me, de uma maneira geral, a perceber que mal posso imaginar o que seja ser pobre, porque, entre uma ou outra dificuldade, a comida está no prato e o colchão não é nada mau. Do mesmo modo, aprendi a ter vergonha de usar a palavra ‘fome’, quando o meu mal é ter saltado uma ou outra refeição porque fiquei à conversa com um amigo que, não por acaso, raramente é pobre.

Ser pobre implica, imagino eu, depois de raciocinar, ter dificuldades em pagar contas. Mais: implica frequentemente não conseguir pagar contas, negociar adiamentos, pedir empréstimos baixíssimos para ter luz em casa. O pobre e o dinheiro existem, mas raramente coexistem: onde está um, não está o outro, num jogo das escondidas em que o dinheiro raramente aparece, fugindo divertido enquanto o pobre está encostado a contar até dez, antes de ir à procura de um adversário tão esquivo.

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Não gastem os 125 euros em putas e vinho verde

Isabel Jonet e o horror aos pobres.

Cristãos-caviar

Adoro o termo esquerda-caviar, essencialmente por dois motivos: porque 1) impede pessoas de esquerda como eu de usar iPhone, o que é perfeito, porque não conto dar um cêntimo que seja à Apple (e porque demonstra taxativamente a natureza autoritária dos proponentes desta chalupice), e 2) porque demonstra o nível de ignorância de quem acha que ser de esquerda implica não possuir bens materiais, algo que me diverte.

Por outro lado, o termo cristão-caviar, aqui proposto pelo genial Duvivier, está mal explorado e é, de longe, uma contradição infinitamente maior que a do gajo de esquerda que tem um iPhone. Religião por religião, o marxismo lá acaba por ser mais honesto. Pobre Jesus, que deve andar às voltas no túmulo à quase 2000 anos, com tanto cristão-caviar a subverter os seus ensinamentos.

O Al-Amin

Vou falar-vos do Al-Amin.

O Al-Amin tem trinta e três anos, tem um filho, tem esposa, tem casa. O Al-Amin tem um mini-mercado em São Domingos de Benfica. O Al-Amin sorri muito, cumprimenta sempre, de vez em quando desabafa e mostra empatia por quem passa pela sua lojinha – pequena e apertada, mas arrumada e asseada.

O Al-Amin, tendo esposa e um filho, está sem a esposa e o filho. Tem-nos, certamente, sempre na memória e no sentimento. Pode vê-los, sempre que quer, na tela do seu telemóvel ou computador, a nove mil quilómetros de distância. Da tela do Al-Amin saem saudades que se alojam directamente na tela da sua família, no Bangladesh. E será, certamente, pelas saudades que, sabe, nunca são eternas, que se mantém em Portugal. O Al-Amin abre a sua loja todos os dias, de Segunda a Domingo e aos feriados também, das 8:00 às 23:00. Não tem folgas. É patrão e empregado ao mesmo tempo. Paga com todas as suas obrigações. Quase 60% do que factura ao fim do mês, envia para o Bangladesh. “Para a minha esposa e para o meu filho ir à escola”, contou-me um dia. [Read more…]

Pobreza e saúde mental

Estamos muito perto de atingir 2.000.000 de pobres em Portugal, mas muitos dizem que o maior problema são as consequências da pandemia na saúde mental.
De tanto insistirem começo a convencer-me de que têm razão!

Neo-liberal-capital: as Marteladas bilionárias

Desde 1980 (antes também, mas marquemos o barómetro aqui, porque Thatcher+Reagan=amor infinito) que se tem assistido a um cavalgar do capitalismo selvagem, imposto pelas políticas neo-liberais, o que levou à abertura do fosso, já de si grande, entre os muito ricos e os pobres e muito pobres. Para além disso, a narrativa dominante demonstra uma aporofobia asquerosa, de rejeição e hostilização do Ser que é pobre, negando-lhe acesso aos mais elementares direitos básicos de sobrevivência, assim como o hábito de inculpar o pobre por ser pobre, ao invés de se inculpar o sistema capitalista vigente há mais de quatro décadas.

Thatcher e Reagan, os dois maiores expoentes de um neo-liberalismo colonial entre as potências ocidentais; Fotografia retirada do site Aventuras na História

  • Uma pessoa, associação ou partido político defende que toda a gente deveria ter direito e acesso a uma habitação condigna, água e luz a preços acessíveis: radical!

 

Fotografia: DW.

  • Um senhor calvo, com semelhanças arrepiantes com o Dr. Evil, explora milhares de trabalhadores e gasta bilhões de euros numa viagem ao espaço, apenas para proveito próprio e vê a sua acção apoiada por certas pessoas, associações e partidos políticos: empreendedor!

Imagem de Humans of Late Capitalism.

Assim vai o mundo…

Odemira – pandemia e ignomínia

Odemira foi um dos Concelhos que regrediu no Plano de Desconfinamento por decisão do governo, apoiado no aumento da percentagem de infectados e no risco de transmissão do vírus. Visto de Lisboa parece não haver nada a fazer senão cumprir com o plano anunciado.
O que quem lá vive vê é que nesta época de apanha da azeitona os proprietários dos olivais recorrem ao trabalho sazonal de imigrantes de todas as origens, muitos deles ilegais, alojando-os aos 10, 20 ou 30 em pequenos espaços sem condições sanitárias mínima! Para mais, estes trabalhadores sem contrato e pagos por muito pouco, são transportados ao ‘molho’ das plantações para casa e vice-versa.

Como resolve o poder central este problema? Com o Estado de Emergência ou com o que aí vem de Calamidade e com a regressão no Plano de Desconfinamento!
Como resolve o poder local? [Read more…]

Este país não é para resilientes

Transição energética, digitalização e obras públicas. É sobretudo destas três áreas que temos ouvido falar, quando o tema é o Plano de Recuperação e Resiliência. E poucas coisas nos dizem tanto sobre o país em que vivemos, sobre a União que integramos, como este conjunto de prioridades, que, não sendo negligenciável, em particular naquilo que diz respeito ao combate contra as alterações climáticas, parece ignorar uma parte do país real. A parte que foi silenciosamente empurrada para a pobreza, pela pandemia e pela ausência de uma estratégia que a contemple, que quer trabalhar e não pode, sem que nenhuma solução alternativa lhe seja apresentada. Os segregados deste admirável mundo novo.

E não, isto não se resume apenas à crise que se abateu sobre a restauração, sobre a cultura, sobre turismo, ou sobre o tecido produtivo, feito de micro, pequenas e médias empresas. Estão todos em muito maus lençóis, no doubt about that. Mas não são invisíveis, ou sequer ignorados, como outros que, não dispondo de tempo de antena, organização de classe ou de figuras mediáticas que os representem, com amigos influentes no Twitter e no Instagram, acabam esquecidos, nesta guerra pelos recursos europeus, ou pelas migalhas que sobrarão do banquete que se antevê.

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Confinamento Silencioso

Alheando-nos do excessivo ruído dos tontos negacionistas e de quem fez previsões catastrofistas para esta altura, sente-se um silêncio profundo neste confinamento, profundo e geral.
Já não ouvimos quem queira desconfinar ou confinar mais, ou quem queira abrir escolas ou mantê-las em regime lectivo online, quem pretenda abrir cafés, restaurantes ou postigos… Silêncio…
Silêncio de medo…, da natural prudência de quem pouco sabe?
Mas ouve-se, sim, ouve-se o silêncio acomodado de quem está confinado sem perda de rendimento, o silêncio abnegado de quem não tem alternativa senão trabalhar e deslocar-se em transportes públicos sem protecção bastante e segura e ouve-se, sim, os gritos de silêncio de quem está confinado na pobreza, no pão para os filhos, em dívidas por amortizar, em falências certas e quase certas, um silêncio de estertor.
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Um mau sinal

Um escroque ficar em terceiro ou segundo lugar, à frente de gente decente e com uma ideia para o país, é um péssimo sinal sobre a saúde política dos portugueses.

O tempo da porrada, aquela vinda dos regimes que estes populistas procuram ressuscitar, já tem umas décadas e a memória de muitos é fraca. Outros não a têm, por não serem desse tempo, e não a construíram pela aprendizagem na escola.

Fonte: PÚBLICO

Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão, vox populi dixit. A realidade actual é feita de extremos económicos, com alguns (poucos) extremamente ricos e muitos no limite da pobreza (“10% das famílias mais ricas tem mais de metade da riqueza total em Portugal“). De crise em crise, “Portugal foi um dos poucos países europeus que se tornaram mais desiguais desde o início do milénio“.

É este o estrume onde crescem as raízes do populismo. Que tem o apoio dos imensamente ricos e os votos daqueles que pouco têm, o que não deixa de ter a sua dose de ironia.

Sobre a miséria que alimenta o fundamentalismo religioso

Um destes dias estive a ver um episódio do Toda a verdade, na SIC, numa edição dedicada ao Paquistão. Num país onde reina a miséria, centenas (milhares?) de crianças trabalham desde tenra idade, nos fornos de tijolos, na periferia de Islamabad. Algumas têm 5 anos, nunca foram à escola e recebem uma miséria por turnos de 14 horas de trabalho duro, que compromete o seu crescimento e a sua saúde.

Trabalham porque os pais não têm dinheiro e mal conseguem pagar uma alimentação digna do nome, sempre a léguas dos padrões de decência mínima. E são alvos fáceis para os fundamentalistas islâmicos, que andam à pesca em locais como este, prometendo casa, conforto, comida e estudos, em troca de uma vida de obediência cega na madrassa, onde serão doutrinados na interpretação mais extremista da Sharia, com o alto patrocínio, como tantas outras, de oligarcas de estados poderosos como a Arábia Saudita. [Read more…]

André Ventura, a voz de toda a direita

Entre muita direita, mesmo a católica, há a ideia de que só está desempregado quem quer ou só é pobre quem não tem mérito para ganhar dinheiro.

O Chega, para viabilizar a geringonça açoriana, impôs a redução dos apoios sociais no arquipélago. Os pobres e/ou os desempregados têm é de se fazer à vida.

Essa mesma direita – que inclui o PS do Manuel Pinho que aconselhava a investir em Portugal, porque temos salários baixos – está sempre a gritar que é preciso criar uma legislação laboral mais flexível, que é preciso poder despedir mais facilmente.

André Ventura vem, agora, com a ideia de que é preciso pôr essa malta do Rendimento Social de Inserção (RSI) a trabalhar, continuando a pagar-lhes o mesmo.

Não sei se isto é próprio da esquerda, mas acredito que, num país civilizado, é assim: o trabalho implica salário e não esmola ou subsídio. Há trabalho para se fazer? Pague-se um salário.

É verdade que o Estado é um dos patrões que mais se alimentam de vários embustes, como o de não abrir vagas necessárias na Função Pública, impondo a precariedade – basta ver os milhares de professores que trabalham há anos sem vínculo, o que mostra que são necessários ao funcionamento de um sistema que só lhes quer pagar o mínimo possível, uma espécie de trabalhadores à jorna, carne para canhão. O inaceitável praticado por uns não torna aceitável qualquer inaceitável.

Ventura não diz as verdades, mas diz aquilo que muita gente de direita gosta de ouvir e nem sempre tem coragem para dizer, por saber que é eticamente vergonhoso. A subida do Chega faz-se à custa, aliás, desta gente que não gosta de sociedade e que prefere a selva, aquela em que apenas sobrevivem os mais fortes. Ventura é só um PSD que perdeu a vergonha.

Skid row: danos colaterais do capitalismo desregulado, selvagem e desumano

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Na west coast da maior potencia económica e militar da história da humanidade, no coração da quarta cidade mais rica do planeta, residência de estrelas de cinema, rockstars e tech moguls, famosa pelos seus excessos e extravagancias, com muito sexo, drogas, rock´n´roll e dinheiro à mistura, situa-se o bairro de Skid Row, a dois passos do Staples Center ou do Walt Disney Concert Hall.

Em Skid Row, cuja população ascende aos 17 mil habitantes, cerca de 2 mil angelenos vivem nas ruas, alguns debaixo de um banco de jardim, nos casos em que a pobreza é absoluta, a maior parte em tendas, instaladas nos passeios da cidade, que podem facilmente ser vistas no Google Maps, na 6th Street e em algumas das suas perpendiculares, como a San Julian ou a Crocker St. Sem surpresas, é tida como a área do país com maior concentração de consumidores de crack e de crystal meth. Uma desgraça nunca vem só. [Read more…]

Preto no branco: a aposta na exportação e na globalização desatada produz pobreza e desigualdade social

Não é nada de novo: há os vencedores e há os vencidos do actual modelo de globalização. A quimera de que o “livre comércio” é bom para todos não passa disso, de uma quimera batida à exaustão para justificar a expansão do modelo dominante, que não só aumenta a desigualdade, como fomenta aberrações “compensatórias” e atentados contra o clima.

Mas não deixa de ser irónico e bombástico que, no seu último relatório sobre a Alemanha, venha o FMI atestar à campeã europeia das exportações o efeito tóxico da sua aposta desproporcionada na exportação: a Alemanha, com os seus volumosos excedentes de exportação, não só produz desequilíbrios massivos na zona do euro, como também aumenta os desequilíbrios sociais na própria Alemanha. Milhões de alemães pouco beneficiaram do aumento das exportações, enquanto os crescentes excedentes alemães das últimas duas décadas foram acompanhados por um aumento acentuado dos rendimentos de topo na Alemanha, constata o FMI. Actualmente, os 10% mais ricos possuem 60% dos activos líquidos, sendo este o valor mais elevado na zona do euro.”

Mas, mas… não era a Alemanha que detinha a “receita” para a Europa??? E vem agora o Fundo Monetário Internacional, esse galeão da economia neoliberal, puxar publicamente as orelhas à campeã??? Espantoso.

Tão espantoso quanto inconsequente. A Alemanha prossegue inabalável, ignorando o aumento da pobreza no país1 , bem como os efeitos do modelo para as “periferias” e propulsionando a globalização baseada no consumo predador de recursos naturais a nível da UE e global.

A discrepância entre as constatações de fracasso social e destruição ambiental por um lado, e a progressão triunfante da ideologia neoliberal por outro, é cada vez mais gritante. Porém, a gritaria não passa de música maviosa aos ouvidos das multinacionais e dos governantes incapazes que lhes servem de sabujos.


1 Segundo o 5º Relatório do Governo Alemão sobre Pobreza e Riqueza, referente a 2017,  15,7% da população vive abaixo ou no limiar da pobreza. Trata-se de quase 13 milhões de pessoas. Um aumento de 3% em relação a 2002.

 

Autopsicografia de um homem de esquerda

João Valentim André

A pergunta ressoa no mais fundo do corpo ético do homem de esquerda: “como posso eu aceitar, sem forçar todo o meu ser à dissolução, que a sociedade de que participo condene mil homens à pobreza para que possa criar um que seja rico?”

A pergunta é labiríntica. A resposta reside no seu centro mental, um ponto cósmico, guardada por um temível animal mítico. Mas uma vez chegado a esse centro, não tem, o homem de esquerda, como evitar o confronto. E ele dá-se precisamente no lugar do eixo, no axis mundi, na base da árvore da vida pela qual se ascende à resposta.

Para que o mistério não viesse a ser simplesmente um maneirismo literário, o demiurgo achou por bem fazer depender a vitória sobre a besta mítica da resposta a uma outra pergunta: desses mil homens condenados à pobreza, quantos não sacrificariam outros cem mil ao mesmo mísero destino para que a fortuna lhes sorrisse a eles?

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Sucesso escolar, pólvora, fogo, roda

Há alguns dias, o Ministério da Educação voltou a descobrir o fogo, a inventar a pólvora e a criar a roda ou vice-versa. Graças a um estudo da Direcção-Geral de Estatísticas, conclui-se aquilo que já se sabe há muito tempo sobre os factores que influenciam o sucesso escolar: “o contexto socioeconómico continua a ser determinante.” Relativamente a um estudo anterior, relativo ao terceiro ciclo, já o ministério tinha reconhecido o mesmo.

É certo que, nos últimos anos, a mesma entidade, com outros ministros, tem tentado refutar a realidade. Nos finais do consulado socrático, chegou a publicar-se uma espécie de estudo cujas conclusões chocavam de frente com a realidade: com a coordenação de Cláudia Sarrico, afirmava-se que o sucesso dos alunos dependia pouco dos pais, ou seja, que o contexto socioeconómico era factor de pouca importância. Aqui pelo Aventar, o tema foi abordado várias vezes, não sendo difícil, na rede global, descobrir gente que trata o assunto com seriedade.

Com a chegada de Passos Coelho, Nuno Crato, aludindo à existência de estudos com títulos desconhecidos (técnica muito utilizada pelos políticos), insistiu na ideia de que os problemas dos alunos seriam resolvidos desde que os professores fossem bons. Logicamente, o insucesso dos alunos seria sempre da responsabilidade dos professores. Estas afirmações e outras tornaram fácil tomar medidas como, por exemplo, a de aumentar o número de alunos por turma: se a qualidade do professor fosse um factor determinante, a quantidade de alunos dentro da sala perderia importância.

A (re)descoberta da importância do contexto socioeconómico deveria obrigar qualquer governo a perceber que o sucesso escolar é uma questão social que não pode ser resolvida apenas pela escola. A esperança de que esta redescoberta tenha efeitos nas políticas, no entanto, é ténue, porque o que é preciso é evitar reprovações a qualquer preço, sem, na realidade, se perder tempo a pensar nos problemas sociais e educativos. O que vale é que, qualquer dia, volta um ministro que desvalorizará a importância do meio socioeconómico a quem sucederá um outro de sinal contrário, de adiamento em adiamento até à indecisão contínua.

Sim, é mesmo verdade: 25% dos portugueses estão em risco de pobreza ou exclusão social

Depois de um glorioso fim-de-semana de Fado, Fátima e Futebol, eis-nos de regresso ao mundo real. E no mundo real, nesta bela pátria à beira-mar plantada, solarenga e forrada a turistas estrangeiros a passear nos tradicionalíssimos tuk-tuks, existem 2,6 milhões de portugueses em risco de pobreza ou exclusão social. Um número que não pode ser ignorado e que põe a nu, de forma inequívoca, o fosso profundo que divide a sociedade portuguesa. [Read more…]

Um banho de realidade

Temos novos santos, temos velhos santos e até heróis verdadeiros. Somos imensamente bons, vivemos num país belíssimo, seguro o bastante (até ver) e, numa escala apreciável, materialmente (estou a ser benévolo) indigente.

Efectivamente, de acordo com os últimos dados do INE, mais de 25% da população residente em Portugal no ano de 2016 – cerca de 2,6 milhões de pessoas – estava em risco de pobreza ou de exclusão social.

Para a aferição deste risco definiu-se, no âmbito da estratégia económica de crescimento (estratégia Europa 2020), um indicador relativo à população em risco de pobreza ou exclusão social que conjuga os conceitos de risco de pobreza relativa – pessoas com rendimentos anuais por adulto inferior ao limiar de pobreza – e de privação material severa, com o conceito de intensidade laboral per capita muito reduzida.

Considera-se no limiar da pobreza o cidadão europeu que não obtenha 60% do rendimento médio por adulto equivalente no seu país, correspondendo a proporção dos que não atingem esse limiar à taxa de risco de pobreza.

Sem querer retomar agora a discussão sobre se é legítimo padronizar desta forma a pobreza, introduzindo uma medida da qualidade de vida das pessoas que não leva em devida conta o custo de vida de cada país – uma vez que o rendimento médio pode, como sucede em Portugal, indiciar já a carência dos recursos financeiros necessários para assegurar aquela qualidade de vida, visto ser muito inferior ao rendimento médio, não dos países mais ricos da Europa, mas da média dos países da UE a 28 -, o facto é que mesmo os dados assim obtidos são de tal modo graves e socialmente insuportáveis que não podem deixar de requerer uma permanente e consequente mobilização política e social contra a pobreza.

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A economia da pobreza

greed

Segundo o mais recente relatório da Oxfam, as oito pessoas mais ricas do mundo possuem uma riqueza combinada superior aos 3,6 mil milhões de terráqueos mais pobres. Metade da população mundial. Este facto, por si só, seria motivo de vergonha para a humanidade, não fosse ela tão passiva para com as graves desigualdades que continuam a aumentar o profundo fosso entre ricos e pobres. Perdão: entre multimilionários e desgraçados.

A situação é de tal forma grave, que, há um ano atrás, seria necessário juntar os 62 mais ricos para perfazer a mesma quantia que a metade mais pobre do mundo possui. E isto diz-nos muito sobre os efeitos das sucessivas crises nas carteiras de quem governa o planeta. Recorrendo a um dos clichés mais realistas que existem, os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. [Read more…]

Pobre país, pobre Porto

Um país mais pobre, uma cidade mais desigual.

Fezes de Coelho não chegam ao céu

besouro

Todos recorremos a mecanismos de negação para lidar com situações especialmente perturbadoras, é uma forma de defesa e pode preparar a consciência para o rebate. Eu uso a desvalorização para não soçobrar à realidade. Morreram 200 mas salvaram-se 500. E há dezenas de reconfortantes maneiras de chupar um seixo… Agora, insistir nas virtualidades da austeridade para a recuperação económica de um país e na eficácia dos seus resultados tendo à frente o resumo do estudo coordenado por Carlos Farinha Rodrigues, intitulado “Desigualdade do Rendimento e Pobreza em Portugal – As Consequências Sociais do Programa de Ajustamento”, já não pode ser negação, é perversão sexual. Saborear o produto defecado e insistir em servi-lo aos outros como uma iguaria não é senão uma forma de sado-masoquismo coprofágico.

São conhecidas as primeiras conclusões do documento: o “processo de ajustamento” teve profundas consequências na distribuição de rendimentos em Portugal. Entre 2009 e 2014, os 10% mais ricos sofreram uma quebra de 13% no seu rendimento enquanto os 10% mais pobres tiveram uma quebra de 25%, o que agravou o fosso entre ambos os extremos, ou seja, a desigualdade social.

É que, na verdade, como se refere no dito estudo, a forma como os custos do “processo de ajustamento” foram repartidos entre a população portuguesa constitui um elemento essencial para a caracterização das políticas seguidas neste período. O desemprego delas resultante tornou irrelevantes os paliativos fiscais para os rendimentos do trabalho mais baixos. E, citando, o recuo das políticas sociais (no Rendimento Social de Inserção, no Complemento Solidário para Idosos e no Abono de Família), tanto na sua abrangência como nos montantes atribuídos, alterou significativa e decisivamente as condições de vida das famílias mais pobres.

Ou seja, o discurso oficial da justiça distributiva da penalização dos rendimentos revela-se uma treta absoluta em todo o seu esplendor.

A pobreza disparou, mais cerca de 143.500 pobres – eram, em 2014, números corrigidos, 2,5 milhões de pobres, quase ¼ da população -, como cresceu a intensidade da pobreza e em números que rondam os 30%, atingindo este indicador o valor mais alto desde que há registos desta natureza (2002). O estudo não leva sequer em conta a situação dos 500.000 portugueses que tiveram de fugir de toda esta carnificina programada.

Foi assim, enojado e enjoado, que ouvi ontem o debate parlamentar. Que a política se pode tornar num alucinado exercício de retórica… Mas isto, em bom inglês, já é tomates.

 

 

Sim Passos, quem se lixou foi o mexilhão

PPCpobreza

Num seminário organizado pela União das Misericórdias de Portugal, em Dezembro de 2014, Pedro Passos Coelho afirmava, convicto:

Ao contrário do que era o jargão popular de que quem se lixa é o mexilhão, de que são sempre os mesmos (…) desta vez todos contribuíram e contribuiu mais quem tinha mais, disso não há dívida

As falanges rejubilavam, a mocidade elogiava o herói, qual Zé do Telhado, mas os indicadores, irrelevantes para muita da nossa imprensa, mostravam a verdade e, dois meses depois das declarações do ex-primeiro-ministro, o INE era categórico: o fosso entre pobres e ricos não parava de aumentar desde 2010[Read more…]

Quando o país falha

Patrícia Sofia, de seis anos, já não vai ter de percorrer 26 quilómetros ao colo da mãe, ou a pé, para conseguir ir aos tratamentos de fisioterapia de que necessita.

Hipocrisia e choque com a realidade

Apesar de toda a propaganda disseminada pela PAF, tanto directamente pelos políticos que a compõem, como pela legião que vagueia na comunicação social, o gráfico seguinte traduz o que foram quatro anos e meio de transformação do país pela direita mais obcecada na entrega do Estado a privados que o país alguma vez conheceu.

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O «inverno demográfico» como pretexto

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Em defesa de uma unidade de esquerda

que não foi jamais tentada neste país de traumatizados do 25 de Novembro. A minha vénia aos socialistas e comunistas que ousam por uma vez ultrapassar os dias do PREC e percebem finalmente a urgência nacional dessa unidade.
[Facebook de João Soares]

Por que não se fala disto na campanha?

“Dois milhões [de portugueses] vivem em risco de pobreza. Quase 500 mil são crianças.”