1+1?

A Sábado decidiu fazer uma sondagem cultural à porta de algumas universidades. Até admito que, entre as perguntas e a edição, haja (como é habitual no jornalismo) uma certa tendência para enfatizar um dos lados do problema.
Também posso admitir que naquele dia estivessem à porta das universidades os mais burros – ou os menos dotados, segundo a linguagem ideológica da pedagogia moderna. Se assim fosse, cumulando os dois factores, intercessionados num dado local e momento, teríamos o que se chama uma coincidência tramada.
Vamos dar, contudo, o benefício da dúvida e considerar esta peça jornalística um bom serviço ao conhecimento da população discente universitária e da sua cultural geral.
Se algumas perguntas são deprimentes, de tão óbvias que são as respostas, o resultado é mais que negativo. É trágico. A ideia que que pessoas que alcançam a universidade com um nível de literacia tão baixo já me parece tristemente frustrante para quem é professor (o meu caso) e para quem tem colegas alunos deste nível. Mas o hediondo é que se dêem respostas ou justificações como: «Eh pá! Coisas com Jesus Cristo?! Sou fraca em religião», como se saber quem pintou a Capela Sistina tivesse a ver com religião.
Bem que o ateísmo fraco é aquele pelo qual se envereda por moda. A maioria destas criaturas que diz que não acredita em Deus ou é fraca em religião, não porque não acredita, mas porque não sabe do que fala. Pura e simplesmente está a borrifar-se para o que tenha a ver com cultura. Sim, porque culto tem a ver com cultura. Isto não quer dizer que as pessoas se convertam para receberem a iluminação do conhecimento. Mas não deixa de ser pertinente pensar que chegámos a este ponto cumulando o desinteresse com esse ateísmo fraco que se expressa através do desprezo, de que as coisas relacionadas com Jesus Cristo ou com a religião são fúteis, não prestam. Onde estão os ateus ou agnósticos que, mesmo críticos ou descrentes, saberiam apreciar o valor da arte religiosa? Aliás, o que seria de qualquer civilização sem a sua arte construída a partir da noção ou reconhecimento do divino?
Eis-nos chegado ao momento crítico da nossa existência (que já nem é ocidental, nem oriental, pois a Grande Rede nos nivela aos pouco): quando o conhecimento é desvalorizado, qualquer que ele seja. Eis-nos perante a tal Crise em todo o seu esplendor.
Este vídeo não representa (espero) a maioria dos universitários portugueses. Mas não deixa de ser preocupante que esta classe, outrora idealmente segura (ateia ou crente, de Esquerda ou de Direita) hoje balbucie um discurso inócuo, de justificações vãs e perigosamente pobres. E digo perigosamente porque é esta juventude que diz querer mudar o mundo com acampadas, vendettas e intervenções.
Entre os especuladores financeiros que, enfim, até deram recentemente um golpe de estado em Itália sem ninguém reparar (e houve quem batesse palmas pelo audaz feito) e estes rapazes e raparigas, não sei qual é o caminho mais rápido para o suicídio. Em todo o caso, resta esperar o triste fim que vamos ter, pois  creio que já não há muito a fazer.

Comments

  1. Pisca says:

    Não desesperem algumas destas peças, tiram um cursinho, e com uns amigos aqui e ali, daqui a algum tempo estão nas tv’s a debitar conceitos e “certezas”, que lhes meteram nas cabecinhas à martelada

    Garantido

  2. Pisca says:

    Quem sabe alguns ainda chegam a ministros, já que a politica não é com eles

  3. O que não deixa de ser preocupante é que um suposto jornalismo dedique o seu tempo a um apontamento destes esperando, ao contar com a inegenuidade de muitos, mostrar não sei o quê…
    Não é preciso ser muito perspicaz para saber que não é seguramente esta juventude que diz querer mudar o mundo com acampadas, vendettas e intervenções.
    Assim sendo parece-me, com o devido respeito, que o comentário é da mesma natureza do video que lhe deu o mote. Ou seja, no mínimo, naif e equívoco.

  4. Concordo que dificilmente se pode comparar pessoas tão alienadas, com aquelas que tentam fazer ALGO (como os que fazem as acampadas), em vez de simplesmente se acomodarem a um fatalismo podre…

    …mas…

    …seja qual for a representatividade desta amostragem… é PROFUNDAMENTE deprimente…

  5. Konigvs says:

    Já aqui há uns bons anos a SIC fez o mesmo, com resultados exatamente iguais, isto já não é nada de novo. Também como é lógico, não sabemos quantas pessoas eles entrevistaram. Podem ter 50 jovens ter respondido acertadamente e um dito uma anormalidade, que é a anormalidade que vai ser publicada.
    Aliás ninguém se daria ao trabalho de publicar um estudo a dizer “todos os jovens portugueses sabem que Eça de Queiroz escreveu os Maias” e Camões escreveu os Lusíadas”. O que vende dizem os especialistas são as notícias negativas. Por isso esses estudos deixam-me sempre muito desconfiado, não fosse a sábado uma revista que precisa de vendas.

  6. Fantástica esta sua exposição e lamentável o nível cultural dos jovens!

    Aliado ao problema da assombrosa falta de cultura e da falta de interesse demonstrada nesse âmbito, creio devermos referir um outro problema que lhe está subjacente.

    A sociedade tem vindo a desenvolver uma apetência pelas profissões bem remuneradas. Essa apetência é corroborada por todo um estilo de comportamento social que leva a que os pais incutam no indivíduo jovem, não o que seria mais lógico e racional – a vocação do jovem – mas sim a procura de uma profissão-negócio que garanta uma qualidade de vida dita superior.

    O jovem é assim levado a ignorar as suas tendências inatas para este ou para aquele ofício e, em idade ainda precisada de conselhos maduros e sensatos, é instigado a procurar a via lucrativa. Ora o resultado só pode ser catastrófico! Além da impossibilidade, nessas condições, de o jovem estimular ao máximo as capacidades que lhe advêm da aptidão natural, o interesse que a via de estudos orientada para o lucro lhe desperta é, obviamente , senão nulo, pelo menos quase. Exemplificando, se um jovem com vocação para a literatura for instigado a seguir engenharia, poderá perder-se um bom dramaturgo mas ganhar-se-á pela certa um mau engenheiro. E se um jovem que demonstra desde cedo aptidões para a economia for forçosamente encaminhado para uma carreira em medicina, obter-se-á um médico medíocre e negligente e jamais se chegará a conhecer o seu valor nas ciências económicas.

    Parece-me pois que haverá que rever os padrões educativos, quer sociais quer parentais.

  7. Esta é a “geração mais qualificada de sempre. Mesmo tendo em conta que o ensino é cada vez mais especializado, não deixa de ser deprimente. Afinal, a geração “Casa dos Segredos” também povoa as nossas faculdades.

  8. Rui Daniel says:

    É lamentável e triste ver a falta de cultura geral em muitos jovens universitários,mas mais triste ainda é termos chegado a este tipo de situação,provocada por políticos e políticas medíocres dos nossos governantes.

  9. A. Pedro says:

    Apesar de todos os comentários “desculpabilizantes” e de saber que estas coisas se montam escolhendo só os que servem o tema, há uma certeza que tenho: daqui a um ou dois anos estas mesmas aventesmas vão ser “doutores” e por via disso directores de departamento, quadros disto e daquilo, professores, etc. e tal. Depois vão falar da qualificação como um valor e um distintivo. É esta gente que acaba a tomar decisões e a mandar nas coisas.

  10. Rhumor says:

    100 entrevistados, 20 perguntas a cada, e o resultado é só este, admito há muita gente burra ( e muito burra) a tirar cursos na universidade ( mas foi a educação que receberam no secundário) mas a entrevista é claramente tendenciosa

  11. A 1ª coisa que o 1º veterano que me apanhou na 1ª ida à Universidade me disse foi isto: “qualquer burro tira um curso”. Isto já se passou à muito mais de uma década. Sempre houve gente muito burra nas Universidades. Só que agora fazem-se reportagens destas…

  12. Juca says:

    Façam as perguntas aos professores universitários…

  13. Eu contratava-os a todos; a seguir, formava um Governo para Portugal.

    Para pior não íamos e, mal por mal, esta pandilha tem muito mais piada que a quadrilha actualmente activa.

  14. Este vídeo/peça jornalista peca por ser pouco original e tendenciosa. Exemplo disso é já o estudante do Miguel Arcanjo que diz que vai processar a dita revista porque diz ele que tem testemunhas de como corrigiu logo e de ter sido a única pergunta que claudicou num total de 20.

    Os estudantes eram 100… para isto, o Nílton faz muito melhor e sem um propósito jornalístico (decadente diga-se) no 5 para a meia-noite.

    E com a Casa dos Segredos parece ter surgido o novo hobbie nacional, qualquer um (mesmo os poucos cultos) parodiar a ignorância dos outros. Não temos é noção que cada país tem o seu lado “profundo”, o seu lado ignorante, o seu lado…

    http://efeitosifao.blogs.sapo.pt/330.html?thread=330#t330

    P.S.: Basta ver o vídeo da manif de professores no Vai Tudo Abaixo para ver o quão fácil é produzir um vídeo destes.

  15. Jaime Marques says:

    Caro Nuno,

    Dando o desconto estatístico, isto é, as características inerentes à amostra e o enviesamento possível, penso que o DER TERRORIST, com humor ácido conhecido, põe o dedo na ferida: “Para quê queimar as pestanas a ler uma obra-prima de um dos maiores escritores da língua portuguesa de todos os tempos para acabar a trabalhar num call centre, numa caixa de um hipermercado, ou a ter de sair da zona de conforto, que é a casa dos pais, a caminho da emigração, se é possível chegar a primeiro-ministro a ler obras que nem sequer existem? Eça é que é Eça.” (http://derterrorist.blogs.sapo.pt/1741919.html)

  16. Miguel says:

    Eu não sei quem é Manoel de Oliveira. Não deixei por isso de ganhar um prémio na Alemanha na área que estudo e me dedico. O trabalho foi bastante apreciado e resultou em € a entrar em Portugal para colaborações.

    O que querem mais de um jovem?

    • Pelos vistos aquilo lá pela Alemanha também anda muito confuso… Toda a gente sabe que Manoel de Oliveira foi um grande poeta do século XIX!

      • Miguel says:

        E sinceramente o que interessa isso?

        Neste momento temos uma situação em Portugal e de certeza que não é Manoel de Oliveira que a vai resolver. Não digo que não lamente não saber quem é o homem, mas neste vivo mais preocupado em contribuir com o melhor que sei par a o país sair deste inferno.

        Inferno esse que não se deve a jovens… Pk sim, eu de certeza que não fiz nada para isto estar assim.

  17. António Alves says:

    Estão preocupados com os jovens?
    Eu começaria por preocupar-me primeiro com este tipo de jornalismo manipulador. A seguir preocupava-me com as gerações mais maduras que criticam os jovens e não tiverem antes disso literacia suficiente para, antes de tecer juizos preconceituosos sobre os que lhes sucedem, compreender que não sei responde a uma manipulação jornalistica com leviandade. Se a ideia é demonstrar alguma ascendência sobre os jovens, não podem interpretar este trabalho péssimo, de uma forma tão acrítica e elaborando sobre banalidades e preconceitos tipicos de um Generation Gap.

  18. Sophya says:

    Vergonhoso. Mas não é a falta de cultura dos universitários. É a hipocrisia de quem os critica, quando muito provavelmente não saberia responder às mesmas questões.

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