Autárquicas em Matosinhos – uma história triste

manualmesasDesde os 18 anos – já lá vão 12 – que faço parte das mesas de voto da Freguesia de Leça da Palmeira. Neste ano, fruto da condição de candidato à União de Freguesias de Matosinhos-Leça da Palmeira, para onde fui eleito, não pude fazer parte dos membros das assembleias de voto, embora tenha passado o dia na Escola Secundária da Boa Nova, com passagem pela Augusto Gomes, em Matosinhos. Mas foi em Leça da Palmeira que presenciei acontecimentos inacreditáveis, a poucos meses do 40.º aniversário da democracia. O resto foi chegando ao conhecimento da candidatura da CDU durante o dia.Se já em 2009 a tensão junto às mesas de voto era já notada, fruto da cisão do PS, que concorria com Guilherme Pinto, e Narciso Miranda, que concorria como “independente”. Não estranhem as aspas; nestas eleições, Narciso não concorreu mas apoiou o PS. Daqui observamos já um algo notável, que é o facto de Narciso, o eterno “senhor de Matosinhos”, ter perdido duas autárquicas em oito anos. E não estranhemos se, daqui a quatro, for ele o candidato da “mãozinha”.

Em 2013, no entanto, a coisa agravou-se. Guilherme Pinto e o PS, o oficial, colocaram “brigadas de esclarecimento” junto às escolas, que lembravam aos eleitores do local onde colocar a cruz: os acólitos de Guilherme Pinto andavam de indicador em riste, indicando o primeiro lugar nos boletins de voto, e os do PS recordavam que era na mãozinha que deviam votar. Muitas das pessoas que vi à porta da escola, em Leça, nem sequer eram delegados de mesas. Estavam só ali a cometer ilegalidades e a subverter a democracia, apelando ao voto, depois dos meses e dos muitos milhares de euros que tiveram para gastar em campanhas, com brindes que foram desde t-shirts, canetas, porta-chaves até caixinhas para pastilhas. Mais: durante a campanha vi, no facebook, membros de listas a saldarem o sucesso dos dias pela quantidade de camisolas que distribuíram.

Voltando à questão dos caciques, foi necessário recorrer à PSP para identificar três dos muitos elementos que se encontravam à porta da escola e não resisto a partilhar um excerto do episódio. O PSD pede a intervenção da PSP quando a CDU ia confrontar os infractores e solicitar que parassem com as indicações de voto aos eleitores, assumindo que, caso a atitude continuasse, iria ser chamada a PSP. Na altura, chega o presidente da junta de Leça, agora eleito para presidir à junta de Matosinhos-Leça da Palmeira:

“Isto é inaceitável”, diz. “É, mas foi o mesmo que fizeram há quatro anos, só que há quatro anos foi a teu favor”, responde alguém. “‘Tá bem, mas não foi com esta intensidade”, responde o reeleito, sem perceber a gravidade do que acabara de dizer. Assumindo que também ele fizera o mesmo e, como no futebol, só não foi delito por causa da intensidade. Com uma coluna bastante maleável, pouco depois, andava o presidente de dedo em riste para os eleitores, lembrando-os onde votar.

Em Matosinhos, houve mesmo confrontos físicos, quando um solícito membro de uma das duas candidaturas do PS se ofereceu para ajudar uma senhora a procurar a sua secção de voto, indicando também o quadradinho onde votar, com uma réplica do boletim de voto na mão. A senhora não gostou. O irmão da senhora não gostou. Acabou a murro e com a PSP de novo a intervir.

Em Guifões, o PS oficial colocou um membro a tomar conta de um elemento do PS de Guilherme Pinto, que apelava ao voto na “onda”.

O baixo nível e falta de cultura democrática não fica por aqui. Na última semana, surgiram rumores, avançados pelas candidaturas dos dois PS, de que o candidato da CDU, que recolheu muita simpatia junto da população, estava muito doente, que era candidato mas iria sair mais tarde devido ao seu gravíssimo estado de saúde. E eu tenho para mim que quando se chega a este grau, de democracia há muito pouco. E de respeito. E de decência.

Foi neste clima que os eleitores do concelho de Matosinhos foram chamados a votar e a escolher quem dirigirá o concelho nos próximos quatro anos.

Os resultados e as sondagens

Só alguém muito arredado da realidade das ruas, do que se ouvia e da informação que foi sendo recolhida podia acreditar que Parada e o PS oficial sairiam vencedores da noite eleitoral. É no que dá medirem o sucesso de acções de campanha pelas camisolas entregues. Parada nunca conquistou a população e a sua postura ao longo da campanha, juntamente com as gafes que foi cometendo, ajudaram ao descalabro que foi o resultado do PS oficial.

Depois, as sondagens absurdas que foram sendo publicadas, que beneficiaram a bipolarização, fazendo crer que qualquer um dos dois candidatos estaria em boa posição para vencer. Tal como sucedera há oito anos. E nem incluo aqui a sondagem do PSD que dava os três candidatos empatados, porque essa era mesmo absurda. Mas creio, muito sinceramente, que está na altura de os órgãos de comunicação social e as empresas de sondagens fazerem uma reflexão muito séria em relação ao seu trabalho, tendo em conta os resultados de 2013 e 2009 e a diferença entre os números avançados nos últimos dias de campanha. Pode ser que o Pedro Magalhães consiga explicar isto.

Para nós, na CDU, o saldo foi positivo em relação há quatro anos: conseguimos recuperar o vereador, elegemos três membros na Assembleia Municipal e temos um eleito nas Uniões de Freguesia de Matosinhos-Leça da Palmeira, Perafita-Lavra e Santa Cruz do Bispo e Custóias, Guifões e Leça do Balio e dois em S. Mamede de Infesta- Senhora da Hora.

No entanto, o relato do dia eleitoral tem de merecer profunda reflexão por parte de todos os intervenientes. Foi vergonhoso para a democracia e para o concelho. Da parte da CDU, garanto que estamos de consciência tranquila.

*Na foto, em cima, o manual dos membros das mesas de voto, com os valores das coimas ainda em escudos. Talvez seja premonição…

Comments

  1. Fernando Marques says:

    Matosinhos é já, por tradição, ou melhor, por uma tradição de circo, local sintomático de fenómenos estranhos no que concerne às questões políticas. São as canetas, as camisolas, os favores das estruturas pertencentes à Câmara (referi isto uma vez numa crónica no “Matosinhos Hoje”, mas ninguém ligou muito). Mas preocupa-me bastante este caciquismo em volta da figura de Guilherme Pinto, dado que traduz os maus “vícios”. Sim, embora estes “vícios” não sejam comparáveis aos apresentados em eleições ditatoriais (Ainda bem que 2013 não é 1958, por exemplo), estes existem em democracia. Além disto, há também este ressentimento com os partidos. Ora, parece-me perigoso esse caminho e não louvo esta tendência dos movimentos independentistas – ao que parece há uma “onda” ingénua de elogio em volta do ressurgimento e conquista destes ditos grupos quase ou mesmo apartidários – , tendo em conta que são movimentos políticos sem uma linha ideológica definida. O cidadão vota neles porquê? Qual o conteúdo? Será que se um neo-fascista se disfarçar num movimento desses é bem conseguido? O PS, o PSD, PCP, BE, CDS-PP etc, embora cada um com a sua especificidade, apresentam uma linha ideológica e um programa eleitoral que vai de acordo com essa mesma ideologia. Às claras se grita pelo povo com a mesa obscuridade que se usa o povo na escuridão.

    • Ricardo M Santos says:

      O Guilherme Pinto só foi “independente” porque não foi escolhido pelo partido. Isto não é ser independente, é a sede de tacho.

  2. Joaquim Carlos Santos says:

    Ainda bem. Folgo que a coisa tenha corrido bem para o PCP, em Matosinhos. Abraço.

  3. Paula Sofia Luz says:

    Para mal de todos nós, isso passa-se em toda a parte neste país.

  4. Pedro Sousa says:

    Ricardo Santos, agradeço a forma como geriste os conflitos à porta da escola e o facto de teres solicitado a minha intervenção. Não comento as mentiras e falsidades aqui proferidas, mas admira-me este teu comportamento, atendendo à forma como procuramos, em conjunto, colocar um ponto final naqueles “comícios”. Os Matosinhenses e Leceiros souberam bem em quem queriam votar e qual o projecto para Matosinhos-Leça. Os resultados falam por si: conseguimos a maioria absoluta para a Junta de Freguesia e Câmara Municipal. Felicito-te pela tua eleição e conto contigo para trabalharmos, de forma honesta e leal, em prol da nossa comunidade. Um abraço

  5. Ricardo M Santos says:

    Mas podias e devias comentar. Ou, pelo menos, enumerá-las.
    Se te referes ao teu comentário que reproduzo, toda a gente que lá estava o ouviu. Podes sempre desmenti-lo, mas haverá gente que, como eu, ouviu o que disseste.
    E o que se passou contigo de dedo em riste também, já da parte da tarde, junto ao Bloco A. Parabéns pela tua eleição como presidente.

  6. Eu também ouvi!! O Sr. Presidente da Junta eleito tem sempre dificuldade em assumir alguns erros que como todos faz e tem!!
    No facebook era fácil pois apagava os comentários que fazia ou que outros faziam, neste caso também pode sempre dizer que não disse mas mais ouvidos que não os teus, Ricardo, ouviram!!
    Os meus ouvidos ouviram e os meus olhos viram coisas que me revoltaram!!

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