Exploradores de meia tigela

Cientistas descobriram uma floresta tropical até agora desconhecida no norte de Moçambique. A descoberta foi feita através do Google Earth, tendo sido enviada uma equipe de cientistas para o local. Confirma-se já a descoberta de pelo menos três novas borboletas e uma nova espécie de cobra. Ou seja, não se pode estar em sossego em lugar nenhum. Até aqui, os habitantes da floresta desconhecida de Moçambique viveram, graças às condições inóspitas do terreno e a uma terrível guerra civil, milénios de paz longe das criaturas humanas. Mas isso agora acabou. A princípio, eu até achei graça ao Google Earth, mas agora confesso que o acho insuportável. Não há um recanto deste planeta que o sacana não tenha esquadrinhado. O próximo passo deverá ser ver para lá dos telhados, para lá das paredes, dos muros, num voyeurismo levado ao limite. E até o romantismo das grandes aventuras dos exploradores do século XIX se perdeu por inteiro. Refastelados na cadeira giratória, com o ar condicionado ligado e uma embalagem de M&Ms ao lado, os novos exploradores dão ao scroll para fazer zoom in e zoom out, e correm o mundo sem levantar o traseiro.

"Estes " investimentos públicos…

Nos últimos dez anos os grandes investimentos públicos foram:
Estádios de futebol (quatro desnecessários como sempre se soube)
Pendulares na linha férrea Lisboa – Porto (milhões de contos, tantos que nunca se soube bem quantos)
Ponte Vasco da Gama ( a mais extensa da Europa como não podia deixar de ser)
Expo 98 ( que se pagaria a si própria e depos foi o que se viu)
Modernização dos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro ( apesar de paralelamente se andar a preparar um novo)
Autoestradas para meia dúzia de automóveis (temos o rídiculo record do maior número de autoestradas por habitante)
Novos investimentos:
Autoestradas
Ponte sobre o estuário do Tejo
TGV
Novo aeroporto
Se após os investimentos dos últimos anos o país empobreceu, não conseguiu dar o salto qualitativo da produtividade, porque será que o mesmo tipo de investimentos dez anos depois, vai ter resultados diferentes?
Acresce, que a rentabilidade marginal por projecto é agora menor e o seu custo é maior porque o ” rating ” do país desceu devido à muita má situação das finanças públicas .
Vai ser mais um milagre do PS?
Mas há investimento público muito necessário, como seja, a reabilitação dos centros urbanos, a modernização das redes de captação e distribuição de água, luz e gás, a construção de barragens que há dez anos estão paradas, a modernização da linha férrea de transporte de mercadorias, o desenvolvimento do “cluster” do mar, dos portos…
Desde que não sejam entregues aos amigos, sem concurso público, como acontece ali em Alcântara com a Liscount do camarada Jorge Coelho!

Falando de Democracia: Cultura e televisão

evil-television-movie-4988

Estes dois substantivos têm vindo a distanciar-se, como se pertencessem a idiomas diferentes. Cultura e televisão, será que ainda têm alguma coisa em comum? No começo da década de 90, Marlon Brando dizia numa entrevista que já não faltaria muito para que algum «génio criativo» se lembrasse de, num reality show, pôr pessoas a defecar perante as câmaras. Numa roda de amigos comentou-se esta profecia do grande actor e, embora reconhecendo que a qualidade da televisão generalista baixava de ano para ano, pareceu-nos exagerada. Não havia ainda aqui a moda dos reality shows. Quando a inefável TVI lançou o Big Brother, alguns dos mesmos amigos recordaram a entrevista de Brando e começaram a perceber onde ele queria chegar. O nível cultural dos participantes era tão básico, o léxico e o universo conceptual utilizados tão rasteiros, que não exigia grande esforço imaginar qualquer deles a concretizar perante as câmaras a profecia de Marlon, caso tal lhes fosse pedido pela «realização». (Conversando com Mr. Hugh House, director do departamento de cursos de inglês da BBC, queixava-me da má qualidade dos programas televisivos em Portugal. Resposta: – Então você não sabe que a função da televisão é ser de má qualidade?).

Falando dos programas actuais, alegou-se como desculpa a falta de cultura dos portugueses, o baixo índice médio de escolaridade. Alguém disse – «Mas o conceito do Big Brother não é português». E outro recordou – «Há trinta anos, com um índice de escolaridade mais baixo, as ruas das cidades ficavam desertas nas segundas-feiras à noite, pois estava quase toda a gente a ver o Zip-Zip, um programa que, apesar do bom nível do conteúdo era apreciado por uma larga faixa da população. Hoje em dia, as audiências aumentam na razão directa do número de telenovelas que um canal apresenta. Se às telenovelas, geralmente más, se somarem os tais reality shows e uns concursos idiotas, os índices de audiência sobem em flecha. A televisão generalista percorre uma espiral descendente – os canais na sua fúria de competirem na guerra das audiências, procuram colocar-se ao nível da incultura geral e, nesse esforço de «chegar às massas», com telenovelas tontas, talk shows inqualificáveis, concursos de pseudo cultura-geral, contribuem para o défice cultural dos telespectadores que terão tendência cada vez a preferir programações mais pobres. É sempre a descer.

Sobre este tema, encontramos palavras esclarecedoras num pequeno livro de Karl Popper, um grande filósofo britânico de origem austríaca (1902-1994) – Televisão Um Perigo Para a Democracia: "Por ocasião de uma conferência que dei há alguns anos na Alemanha tive o ensejo de conhecer o responsável de uma cadeia (de TV) que se deslocara para me ouvir juntamente com alguns colaboradores. (…) . Durante a nossa discussão fez afirmações inauditas, que se lhe afiguravam naturalmente indiscutíveis. «Devemos oferecer às pessoas o que elas esperam», afirmava, por exemplo, como se fosse possível saber o que as pessoas pretendem recorrendo simplesmente aos índices de audiência. Tudo o que é possível recolher, eventualmente, são indicações sobre as preferências dos telespectadores face aos programas que lhes são oferecidos. Esses números não nos dizem o que devemos ou podemos propor, e esse director de cadeia também não podia saber que escolhas fariam os telespectadores perante outras propostas. De facto, ele estava convencido de que a escolha só seria possível no quadro do que era oferecido e não perspectivava qualquer alternativa. Tivemos uma discussão realmente incrível. A sua posição afigurava- se-lhe conforme aos «princípios da democracia» e pensava dever seguir a única direcção compreensível para ele, a que considerava «a mais popular». Ora, em democracia nada justifica a tese deste director de cadeia (de TV), para quem o facto de apresentar programas cada vez mais medíocres corresponde aos princípios da democracia porque é o que as pessoas esperam. Nessas circunstâncias, só nos resta ir para o inferno!» Um inferno ao qual vamos descendo, abandonando toda a esperança, como preconizava Dante, sempre que accionamos o comando. Um inferno onde vale meter todo o lixo. Já para não falar nas manipulações…

Vem isto a propósito da entrevista de Manuela Moura Guedes ao bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, no dia 22 de Maio de 2009, no chamado «Jornal Nacional» da TVI. No seu habitual estilo truculento, o bastonário disse à pivô verdades duras como punhos, daquelas que muito raramente se escutam em televisão. Pode aceder-se a parte da entrevista em http://www.youtube.com/watch?v=5K_F53MXVrc – Aconselha-se vivamente.

De facto, a «informação» que naquela estação (e não só) se pratica deixa muito a desejar, misturando-se de maneira avulsa, opiniões com factos e não se fazendo a destrinça do que é uma e outra coisa. Isto, como muito bem disse Marinho Pinto não é jornalismo, mas sim «julgamentos sumários disfarçados de jornalismo». A televisão tem este poder de eliminar factos e de criar factos, de manipular a realidade e de a apresentar conforme melhor for servida a necrofagia e o sensacionalismo que parecem ter tomado conta do jornalismo em geral e, por outro, os interesses, políticos, económicos, dos grupos a que o canal seja afecto. «É uma vergonha», estou inteiramente de acordo com Marinho Pinto. Sobre o poder da televisão, dizia Karl Popper na sua obra já citada, que, nos nossos dias a, a televisão assumiu um poder colossal, potencialmente o maior de todos, «como se tivesse substituído a voz de Deus». Afirma ainda que em democracia não pode haver poderes incontrolados, pois a essência da democracia consiste precisamente em submeter o poder político a um controlo. O poder da televisão constitui, pois, um grave perigo para a democracia e esse perigo agudizar-se-á se não conseguirmos pôr cobro aos abusos dos canais televisivos – «Nenhuma democracia pode sobreviver se não controlarmos esta omnipotência», dizendo ainda: «A democracia, como expliquei algures, não é mais do que um sistema de protecção contra a ditadura, e nada no seio da democracia proíbe as pessoas mais instruídas de comunicarem o seu saber às que o são menos. Pelo contrário, a democracia sempre procurou elevar o nível de educação; é essa a sua autêntica aspiração. As ideias deste director de cadeia (de TV) não correspondem em nada ao espírito democrático, que sempre foi o de oferecer a todos as melhores oportunidades. Inversamente, os seus princípios conduzem a propor aos telespectadores emissões cada vez piores, que o público aceita desde que se lhes acrescente violência, sexo e sensacionalismo".

Não sei se Popper tem razão quando diz que a democracia «não é mais do que um sistema de protecção contra a ditadura». Esta definição parece-me redutora. Mas isso seria entrar numa outra discussão. Quanto a mim, Popper tem toda a razão quando nos alerta para os perigos de um meio que, tendo o poder de substituir a informação pela manipulação, pode destruir a democracia, instaurando em seu nome a ditadura dos media, por sua vez instrumentali
za
dos por interesses políticos e económicos que nada têm de democrático. Os governantes, os actuais e os anteriores, só se preocupam com as manipulações quando elas os atingem, como fez Sócrates na entrevista de 21 de Abril, na RTP, concedida a José Alberto Carvalho e Judite de Sousa, em que denunciou o mesmo Jornal Nacional da TVI e aquilo que naquele canal passa por ser um serviço informativo, dizendo que o que ali se faz não é jornalismo, mas sim «caça ao homem» e que se trata de um «telejornal travestido». Isto, porque foi atacado a propósito do caso Freeport. E quando, ali e noutros espaços «informativos», outras pessoas, a verdade e a Democracia são atacados?

Todos sabemos que nenhum governo da «democracia» que temos, exercerá uma acção pedagógica, profilática e terapêutica sobre os órgãos de informação. Não estou a falar de censura política, de repressão ou de limitações impostas à liberdade de imprensa (como em resposta a Sócrates o director da TVI, vitimizando-se, se apressou a vir denunciar o que lhe parecia subjacente às palavras do primeiro-ministro). Estou a falar do inverso: a comunicação social não se transforme ela mesma num odioso instrumento de repressão. O que começa a acontecer. A liberdade de imprensa exige por parte dos profissionais um grande sentido de responsabilidade, o que raramente se verifica. Estou a falar de um cotejo sistemático e permanente entre o código deontológico que rege a profissão de jornalista e a prática exercida pelos respectivos profissionais. Nunca esquecendo que, a maior parte das vezes, muito bons jornalistas, submetidos a direcções ligadas a grupos político-económicos e não só, são obrigados a escolher entre a honestidade e o emprego, entre o pão e a verdade. Para se extirpar este tumor que não cessa de aumentar, tem de se ir bem fundo na incisão e não ficar pela solução fácil de punir ou diabolizar as «mouras guedes» que mais não são do que as pontas visíveis e emergentes de gigantescos icebergues submersos.

Cumprindo serviços mínimos


Ó meu rico S. João
Dá-me forças para emborcar
Já que agora não posso
Escrever no Aventar

Ainda e sempre as crianças. Quem responde pelos crimes?

A menina de Torres, a Esmeralda, estava feliz com a sua família. Os vizinhos, a professora, a própria menina, dizia-se feliz. Só havia um problema entre adultos. Aconteceu esta coisa inexplicável. A miúda andou em bolandas e tiraram-na da família , da sua casa, da sua vizinhança, da sua escola, dos seus amigos .
A miúda Russa, Alexandra, estava num ambiente conhecido, onde a sua vizinhança, os seus amigos , a sua familia a faziam feliz e onde poderia ser sempre ajudada. Não senhor, mandaram-na para um país distante, sem conhecerem o ambiente, as pessoas, a vizinhança. Interessaram-se pelo problema dos adultos não pelo interesse da criança.
As crianças de Pinhal Novo, tragicamente mortas num incêndio , numa casa miserável.
Entregues a uma família disfuncional, com cinco filhos e sem qualquer capacidade económica para os criar , a viverem na miséria. Conhecemos hoje as condições familiares, financeiras e de disfunção social a que as crianças estavam sujeitas.
Pergunto: alguem acha que as condições para as crianças serem felizes estavam reunidas?
Entregues a uma mãe com cinco filhos, com um companheiro que não é o pai das crianças, com familiares toxicodependentes, todos a viverem na miséria.
E, no entanto, as crianças acabaram vítimas inocentes destas condições!
Os serviços que referenciaram as crianças conheciam os pressupostos da sua decisão?
Se não, devem de imediato serem despedidas!
Se sim, devem de imediato serem accionadas em Tribunal!
Afinal quem é que responde por estes crimes sem nome?
Nuns casos retiram as crianças de ambientes estáveis e , no outro, entregam-nas a um ambiente completamente degradado ?

Dos surdos

O mais recente romance do hilariante David Lodge, "A Vida em Surdina", tem como personagem principal um surdo. Não se tratando a sua de uma surdez absoluta, é suficientemente incapacitante para dificultar qualquer tipo de relacionamento com outros seres humanos. Lodge descreve com a minúcia e graça habituais as dificuldades com que se depara um surdo nos nossos dias, e destaca a estranha comicidade que tendemos a encontrar na surdez (e basta pensar no pitoresco das inúmeras personagens surdas de que a ficção se tem valido), em contraponto com a cegueira, que é sempre trágica. Não imaginamos, diz Lodge a certo passo, Édipo, acabado de escutar a terrível verdade sobre Jocasta pela boca do oráculo, a furar os tímpanos. Um Édipo surdo não produziria o mesmo horror que esse cego de olhos brancos, abandonando Tebas para o exílio. Mas afinal, o que há de jocoso na surdez? Já estiveram na casa de um ancião surdo? Eu estive recentemente e não pude deixar de sentir que a surdez traz já a morte em pequenas doses. O telefone adaptado pisca quando toca, mas basta que se esteja a olhar para outro lado para perder todas as chamadas. De resto, as conversas telefónicas estabelecem-se num volume tão elevado que os interlocutores, incomodados com a gritaria, começam a ligar de forma cada vez mais espaçada. Grande parte das conversas perde-se em fragmentos ininteligíveis e lentamente o surdo começa a desistir de entender. Ensimesmado, despede-se pouco a pouco das relações mundanas, do alvoroço das discussões, da música e do riso. E na algaraviada em que se transformaram as nossas vidas, não estaremos todos nós a ensurdecer? Com quantas pessoas nos cruzamos no dia-a-dia com quem não conseguimos estabelecer nenhuma espécie de diálogo, porque tudo acaba por se resumir a uma sobreposição de dois monólogos? Dizia Shakespeare que a vida é um conto cheio “de som e de fúria” e talvez tudo o resto seja o grande silêncio que reverbera em cada um…

Bom S. João:

Manjerico

“Acabar com as listas de espera só quando houver liberdade de escolha”

No âmbito da minha actividade profissional, tive a oportunidade de entrevistar, recentemente, Artur Osório, administrador do Grupo Trofa Saúde, que detém, por exemplo, o Hospital Privado da Trofa e outras unidades de saúde. Já foi administrador do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, e do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto. Nesta entrevista, reforçou o que há muito defende: Portugal precisa de uma Saúde mais aberta, livre e com maior concorrência.

Há, de facto, dificuldades sérias em organizar o sector da saúde em Portugal?

Artur Osório: Ainda há, têm havido alguns progressos. O Serviço Nacional de Saúde comemorou agora 30 anos e posso dizer que, como serviço público, está melhor que a justiça, que a educação… mas tem deficiências e o SNS tem ainda muito caminho a percorrer para garantir à população o verdadeiro direito à saúde.

Está mais aberto?

Não está. Devia estar. Tem tido ciclos de mais abertura, de modernização, tem outros ciclos em que se fecha, mas ainda não deu o salto para aquilo que hoje é a Europa moderna, em que o cidadão é que escolhe o serviço de saúde que quer e como quer.

O que é que falta?

Abrir hospitais e serviços públicos à concorrência, à livre escolha do cidadão poder optar pelo serviço público ou não, por uma gestão mais moderna e mais capaz. Falta também acabar com as listas de espera. Isso só será possível quando houver liberdade de escolha e quando houver verdadeira concorrência no sistema. Quando os países têm uma economia muito dirigida, é normal que haja espera. Como, por exemplo, antigamente, nos países de Leste, havia listas de espera para comprar um automóvel. Neste momento, o estado ainda detém um monopólio na saúde, e só quando for garantido à população o direito à saúde universal e gratuita, aí haverá um sistema de saúde com uma resposta muito mais rápida e barata.

É mais barato fazer saúde no privado do que no público?

Sim. Na generalidade das patologias, fica mais barato.

Como é que se explica isso?

As ineficiências dos serviços públicos pagam-se. Haver recursos a mais, mal geridos, onde não são pedidas contas e são feitas por clientelas políticas. As pessoas não sabem, mas quando vão a uma consulta a um hospital central, como o São João, Santo António ou IPO, o estado paga, só pela consulta, mais de 120 euros. Qualquer operação efectuada a um doente custa 5000 euros ao estado. E porque é que isso acontece? O estado faz os preços por critérios estatísticos mas também para manter os hospitais com resultados de equilíbrio financeiro que é obtido ao aumentar o custo dos actos. Isso permite que os hospitais não naufraguem e se mantenham à tona financeiramente.

É um custo que é falso?

E que é pago por todos nós. Portugal é dos países do mundo que, em 10 anos, mais aumentou as verbas para a saúde do estado. Isso é um esforço muito grande para os cidadãos.

Como é possível calcular essa inflação de preços?

Nós sabemos bem o que custa, havendo eficiência, cada consulta. A ADSE paga, a hospitais privados, cerca de 30 euros por consulta e o hospital privado obtém resultados.

Estamos a falar de aumentos de 100 por cento?

Ou mais. Tudo para manter os hospitais à tona. Para os nossos leitores, é fácil de explicar. Se o leitor for dono de uma quinta e também for o comprador dos nabos e das cenouras, e se quer que a quinta dê lucro, aumenta o preço desses nabos. Depois quem paga esses nabos são os consumidores. Isto não é um problema exclusivamente português. A Europa está a caminhar rapidamente para que o cidadão tenha liberdade de escolha entre o público e o privado. Depois, o estado encarrega-se de pagar, conforme os preços que ajustar. Mas sabendo o que paga, já que neste momento o estado compra muitas coisas ao privado, mas não vai auditar convenientemente aquilo que compra sequer.

Não deveriam ser devidamente acauteladas essas tarefas que o estado entrega aos privados?

Evidente. E com auditorias constantes, com uma entidade reguladora muito activa que devia estar a auditar os hospitais públicos e não o está a fazer. Os hospitais públicos, querendo facturar mais do que aquilo que se faz, têm mecanismos muito fáceis de os pôr em movimento e que, na realidade, servem para manter equilíbrios financeiros.

A transformação dos hospitais públicos em entidades públicas empresariais, que está a ser feita progressivamente, não trás nenhuma novidade neste aspecto?

Não, isso é mais do mesmo. Os hospitais públicos não têm nenhuma liberdade na gestão estratégica. Estão presos ao sistema de saúde. Não podem aumentar a clientela. Não podem produzir mais do que um determinado valor, não são eles que gerem os recursos humanos, já que não podem fazer contratos de trabalho directos, não podem comprar medicamentos livremente e só adquirem aquilo que o estado entende que deve ser adquirido. Os hospitais públicos estão muito manietados. Os hospitais públicos, neste momento, não passam de repartições com o nome de empresas, tal como as repartições de finanças, mas que não têm a mínima possibilidade de gestão estratégica. Não podem entrar em concorrência uns com os outros, não podem aumentar a sua capacidade e oferecer melhores serviços à população em detrimento de outros que vão ficando para trás…

Mas teria alguma lógica os hospitais públicos entrarem em concorrência uns com os outros?

Tem sempre. O que faz andar o mundo e países que têm muitos hospitais públicos, como o serviço nacional de saúde inglês, que foi o tipo de serviço em que no inspiramos, é a concorrência. O facto de um hospital ter muita procura é sinal que está a funcionar bem, que tem uma resposta capaz. E hoje o nosso cliente, ao contrário do que acontecia antigamente, já sabe escolher. É informado, vai à internet, estuda as doenças. E isso é importante para saber escolher. Antigamente sustentava-se que não se podia permitir a liberdade de escolha do doente, porque este era ignorante. Mas há muitos anos, também se dizia que as pessoas não podiam votar por serem ignorantes. É o mesmo processo. A democracia só será plena se o cliente tiver direito à escolha.

Qual é o modelo que acha que seria mais adequado para Portugal?

Uma evolução do nosso sistema. Manter os valores da universalidade, da gratuitidade. Mas fazer com que o Estado deixe de ser o dono da saúde. Os donos passariam a ser empresas privadas ou públicas. Outras até poderiam ser fundações, onde os municípios poderiam ter um papel importante, como tentei fazer há algum tempo no Hospital Pedro Hispano. E introduzir concorrência no sistema. Neste momento há um modelo monolítico, tem que ser tudo igual. As pessoas são contratadas da mesma maneira, o rácio de médicos é sempre igual. Não deve ser assim. Há particularidades diferentes de zona para zona. Deve ser tudo feito de forma próxima das populações.

Acha que o modelo que nos permite hoje termos um SNS que é levemente liberalizado não poderia ser refinado ao ponto de permitir que houvesse uma maior liberdade de intervenção dos actores de saúde? Acha que é possível fazer isso em Portugal?

É uma questão de vontade política. Financeiramente, não prevejo que o custo do SNS em que o cidadão tenha liberdade de escolha seja maior, antes pelo contrário. Pode ser mais barato ao estado sustentar a saúde ao contrário do que acontece hoje, q
ue
se financiam as catedrais do desperdício que são os hospitais públicos.

De qualquer das maneiras, já há muitas unidades privadas.

Sim, mas ainda são uma minoria dentro daquilo que o estado está a fazer. Vai fazer um hospital em Braga, uma parceria público-privada, mas é um hospital de 600 camas. São hospitais muito grandes, monstruosos. Têm lançado hospitais de gestão pública, que contraria o movimento que há na Europa. Na Alemanha, metade dos hospitais têm gestão privada. O estado verifica se os serviços prestados são bons e garante a saúde aos cidadãos. Isto é como qualquer actividade económica. Antes também se pensava que só o estado podia ter bancos, agora já não é assim. O mesmo se devia passar com a saúde.

Mas a saúde é um negócio também.

Isso é inegável. Mas o lucro pode ser reinvestido na própria saúde. No entanto, é preciso haver regras rigorosas, porque na saúde é muito fácil cobrar actos e serviços que não existem. Porém, hoje em dia, já é fácil controlar isso, através de programas informáticos e auditores, algo que o nosso estado não faz por ser algo atrofiado e anafado.

Houve evolução nos últimos quatro anos, no sector da saúde, em Portugal?

Não. Houve uma altura em que se transformou alguns hospitais públicos em hospitais SA, com o intuito de ser gerido por pessoas do sector privado, para rentabilizar mais essa gestão, mas nada mudou. Correia de Campos ainda tentou abrir mais a saúde ao sector privado, mas depois voltámos ao centralismo. Por exemplo, criar uma rede de cuidado continuados, que é algo que o país precisa, os doentes têm que ir para um sistema informático que, posteriormente, irá determinar para onde vai. Era tudo mais simples se um hospital pudesse procurar na sua área e no sector que necessita, um local para o doente ser tratado. É burocracia a mais. Correia de Campos deixou-se ir nessa onda, e a actual ministra da Saúde, Ana Jorge, tem apenas o papel da acalmar as águas.

Digamos que com Correia de Campos houve algumas reformas e depois houve um travão.

Sim, depois da tempestade vem a bonança, mas agora é uma bonança doentia. Agora o sector privado tão bons ou melhores serviços que o público. Antes, no privado só havia os consultórios individuais, e isso é como as mercearias de bairro, têm tendência a acabar e ser integrados em clínicas e hospitais privados.

Quando se fala em encerrar um serviço de saúde pública ou em reduzir os horários de um centro de saúde, mesmo que não se justifique estar aberto, isso implica sempre um agitar de águas.

Eu também tenho ideias menos próprias e já pus em prática. Em Matosinhos, criei algo chamado unidade local de saúde, que é uma unidade com uma certa autonomia na planificação os cuidados de saúde independente do poder central.

Na altura, a unidade local de saúde foi apresentada como um projecto pioneiro, para depois ser transportado para outros locais.

Foi. Orgulho-me muito de ter apresentado esse modelo, na altura à Maria de Belém, faz agora dez anos. Mas aquele projecto mexe com muitos interesses, e há muitos lobbies, e muito poderosos, na saúde. Uma unidade local gerida de forma eficiente acabaria com muitos interesses, médicos, farmacêuticos, laboratórios, e esses interesses mexeram-se e exerceram pressão sobre os partidos e governos.

Olhando para o que se faz hoje na saúde em Portugal, como se pode caracterizar o sector no privado?

É preciso entender o privado não como um concorrente do SNS, mas como complementar. Tem a sua autonomia. Há dois milhões de segurados neste país que são o nosso suporte. Se fosse pelo estado não sobrevivíamos. Na Trofa, só 4 por cento da nossa facturação é para o estado. O resto é de pessoas com seguros de saúde e com outros sub-sistemas, como a ADSE e outros. E mesmo assim não vivemos desafogados porque os preços praticados são muito inferiores ao serviço público, uma vez que o estado paga ao estado. É preciso deixar o sector privado ter um papel mais importante na saúde.

Recentemente houve uma polémica entre médicos e farmacêuticos relativamente aos medicamentos genéricos. Qual a sua opinião?

A nível da prescrição (de medicamentos) há uma liberdade muito grande. Não estou a dizer que os meus colegas são vigaristas, mas deixam-se influenciar muito pela indústria laboratorial. Esta indústria faz um marketing muito inteligente, e não estou a falar de almoços ou viagens. Quem dá formação aos médicos quando acabam a licenciatura é, quase exclusivamente, a indústria farmacêutica, que depois os leva a congressos e colóquios, levando os médicos a prescreverem este ou aquele produto. Em relação a isto, nalguns países, a indústria farmacêutica dá dinheiro ao estado para depois ser o próprio estado que, de tempos a tempos, dá formação aos médicos. Não deixa de ser a indústria farmacêutica a pagar, mas a formação torna-se muito mais independente. Depois, há a área da comercialização, onde a Associação Nacional de Farmácias (ANF) formou uma excelente rede, mas que tem margens de lucro enormes, e todos têm enriquecido à custa disso. Agora vêm defender os genéricos, e toda agente sabe que existem ligações de pessoas da ANF à produção de genéricos. Isto torna tudo muito promíscuo e quem se lixa são os cidadãos. Há outra coisa grave em relação ao medicamento que é a não existência da unidose. Os médicos prescrevem embalagens inteiras sabendo que, na maioria das vezes, só eram necessárias algumas doses desse medicamento. E depois quem paga isto somos nós. Há ali jogos de poder e de bastidores que não passam cá para fora.

E porque é que não se aplica a unidose?

Este é um país doente, com lobbies muito poderosos. E há muitos interesses por detrás disto tudo. Se há unidose nos EUA, em Inglaterra, etc, também podia haver cá. Só que isto levanta uma tempestade para muitos interesses, e os governos têm medo.

Falando de transportes – A Falácia do Ministério das Obras Públicas: O TGV (VII)

gare_oriente

(continuação daqui)

Tenho um grande apreço intelectual pela inteligência e conhecimentos profissionais do Dr. António Costa, pelo que só encontro uma justificação para tais afirmações: é uma ajuda, quiçá uma muleta, para auxiliar a SET a resolver o imbróglio em que se meteu. Permito-me lembrar que, na verdade, a Gare do Oriente / Braço de Prata poderá servir para terminal da AV – aliás como escrevi neste sítio em Novembro de 2006 quando a RAVE sonhava, ainda, com uma estação Central em Chelas, para terminal de AV.

Acabar com a estação de Sta. Apolónia numa perspectiva meramente mercantil, é um capricho que irá custar muito caro a Lisboa, dada a sua excelente localização, quase no centro da cidade. Compare-se com o que está a ser feito noutras cidades, como Paris, Londres, Colónia, etc., a título de exemplo, onde se aproveitaram velhas estações, por vezes centenárias, à custa de trabalhos de adaptação muito importantes. Um tráfego que tem como destino o centro da cidade é algo de precioso que justifica essas despesas.

Mas ainda há mais e não ajuda. A cerca de 600 m da Ponte projectada, a montante, a cota do caminho-de-ferro é de 34; a plataforma do Braço de Prata fica a 1,5 km da Ponte e a Gare do Oriente a 3,5 km. Conforme escrevi no meu texto de 25.4.07, a primeira é indispensável para complementar a Gare do Oriente (com pouco espaço disponível) e como reserva expectante de comboios e local de manobra para os mesmos.

Sabendo-se que a nova estação de Chelas e a chamada linha de Cintura irão ter acesso directo à Ponte, esse desideratum vai limitar ainda mais aquilo que o MOPTC pretende. Já para não falar no impacto sobre alguns edifícios existentes, v.g., a Manutenção Militar e os espaços verdes adjacentes ao Palácio dos Duques de Lafões, assim como o Recolhimento de S. Vicente; e, também, vai poluir, de vários modos, a Igreja e o Convento dos Grilos, o do Beato e a Quinta das Fontes.

Francamente, não vislumbro como será possível ultrapassar tudo isto, numa óptica de rigor e competência.

Julgo que esta localização da Ponte – imposta com grande voluntarismo – irá acarretar graves prejuízos, além de ser uma solução limitada na sua concepção. Faço votos para não se repita, em ponto grande, o erro muito recente que se constatou (demasiado tarde) na chamada Ponte da Lezíria inaugurada em meados do ano passado, em que a cota do tabuleiro foi fixada em 20,15m (uma cota inferior à da Ponte de Vila Franca, a montante, que atinge os 22,50m). Resultado desta distracção: o chamado barco varino, equipado com um mastro de 21,50m não consegue passar debaixo desta ponte; e o mesmo sucede com os barcos de desporto – uma das paixões das gentes ribeirinhas de Alhandra e V. F. Xira – cujos mastros nos veleiros de competição também não conseguem passar. É lamentável.

Muito antes, em 08.08.06 alertei para alguns dos inconvenientes da localização que se pretende para a Ponte Chelas-Barreiro. E, mais tarde, em 25.04.07 escrevi: Chelas-Barreiro ou, quem sabe, Alcochete-Bobadela, em túnel sob o rio poderá vir a ser uma solução aceitável para, um dia, se fechar a malha rede-ferroviária ligando as zonas urbanas a Norte e a Sul do rio Tejo. Numa perspectiva que irá facilitar, ainda mais, a mobilidade suburbana nesta área; admitia, claro está, o aproveitamento do actual canal ferroviário de Lisboa / Azambuja, devidamente alargado e melhorado, conforme várias propostas que apresentei por escrito.

Nessas propostas não haveria problemas de cotas a resolver, nem poluição desenfreada, nem dificuldades de navegação nem, tão pouco, o atravessamento de camadas geológicas fortemente poluídas pelas indústrias do Barreiro (a remover). E, contrariamente ao que pensa a SET, o fecho da cintura rodo-ferroviária (numa e na outra margem do Tejo) seria concretizado sem os inconvenientes da solução Chelas-Barreiro; esta, pelo contrário, ameaça destruir uma boa parte da zona oriental de Lisboa sem, todavia, resolver esse problema dado encontrar-se demasiado inserida na malha citadina.

Lembro, também, que a ligação ferroviária apresentada – com o aproveitamento do atrás citado canal ferroviário (v. os meus textos de 25.09.05; 24.12.05; 06.01.06; 20.11.06 e 25.04.06) – poderia sem grandes dificuldades e por um custo muitíssimo mais baixo, encontrar uma solução expedita para a ligação da Região de Lisboa com o Norte do país; e, para que não me restassem dúvidas percorri, a pé, mais de uma vez, os troços entre V. Franca e Alhandra e Gare do Oriente – Sta. Apolónia, possivelmente os mais difíceis para implantar esse traçado.

Além de outras vantagens iria encurtar, substancialmente, o trajecto Lisboa / Caia mediante uma ponte a construir nas cercanias de V. N. Rainha (incomparavelmente mais barata do que a solução Chelas-Barreiro); não esquecendo, ainda, que este traçado, no terreno, seria muito mais fácil do que aquele que foi escolhido.

Será para cumprir promessas eleitoralistas? Ou será para aproximar, ainda mais, este traçado de AV da cidade de Évora, património mundial? Mais uma vez lembro o que é normal fazer em circunstâncias idênticas: quando do traçado da LGV Paris / Strasbourg, a estação de caminho-de-ferro de Reims ficou a 5 km da cidade e algo longe da sua maravilhosa catedral, mundialmente conhecida; Nancy (330.000 habitantes e uma das mais belas praças da Europa) a 31 km; Metz (400.000 habitantes e com um património artístico notável), a 27 km. De salientar que, relativamente a estas duas últimas cidades, o TGV passa sensivelmente a meio da distância entre elas. É corrente proceder assim, na medida em que a AV procura o traçado mais curto, sem descurar servir os objectivos intermédios, muito embora determinada a cumprir o essencial em função das distâncias aconselháveis.

Senhora SET, permita que lhe faça um pedido que, uma vez concretizado, ajudaria a tirar conclusões mesmo para os leigos. Mande V. Exa. fazer uma maqueta, em modelo reduzido da Ponte Chelas-Barreiros e das suas amarrações nas zonas limítrofes; é algo de corrente em obras deste tipo mas que eu ignoro se foi feito e apresentado publicamente ou, então, não passa de um “brinquedo” para delícia de alguns, poucos, eleitos.

Em face desse modelo, sugeria que os Autarcas das Câmaras interessadas, os responsáveis da APL e da RAVE/REFER, os Urbanistas e os Projectistas que estudam os projectos ribeirinhos (todos eles e mais alguns que eu possa ter inadvertidamente esquecido) sejam convidados a apresentar um relatório-síntese, numa folha tipo A4, com as vantagens e inconvenientes do projecto proposto por V. Exa. E, como estamos numa democracia, os pareceres seriam tornados públicos.

(Continua)

Ainda ninguém percebeu que isto já é demasiado ridículo

Segundo o jornal espanhol "Marca", a verdadeira cláusula de rescisão de Cristiano Ronaldo é ainda mais astronómica: mil milhões de euros (1.000.000.000).

Ou a notícia da “Marca”, normalmente bem informada em relação ao que se passa no “Madrid”, não é verdadeira ou este caso já ultrapassa os limites da decência.

No court central

Neuza Silva

Neuza Silva

Hoje vi uma bonita jovem tenista portuguesa jogar em Winbledon com a Serena Williams.
Contra a potência física da Americana e a sua maior experiência, a jovem portuguesa apresentou um ténis muito bonito, cheio de técnica que não raras vezes venceu a adversária.
Percebendo que fisicamente não podia competir face à maior potência contrária, deu um festival de “amorties” “passing shots” e “bolas cortadas” , ante a evidente simpatia do público que enchia por completo o recinto e que muito a aplaudiu.
Foi a primeira vez que a jovem Neuza da Silva jogou neste torneio de Wimbledon. No primeiro set muito nervosa perdeu sem dar luta, ganhando uma partida. Mas no segundo set jogou maravilhosamente, ombro a ombro com a campeã americana que se viu aflita para fugir à derrota.
Para além de Neusa da Silva, temos a Michele Brito e o Gil bem mais batidos neste testes de alta competição.
Há trinta anos atrás as meninas aprendiam “ponto de cruz” !
Gosto de ver a juventude do meu país entre a elite dos países modernos, democráticos e livres!
Valeu a pena!

A Sinfonia da Morte, de Carlos Loures – I

Aventar inicia hoje a apresentação de vários excertos do livro “A Sinfonia da Morte”, de Carlos Loures. Eis a primeira parte:

 

Uma noite de Verão, na serenidade indestrutível da sua aldeia serrana,  Jorge viu no telejornal as imagens da demolição por implosão do edifício de um grande hotel na Florida. Com a sua idade e com tudo o que lhe fora dado observar durante a sua longa vida, embora amasse muito mais o futuro do que o passado,  as inovações e descobertas científicas, os prodígios tecnológicos,  já quase não o surpreendiam,  por mais fantásticos que se apresentassem. Digamos, estava saturado de prodígios – se visse, por hipótese,  astronautas a pousar na superfície de Marte, não abriria a boca de pasmo. Talvez se limitasse a beber mais um gole de aguardente velha e a puxar uma fumaça ao seu cachimbo de boa madeira de bruyère, a vulgaríssima torga ou urze portuguesa, mas que nas tabacarias insistiam em tratar pela designação francesa. O francesismo da nossa sociedade era, aliás,  uma fatalidade,  dir-se-ia que quase atávica. Como  Eça de Queirós dissera anos antes, o Portugal do século XIX era um país «traduzido do francês em vernáculo».  Na primeira metade do século XX, continuava a sê-lo. Depois, o inglês ganhou terreno e substituiu o francês como língua franca. Mas essa é outra história. Entretanto, a frase de Eça aparecera numa revista do Teatro do Príncipe Real levemente modificada – «Portugal é um país traduzido do francês em calão» – e foi assim, nesta versão mais popular, mais chula, que a frase pegou e passou a ser citada por quase toda a gente,  mesmo até por aqueles que não suspeitavam sequer da existência do autor.

O cachimbo fora  comprado há mais de sessenta anos na «Tabacaria Orge»,  da Rua do Ouro. Ali estabelecera, durante dias,  o seu posto de observação à porta da casa de Margarida, situada no lado poente da rua e, à falta de outros pretextos, fora comprando coisas a esmo, entre as quais diversos cachimbos que, durante muitos anos, apenas serviram de ornamentação à consola da lareira do salão. O hábito de fumar cachimbo era relativamente recente, posterior ao início da Segunda Guerra,  pois começara apenas quando deixara de conseguir facilmente no mercado os únicos cigarros que, não sendo um fumador inveterado, apreciava – os egípcios Abdulla – «Imperial Preference»,  que comprava em belas caixas de folha-de-flandres, ornamentadas e coloridas a verde e a dourado.

Fumar um Abdulla, não era bem um vício, era mais um ritual de comunhão com a imperecível memória de Luciano e com a recordação daqueles dias escaldantes, embora frios, do início de Fevereiro de 1908. Quando começara a usar os cachimbos, mais de trinta anos após os ter comprado,  tivera de lhes queimar devidamente os fornilhos, incendiando rum de boa qualidade no seu interior, como mandavam as regras. As boquilhas não serviam já, pois,  ou tinham-se dilatado e estavam demasiado apertadas ou, pelo contrário, haviam-se contraído e  caíam dos fornilhos,  e, deste modo, por uma razão ou por outra,  tiveram de ser todas substituídas.

Voltando à notícia da televisão. O que causara algum impacto no seu espírito fora que, ao descrever a demolição do grande edifício, o comentador tivesse utilizado aquele termo, implosão, numa acepção substantiva pertencente ao foro da Engenharia, ou, talvez  mais propriamente, ao da Física. Era um conceito novo para ele. Embora a sua formação académica fosse de raiz jurídica, as questões linguísticas sempre lhe tinham interessado muito.  Conhecia, sim, a palavra  como substantivo, mas da área específica da fonética e da fonologia. Era assim que o seu velho Morais e outros  bons dicionários o registavam – como sendo uma fase da articulação de uma consoante oclusiva, anterior à tensão, durante a qual os órgãos fonadores assumem a posição para o fechamento de que resulta a oclusão. Nesta nova acepção devia provir,  por certo, de uma americanice. Mais uma das muitas que tínhamos de suportar, pensou.  Por isso, procurou num dicionário de inglês, um Webster’s, e, os resultados foram nulos – implosion era também ali palavra afectada à área da fonética. Porém não desistiu e num dicionário enciclopédico ilustrado, de edição portuguesa muito recente que comprara sobretudo em intenção dos bisnetos, acabou por descobrir o significado que procurava – «fenómeno físico através do qual um meio sólido ou um corpo oco, submetido a uma pressão externa superior à sua resistência mecânica é esmagado violentamente e tende a concentrar-se num volume reduzido». Aí estava a resposta para o que vira no ecrã: um ruído seco e surdo e o que fora um grande e luxuoso hotel, sumira-se, como se o filme da sua construção estivesse a ser projectado de trás para diante, numa nuvem de fumo. Quando o fumo se dissipou, a imagem mostrava um concentrado monte de escombros,  reduzido face à enorme dimensão que o edifício tivera segundos antes.

Matutando em tudo o que vira acontecer ao longo da sua vida, concluiu que em Portugal, mais do que revoluções, tinham ocorrido implosões. Não ia ao ponto de afirmar que o domínio leonês, pressionado pela nobreza nativa que rodeava Afonso Henriques, implodira; nem que o mesmo acontecera às dinastias afonsina e de Avis, ou ao domínio castelhano sacudido em 1640. Era velho, mas não tanto que pudesse afirmar que o desaparecimento dos dinossáurios se devera a um fenómeno de implosão. Apenas passava agora em revista aquilo a que assistira desde que, quase setenta anos atrás, recém-formado em Direito, viera a Lisboa tratar de assuntos do pai, munido de procurações, atestados, de mil e uma recomendações da mãe, do pai e, sobretudo, das pícaras sugestões do seu primo Luciano. Pudera observar como o constitucionalismo monárquico, a ditadura franquista, a dinastia dos Braganças, a primeira República e agora a ditadura criada por Salazar e o domínio colonial tinham caído. Por implosão. Falta de resistência à pressão externa. Tal como o grande edifício do hotel de Miami, que sugado internamente quase desapareceu numa nuvem de pó. Também agora, quase sem tiros, um regime que durara meio século implodira e desaparecera numa nuvem de poeira, pairando no ar como um fantasma. Talvez também acontecesse assim noutros lugares. Em Portugal, pelo menos ultimamente,  as dinastias, os regimes, as ditaduras, implodiam. Oxalá não acontecesse agora o mesmo à democracia pela qual esperara tantos anos. Oxalá não se sumisse numa nuvem de preceitos constitucionais, de oratórias vazias, de «incontornáveis» alinhamentos internacionais… Oxalá os cravos, a onda fraterna que inundara as ruas e as praças do País não implodissem também.

Luta pela TVI acentua-se

Já estávamos desconfiados. Agora, aos poucos, vamos confirmando. Há qualquer coisa a mudar na TVI.

Depois da especulada eventual saída de José Eduardo Moniz, de que a gorada candidatura ao Benfica foi o exemplo mais recente, o jornal i refere que há uma luta pelo poder que envolve a Portugal Telecom, a Ongoing e o grupo de Joaquim Oliveira.

Já o Diário Económico salienta que a principal operadora de telecomunicações espanhola, Telefónica, poderá vir a ter influência de gestão na TVI.

Em pano de fundo estarão os milionários negócios das transmissões televisivas. Mas não deve ficar por aqui a corrida pelo domínio do canal de maior audiência em Portugal.

Terminou a semana aberta

Terminou às 24h00 de domingo a primeira semana aberta do Aventar. Foi uma excelente semana com a participação de vários leitores do blogue, alguns dos quais, um dia, poderão ser aventadores oficiais.

Em breve, Aventar irá regressar com uma nova iniciativa.

Entretanto, iremos dentro de alguns dias relançar “Os 10 + Influentes de Portugal”. Com a característica de alargamos a votação e indicação das opções dos “10 +” do nosso país a todos os leitores.