
A natureza que dá lucro, causa catástrofes
Continua a ser-me difícil não desabafar sobre as catástrofes acontecidas durante estes pesados dias. Dias pesados, porque nem os sentimentos, nem o espírito nem o corpo são capazes de suportar as hecatombes ocorridas ao longo destes dias em diferentes partes do mundo. Sítios do mundo geograficamente distantes uns dos outros, unidos apenas pela parte mais pesada e difícil de suportar do ser humano, os sentimentos. Esses sentimentos ou emoções que comandam a nossa racionalidade, atributos que definem o nosso pensar e dizer, ou operação do espírito de que nascem as nossas opiniões ou juízos. Juízo ou discurso, argumento, proposição, observação dos acontecimentos que arrasam o nosso sentir ou aptidão para receber as impressões do exterior na nossa consciência íntima.
É um discurso, semelhante a um discurso, esta primeira parte das minhas palavras. Mas, não tenho outras. Todas as palavras relacionadas com sentimentos, racionalidade, hecatombes, catástrofes, têm sido gastas nos ensaios prévios a este. Era um sábado 27 de Fevereiro deste ano de 2010, em tudo parecia como um dia de sábado, esse dia da semana que mais gostamos, porque não corremos, porque é cumprido, porque ainda fica o dia seguinte de folga, que é domingo. Pode chover, pode haver trovoada, pode estar frio, nos estamos agasalhados. Esses poucos de nós que podemos guardar-nos do gélido inverno, enquanto muitos outros andam pelas ruas da amargura dos sem abrigo, dos que trabalham como se fosse segunda-feira, dos que andam a limpar as ruas. Dos que tentam defender-se do pior inverno da minha memória.
No entanto, esse sábado especial, trouxe notícias dilacerantes, duras, de terror. Hecatombe tinha acontecido no arquipélago da Madeira, terramoto tinha acontecido no Chile. De um começo de noite agasalhado para começar um sábado de descanso – para os que descansam ao sábado, o meu sábado é o melhor dia porque sou capaz de escrever em silêncio horas a fio, ninguém está em casa, apenas Bach, Beethoven e Chopin. E o telefone.
Esse telefone que me anuncia, no meio da manhã, que o Chile tinha sofrido o pior dos terramotos dos últimos cem anos dos seus duzentos anos de vida como República independente. As casas tinham caído, as ruas estavam arrasadas, os incêndios apareciam em todos os cantos das cidades do centro sul do país. E as réplicas, e as casas que continuavam a ruir cada vinte minutos. Na Madeira, essa semana, os riachos tinham levado casas, pessoas e bens, desmoronaram partes do cerro onde casas tinham sido construídas a intempérie e risco de deslizarem se chovesse muito, investimentos perdidos. Investimentos para convidar turistas a passearem pelo que tinha sido, durante anos, o jardim do Éden. Como no Chile, que guardava esse centro do pais até oitocentos quilómetros ao sul, como uma relíquia para vender paisagens e passeios aos turistas. Os dois sítios tinham essa beleza como a da imagem do início do texto. Na Madeira, ao longo dos anos, os leitos dos rios secaram e neles se construíram casas, vendidas a preços difíceis de pagar, as casas dos socalcos do cerro tinham jardins com flores de um aroma perfeito. Como todo esse centro sul do Chile, que guardava partes das cidades velhas, do tempo da colónia da monarquia espanhola, preservadas para passear estrangeiros pelo século XVI em frente. Um negócio que rendia milhares de euros na Madeira, de pesos no Chile.
E essa é a minha ideia. Chorar, já chorei tudo o que podia, até se secarem as gotas que me caíam dos olhos. Tentar saber dos nossos, nunca tinha poupado tanto em telefone como nesses dias amargos em que as partes mais antigas da capital do Chile se desmoronava em apenas noventa e nove segundos, e cidades, orgulho do país, como Curicó, palavra da língua mapudungum dos Mapuche do Chile, que em Castelhano significa águas pretas, perdera o seu centro histórico, a duzentos quilómetros ao sul de Santiago, e Talca, ou Tralca, palavra do castelhanismo do mapudungum, que significa trovão e que era sempre comparada a Paris e Londres, esse rim da aristocracia chilena, com as suas indústrias, fábricas, cultivo da remolacha ou beterraba utilizada no fabrico de açúcar, essas casas de três pátios com palmeiras, quintais e fontes de água, foram arrasadas. Os prédios mais modernos, feitos para os que queriam lares próprios, ruíram ou para o lado direito, outros para o lado esquerdo, conforme o vaivém do sismo. Os caboucos tinham sido feitos pouco aprofundados para construir estacionamentos subterrâneos e as vigas de ferro para segurar os prédios, poupadas e com pouco cimento. Talca ficou arrasada, o hospital ruiu, os doentes em tendas de campanha passaram a ser atendidos nas ruas, e as mortes a intempérie começou entre os mais velhos e as crianças. Nem notícias podia ouvir, entre os meus soluços e o tremendo desgarro de não saber onde estavam os meus, esse sábado dormi para esquecer os factos no meio da minha estonteada solidão de homem sem família, ou com a família dispersa em sítios distantes. Sem meio segundo de comunicação.
E reagi. Não podia ser. A causa dos desastres nos meus dois países, é o lucro que rende a venda de casas construídas nas ribeiras secas, em socalcos onde se pensava que sobre eles nunca mais choveria. O lucro dos proprietários das terras secas, dos prédios novos, da ambição de os levantar até dezassete andaras, todos feitos com paredes de vidro para mostrar ao público a elegância e conforto das casas e do bem que se vivia, acabaram em menos de um minuto.
A causa do terramoto no Chile e da catástrofe da Madeira, é apenas devido à ambição de lucro ou dos governos, que deviam legislar e planificar para salvar vidas com antecedência. Não tenho dúvida que a terra tremeu, que é sabido que a terra treme, que há tsunamis. O balneário de Constituição, a praia de Talca, ficou arrasado por um tsunami que devorou as orgulhosas casa construídas mesmo junto do mar, em terrenos cimentados, como as de Talcahuano e Concepción. O orgulho latifundiário, a riqueza das vendas da produção, permitiu num país pobre, endividar-se para ter casa na cidade e casa na praia. A causa dos desastres é a ambição do lucro dos que têm hierarquia para mandar e a usam para enriquecer, como foi, também, o caso do sul de França, que passados dois dias foi fustigado pelo furacão Cinthia alagando as casas, matando gente até os salvadores de pessoas em risco, num Concelho que tem uma lei que proíbe, por causa da vila ficar ao pé do mar, construir abaixo do nível das suas águas, no entanto, por conveniência do concelho, para lucrar, foi desrespeitada a lei e permitida a construção de casas com cais para veleiros. Cinquenta e três mortos e percas em bens.
No Japão sabe-se que a terra treme todos os dias e sabe-se também que naquele país têm sabido construir casas que defendem os seus habitantes até dos tsunamis ao flutuarem na água, sem se afundarem. O Japão bem sabe que um terramoto no Chile, produz inundações nas suas ilhas. E defende-se, sem cobrar mais por isso, como acontece na Madeira e no Chile, construídos recentemente para lucrar e comerciar com os turistas, carregando no preço de propriedades, ou de casas para o verão…que nestes dias foram levadas pela ambição das autoridades ao cobrarem impostos ou ao gerirem (mal) o que são terras baldias por serem, durante um tempo, leitos secos de rios que um dia se lembraram de entrar e semear desgraças.
Sim, a natureza treme, todos sabemos isso, mas o terramoto é causado pelo afã de lucrar de proprietários e autoridades.
Como vão pagar, doravante, tamanha felonia, se o lucro apenas quer mais-valia, causa de desastres.
Terramoto e o desastre que defino como o resultado da ambição da riqueza das nações… que acabam por ter que se endividar por causa da sua orgulhosa procura de mais-valia quando se pensava que nada, nunca, podia acontecer.
E hoje choros, mas de raiva pela irresponsabilidade dos governantes que não apenas incentivam o lucro, bem como ganham com ele… à custa de mortos, desaparecidos e o terror das pessoas, que no seu desespero, passam de seres honesto a ladrões…imitação da vida dos seus governantes…e dos aldrabões que ganham dinheiro… retirado da falta do mesmo, até enganar os tontos que não entendem que a natureza pode-nos jogar más passadas….
concordo plenamente com td ki vc disse ….
😉 tem tel ???
bjinhus
caro amigo,
é triste de facto, mas mais triste ainda é (e falando especificamente no nosso governo), o país ter os meios, receber os alertas, saber de antemão quais as situações “catastróficas” e depois cruzar os braços e esperar que as seguradoras paguem por tudo.
Infelizmente vivemos num país que tem pelo menos umas 70 pessoas formadas em Gestão de riscos naturais (eu sou uma delas), NINGUÉM está a trabalhar na área… ao longo do curso fizemos vários estudos de caracter científico e devidamente fundamentados, sobre uma série de situações previstas de causar danos materiais e/ou humanos.
A situação da Madeira foi prevista (http://www.carroo.org/viewtopic.php?f=21&t=294), nada foi feito…
A situação de Amarante é igualmente preocupante, do meu ponto de vista, as autoridades competentes foram devidamente informadas já em 2004…
Tenho pena, que vivamos num país em que o nosso Governo prefere indeminizar as vítimas, em vez de as proteger e informar.
Tenho pena, que aos olhos do nosso Governo, a vida humana dos cidadãos tenha tão pouco valor…